15/8/2013, [*] Nil Nikandrov, Strategic Culture
“The US’ All-Out Espionage Against Brazil. To what end?”
Traduzido
pelo pessoal da Vila
Vudu
Ler também:
Edward Snowden |
A
primeira visita de estado da presidenta Dilma Rousseff aos EUA deve acontecer
dia 23/10. A preparação para essa visita foi obscurecida pelas revelações de
Edward Snowden. Documentos sugerem que o Brasil é o país, de todo o hemisfério
ocidental, no qual o trabalho de inteligência dos serviços de segurança dos EUA
é mais ativo. Segundo informações vazadas para a mídia, os norte-americanos
interessam-se por tudo – da estratégia de desenvolvimento das Forças Armadas e
os conteúdos de seus programas de cooperação técnico-militar com China, Rússia e
Índia, à vida pessoal de líderes políticos e comandantes militares brasileiros.
E grande parte do trabalho é tentar encontrar imundícies que envolvam a
presidenta Dilma e as figuras de seu círculo mais próximo...
Em
décadas recentes, Washington tem considerado o Brasil como seu principal rival
na região; o acelerado desenvolvimento do país em setores como modernas
tecnologias, energia, indústria de defesa e tecnologia espacial ao longo dos
últimos 20-25 anos, levou a vasta maioria dos países latino-americanos a
consolidarem-se em torno do Brasil. O projeto de integração pan-americano
concebido pelos EUA, o Free Trade Agreement of the Americas (FTAA)
[Acordo de Livre Comércio das Américas] fracassou espetacularmente durante a
Cúpula das Américas, na cidade argentina de Mar del Plata em 2005. Brasil,
Argentina, Venezuela e outros países do continente disseram “não” a Washington
e, em seguida, puseram-se a trabalhar na direção de uma verdadeira integração
latino-americana. O Brasil tem papel legítimo de liderança na região, posto que,
diferente dos EUA, jamais atuou como “polícia regional”.
John Kerry |
Se
a visita do secretário de Estado John Kerry ao Brasil, antes da fuga de Snowden
e antes da visita de Rousseff a Washington, foi em larga medida visita
organizacional, agora a agenda está praticamente concentrada em torno da questão
da espionagem norte-americana. Não é difícil entender a indignação dos
brasileiros.
Por um lado, Washington continua a reiterar que o Brasil é seu
principal aliado na América Latina; por outro, está sequestrando segredos
militares do país e copiando correspondência da presidenta, dos ministros de
Defesa e Relações Exteriores e de outros altos funcionários responsáveis por
importantes decisões. Com que finalidade? Só para saber? Ou tenta reunir
material que possa ser usado para intimidar o mais alto nível do governo do
Brasil, no caso de surgirem impasses graves nas relações bilaterais? Em alguns
países da África, Ásia e da Europa Oriental, o método deu certo. Obama talvez
conte com repetir aqueles “sucessos” também nos contatos com o Brasil.
Elias Jaua |
Dia
5/8/2013, os ministros de Relações Exteriores dos países do Mercosul reuniram-se
com o secretário-geral da ONU Ban Ki-moon, para manifestar preocupação e
indignação contra ações dos norte-americanos nas operações de ampliação de seu
sistema de espionagem global. O ministro venezuelano, Elias Jaua, falou em nome
dos ministros regionais:
Essa
prática é completa violação da legislação internacional e da soberania dos
países e agride os direitos fundamentais de todos os seres humanos, em todo o
planeta.
Todas
as organizações regionais, inclusive a CELAC (Comunidade de Estados
Latino-americanos e do Caribe) e a UNASUR (União das Nações Sul-americanas),
também manifestaram seu protesto. E a ação avançará além dos protestos. Nos
próximos dois ou três anos, o Brasil e outros grandes países líderes na América
Latina planejam criar canais independentes de comunicação eletrônica, com
servidores localizados fora de território americano. E tomar-se-ão medidas
preventivas, que protegerão esses canais contra qualquer intrusão hostil.
Antonio Patriota |
Washington
deu algumas explicações relativas à espionagem contra o Brasil, que o Ministro
de Relações Exteriores Antônio Patriota considerou insuficientes. Em resposta, o
Departamento de Estado convidou-o, com outros funcionários brasileiros, para
visitarem os EUA e verificarem in situ o trabalho da Agência de Segurança
Nacional, evidentemente, para convencerem-se de que o Brasil não estaria sob
vigilância eletrônica. Na superfície, é gesto de boa-vontade. Na realidade, a
suposta abertura visa a objetivos de propaganda: “Temos feito o possível para
tranquilizar nossos aliados ao sul do Rio Grande”. Vãs esperanças. Nenhum dos
aliados dos EUA na região está tranquilo.
Ao
expor a política de duas caras dos EUA na América Latina, Snowden acertou golpe
tão devastador, que de agora em diante, até o fim de seu segundo mandato, Obama
sempre aparecerá marcado como hipócrita e mentiroso, nos contatos com seus
parceiros latino-americanos.
O
embaixador dos EUA no Brasil, Thomas Shannon, está para deixar o posto, de onde
partirá sem glória. Tentou posicionar-se como político versátil, objetivo e
responsável, disposto a diálogo construtivo. Ao final, verificou-se que Shannon
em nada se diferencia da “geração império” de diplomatas norte-americanos,
ativos durante os governos de George W. Bush e Barack Obama. Declarem o que
declararem, prometam o que prometerem e garantam o que garantirem... tudo muda
quando se trata de promover os objetivos da política externa intervencionista
dos EUA. Então se desdizem e abandonam qualquer promessa, qualquer compromisso.
Esse
hábito de mentir abertamente que o Departamento de Estado dos EUA desenvolveu ao
longo dos últimos 20 anos e o desejo assumido de fazer tudo a seu modo, a
qualquer custo, agindo como superpotência ostensivamente capaz de fazer o que
bem entenda, já causaram danos substanciais e continuam a prejudicar gravemente
a diplomacia dos EUA.
Thomas Shannon |
Thomas
Shannon é responsável por um fosso que corta hoje as relações entre Brasil e
Venezuela, dedicado durante anos a convencer [jornalistas e formadores de
opinião] brasileiros de que “a ideologia populista de Chávez” acabará, mais dia
menos dia, por desestabilizar o Brasil; e que melhor seria se o Brasil tivesse
ali um regime politicamente mais moderado. De fato, nada faz, além de trabalhar
para facilitar os movimentos de uma oposição-fantoche na Venezuela, financiada
com dinheiro norte-americano e informação das agências norte-americanas de
segurança, que sempre foi hostil a qualquer aliança entre Brasil e Venezuela.
Essa política anti-Venezuela da Embaixada dos EUA no Brasil sempre foi mantida
contra Hugo Chávez e prossegue contra o presidente Nicolás Maduro, atualmente
sob ataque.
Informação publicada no portal BAE-Mundo mostra que Shannon, ainda
como Secretário de Estado assistente em 2009, enviou correspondência marcada
“secreta” a Keith Alexander, diretor da Agência de Segurança Nacional, na qual
lhe agradece pela inestimável ajuda na preparação da Cúpula das Américas em
Trinidad e Tobago. O Departamento de Estado dos EUA recebeu então mais de cem
documentos da Agência de Segurança Nacional, obtidos por espionagem em gabinetes
presidenciais e nos ministérios de Relações Exteriores de vários países do
continente. Shannon agradece com especial ênfase, porque:
(...)
os documentos da Agência de Segurança
Nacional nos deram compreensão profunda dos planos e intenções de outros membros
do fórum e garantiram que nossos diplomatas estivessem preparados para dar
assistência qualificada ao presidente Barack Obama e à secretária de Estado
Hillary Clinton.
A
informação ajudou Washington a planejar o curso de sua ação relacionada a
questões complexas como a inclusão de Cuba na Cúpula das Américas. Também
construíram ação estratégica, contra oponentes difíceis como Hugo Chávez. Na
essência, foi estratégia de “promessas preventivas”! Resultado dela, Obama pôde
fazer pose de líder disposto a iniciar diálogo com a América Latina para
“construir relações positivas e produtivas” com os vizinhos dos EUA no
Hemisfério Ocidental.
Nossos
rivais na região preparavam-se para nos envergonhar e nos criar problemas. Mas
conseguimos sucesso onde eles falharam
– Shannon escreveu com satisfação na carta ao diretor da Agência Nacional de
Segurança.
Liliana Ayalde |
Divulgou-se recentemente que
Liliana Ayalde, com seus quase 30 anos de experiência no campo internacional,
foi nomeada nova embaixadora dos EUA no Brasil. Não é difícil identificar o
viés que marca toda a carreira dela: elos muito íntimos com a Agência dos
Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (orig. United States
Agency for International Development, USAID), com foco na América
Latina e Caribe.
Essa organização trabalha em contato direto com a CIA, a
Agência de Inteligência da Defesa e outras agências de inteligência dos EUA,
tradicionalmente para dar “cobertura” a Ayalde em suas operações. Como diretora
de missão da USAID, Ayalde atuou na Nicarágua e em outros países da
América Central, e esteve envolvida na implementação do “Plano Colômbia” – cujo
mais importante objetivo foi impor pressão estratégico-militar sobre a Venezuela
e o Brasil.
De
2008 a 2011, Ayalde foi embaixadora dos EUA no Paraguai, e teve participação
significativa no golpe que derrubou o presidente Lugo.
Nos
últimos dois anos, Ayalde trabalhou como vice-secretária assistente do
Departamento de Estado, para o Caribe, América Central e Questões Cubanas. Não
há dúvidas de que Ayalde vai para o Brasil para introduzir agressivamente, nos
círculos do governo [e da mídia], seu relacionamento hostil com o governo de
Raúl Castro, uma vez que, como se sabe, a presidenta Dilma Rousseff, como o
antecessor, presidente Luiz Inácio Lula da Silva, veem Cuba como aliado chave do
Brasil no Caribe.
Todd Chapman |
O
número dois na equipe da embaixada, que ali estará para ser observado por Ayalde
por dois anos, será Todd Chapman, recentemente retornado de missão no
Afeganistão, onde cuidou da “coordenação do desenvolvimento e da economia”. A
lista das universidades pelas quais Chapman é titulado, além da elitista Duke University, inclui o National Defense Intelligence College do
Departamento de Defesa dos EUA. Estudou economia e temas de interesse para a
inteligência, dentre os quais energia em geral, petróleo e gás, finanças e
comércio internacional. Chapman trabalhou na Bolívia de 2004 a 2006; de 2007 a
2010 foi Chargé d’Affaires em Moçambique. Serviu em outras missões,
muitas das quais envolveram elementos de improvisação. Chapman sempre foi
mandado para áreas complexas, motivo pelo qual chega agora ao Brasil.
Há
dúzias de empregados de agências de inteligência que servem hoje na embaixada e
nos consulados dos EUA no Brasil.
Um dos servidores do sistema da Agência de
Segurança Nacional dos EUA de vigilância total opera no próprio prédio da
embaixada em Brasília. É usado para interceptar a comunicação da presidenta, dos
ministros, das agências brasileiras de segurança e do Parlamento brasileiro.
Não
importa que promessas John Kerry tenha feito durante sua estadia no Brasil ainda
no início do “escândalo da espionagem”: nada mudará nos fronts da guerra
clandestina que as agências de inteligência dos EUA fazem em todo o mundo.
O
exército invisível da espionagem total continua a operar.
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[*]
Nil Nikandrov é
um jornalista sediado em Moscou cobrindo a política da América Latina e suas
relações com
os EUA; crítico ferrenho das administrações neoliberais sobre as economias
nacionais latino-americanas.Especializou-se
em
desmascar os esforços feitos pela CIA e outros serviços de inteligência
ocidentais para minar governos progressistas na América Latina. Autor de vários
livros - tanto de ficção e estudos documentais - dedicados a temas
latino-americanos, incluindo a primeira biografia em língua russa de Hugo
Chávez.
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