28/8/2013, [*] MK
Bhadrakumar, Strategic
Culture
“Iran Can Finesse Obama’s
Legacy”
Traduzido
por Resistir e adaptado para o português do
Brasil pelo pessoal da Vila
Vudu
Heil, Obama! |
O
presidente Barack Obama está fixando um novo precedente na história dos EUA como
potência imperialista. Ele já praticamente pediu desculpas, antes de ordenar um
ataque militar contra um país soberano com o qual os EUA não estão em guerra e
que não ofendeu, nem remotamente, interesses e preocupações vitais dos EUA.
A
administração Obama divulga antecipadamente que os EUA farão um ataque militar
“limitado” à Síria. Quis informar, até, para quando se pode esperar o referido
ataque – mais provavelmente na 5ª-feira. Quem agora duvidará de que Obama seria
estadista humano e respeitoso?
Bashar al-Assad |
Por
ataque “limitado”, Obama quer dizer que não atacará diretamente arsenais de
armas químicas, mas só os “sistemas de entrega”; significa que só atacará a
Força Aérea Síria e as unidades do Exército capazes de efetuar um ataque com
armas químicas. E quem esteja no comando das forças armadas do país e, portanto,
nos sistemas de “comando e controle” das forças armadas sírias, também serão
alvejados.
Em suma,
o plano, por trás do ataque “limitado”, é degradar as forças armadas sírias. O
objetivo político é claro. A administração Obama insiste em que não se trata de
ataque para “mudança de regime”. Significa que os EUA e seus aliados teriam
esperança de que, submetidas à imensa pressão da morte e da destruição, as
forças armadas sírias automaticamente se porão, afinal, a questionar a qualidade
da liderança do presidente Bashar Al-Assad, o que, por sua vez, pode levar a
golpe contra ele, o que não seria “mudança de regime”, mas, mesmo assim, seria
“mudança de regime” bem satisfatória.
Donald Rumsfeld |
A
experiência do Iraque ensinou aos EUA sobre a importância crucial de manter
intactas tanto quanto possível as estruturas e instituições do Estado – leia-se,
as forças armadas, o
establishment de
segurança e a burocracia – em países nos quais o regime mude de mãos de acordo
com a vontade dos EUA.
O risco
envolvido é grande porque, implícita nessa situação está tanto o “sabido” (o que
se sabe que se sabe) como o “não sabido não sabido” (o que não se sabe que não
se sabe e é, portanto, desconhecido), como advertiu certa vez o antigo
Secretário da Defesa, Donald Rumsfeld. Para citar a declaração à imprensa de
Rumsfeld em fevereiro de 2002: “Há saberes conhecidos; é o que sabemos que
sabemos. Há incógnitas conhecidas, isto é, há coisas que agora sabemos que não
sabemos. Mas também há incógnitas que não vemos; é o que não sabemos que não
sabemos”.
Rumsfeld
falava então no contexto do Iraque e prognosticava que os principais perigos da
confrontação vinham das “incógnitas que não vemos”, que eram ameaças de Saddam e
completamente imprevisíveis.
Situação na Síria em meados de junho/2013 |
Basta
isso, para que se possa dizer que está muito longe de estar claro, seguro e
garantido que o governo Obama alcançará seu objetivo, porque até agora só se
considerou o que se sabe que se sabe da Síria. Mas, sim, está bem claro, num
sentido muito mais vasto e profundo, o seguinte;
Primeiro: este movimento para
atacar a Síria decorre de um plano mestre que os EUA (e a OTAN) mentem, desde o
início, que não existiria. A arte da dissimulação, aperfeiçoada ao ponto
supremo. Os EUA fizeram uma conversão abrupta na estrada que levaria a
Genebra-2, sem se darem o trabalho de explicar por que, e unilateralmente
concluíram, sem ter nenhuma prova real, que o governo sírio deveria ser
considerado responsável pelos mais recentes ataques com armas químicas perto de
Damasco.
Segundo: quando os tempos são
difíceis, os EUA unem seus aliados e formam uma “coligação de vontades”. A
desordem que houve entre, de um lado os EUA e de outro seus aliados do Golfo
Pérsico (e Israel), sobre a mudança de regime no Egito, afinal, não passou de
pequena altercação entre vendedores de mercado de peixe. Quando surge a
necessidade e aparece o momento, eles infalivelmente se deslocam juntos, como
lobos em alcateia.
Terceiro: os EUA interpretam
unilateralmente o direito internacional e não têm pruridos para lançar ataques
militares sem mandado do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Embora regidos
por democracia que declara os valores da democracia “inclusiva”, os governos
norte-americano agem sem qualquer atenção à opinião pública interna. Pesquisas
de opinião nos EUA já mostraram que não chega a 10% a fatia dos norte-americanos
que quer que seu país se envolva, seja como for, na guerra civil da Síria.
Quarto: Obama tem-se dedicado a
jogar areia nos olhos da opinião pública mundial, criando a impressão de que não
haveria mais “Afeganistões” e “Iraques” e que ainda cambaleia de sofrimento cada
vez que chega mais um saco de cadáver, da guerra afegã, e ele tem de assinar a
carta de condolências à família enlutada. A invasão dos EUA ao Iraque resultou
na morte de centenas de milhares de civis inocentes, que não deixam cicatrizes
na sensibilidade de Obama.
Mas a
melhor e mais profunda lição que se pode extrair disso tudo, desde que os EUA
começaram a contagem regressiva para atacar a Síria é outra, e exige outra
pergunta: por que a Síria? Por que não a Coreia do Norte?
Coreia do Norte desfila sua força |
Não é
difícil responder. Como os analistas militares da CNN não se cansam de explicar,
a nova guerra será operação militar sem risco de baixas norte-americanas. O
ataque à Síria será encenado a partir do mar azul, com mísseis cruzadores. Não
se usarão sequer aviões tripulados por norte-americanos, de medo que sejam
abatidos.
Os
analistas americanos explicam que as forças armadas sírias já estão super-tensas
após dois anos de combate aos rebeldes por todo o país. Insistem que a Síria
sequer conseguiu retaliar, contra repetidos ataques aéreos israelenses – algo
impensável há apenas um par de anos. Em suma, a Síria não tem poder de
dissuasão.
É onde Kim Il-Sung e Kim Jong-il mostram suas qualidades
de líderes visionários. Ambos deixaram como herança ao atual governo de Kim
Jong-un em Piongiang um poder de disuasão que obrigará Obama a pensar, não duas
vezes, mas várias vezes, antes de atacar militarmente a Coreia do
Norte. [1] E nesse ponto,
exatamente, o pai de Bashar parece ter vacilado.
Kim Jong-un acena para o povo coreano (foto de 8/4/1013) |
Para o
Irã, doravante, tudo isso pode ser lido como peça dramática, com “moral da
história”. Naturalmente, o regime iraniano observa com muito respeito e
seriedade os decretos islâmicos (fatwas) que lhe vêm de seu Líder
Espiritual e Supremo Líder, e que proíbem o estado de iniciar um programa para
produzir armas nucleares. Mas, será sábio insistir na obediência?
Afinal
de contas, é preciso primeiro estar vivo para obedecer decretos islâmicos – vale
também para os persas. A questão é: o iminente ataque dos EUA à Síria deve ser
escutado como estridente campainha de despertador, pelo regime iraniano. Deve
despertá-lo, bem alerta, para a luta existencial que terão pela frente.
Mohamed Mossadeq |
Como
Teerã poderia levar a sério a palavra de Obama? Ainda na semana passada emergiu
oficialmente dos materiais de arquivo dos EUA, que o golpe de 1953 contra
Mohamed Mossadeq foi operação da CIA; e que os horrendos ataques com armas
químicas das forças de Saddam Hussein só foram possíveis, porque Saddam contava
com informações cruciais de inteligência que a CIA lhe fornecia.
O que,
de tudo isso, teria mudado sob Obama? A liderança iraniana deve ponderar
calmamente e coletivamente.
Seja
qual for o resultado do iminente ataque dos EUA à Síria, e que está destinado a
ter trágicas consequências, Teerã deve tomar uma decisão, que é crucial para
salvaguardar-se contra agressão semelhante. O único meio de conseguir isso é
construir para si o poder dissuasivo que a Coreia do Norte possui – e poder que
mantém os predadores à distância.
A opinião pública mundial
entenderá. Os mansos também têm direito moral à autodefesa – ainda que estejam
longe de herdarem a terra como Deus profetizou. Essa seria, então, a mais
refinada herança do governo Obama, ao mundo: um Irã nuclear.
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Nota dos
tradutores
[1] Sobre
isso, ver também, interessante: 5/9/2011, redecastorphoto em: Pepe Escobar: “O Amado Líder e o
Oleodutostão”, Asia
Times Online.
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[*]
MK Bhadrakumar foi
diplomata de carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União
Soviética, Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão,
Uzbequistão e Turquia. É especialista em questões do Irã, Afeganistão e
Paquistão e escreve sobre temas de energia e segurança para várias publicações,
dentre as quais The Hindu, Asia Times Online e Indian Punchline. É
o filho mais velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista,
tradutor e militante de Kerala.
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