20/8/2012, [*] Pepe
Escobar, Asia Times Online – The Roving Eye
Traduzido
pelo pessoal da Vila
Vudu
Ei-lo, o novo faraó egípcio,
Pinochet Sisi, em toda sua glória e fausto. Vídeo a seguir:
Legendas
são supérfluas. É o general Abdel Fattah al-Sisi em seu momento Óscar: no
discurso de agradecimento aos produtores/patrocinadores. Quando menciona “a
Arábia Saudita” [27”], a plateia vai ao delírio. Quando menciona o [rei]
“Abdullah” [50”], a plateia vai ao delírio.
Que
desempenho! Vem aí o filme-biografia. Ele já sonha com Jack Nicholson para
encarná-lo nas telas. Observem o risinho autocongratulatório, de quem tem
certeza de que enganou legiões de árabes “progressistas” – de esquerdistas
seculares a nasseristas – fazendo-os crer que ele defende os interesses do
perenemente invocado “povo egípcio”.
Observem
a etiqueta “Luta contra o terrorismo” no canto superior esquerdo da telinha. É
Sisi encarnado em Dábliu – em modo “Missão Cumprida”. Quem se incomoda de o
Egito ter sido reduzido a estado totalmente (além de ensanguentado) falhado?
Quem se incomoda com manchetes dentre as quais não se sabe qual a mais terrível
– “Militantes no Sinai executam 25 policiais egípcios” versus “Junta mata
por sufocamento 38 detidos numa viatura da Polícia”? Sisi está vencendo a
“guerra ao terror” – como nova cabeça da serpente, a serpente que nunca
desapareceu.
Hosni Mubarak |
Fiquem
à vontade para banhar-se na glória da serpente. E, como clímax do show, a
cabeça anterior da serpente pode deixar a cadeia nas próximas 24 horas. Para
delícia da Casa de Saud, que o amava como se fosse um deles, os encantadores de
serpentes estão prontos para libertar Hosni Mubarak. “Primavera Árabe”? –
Pode-se já ouvir a voz da ex-cabeça da serpente. – “Não me façam rir”. E ele não
rirá. Não, pelo menos, em público. Essa “Primavera Árabe”, essa criação da
Google, nunca aconteceu. Podem ir para casa – e fiquem lá. A serpente protegerá
vocês e defenderá os interesses do “povo egípcio”. Mas lembrem: se estiver
contra nós, você é terrorista. E pegaremos você.
Decidimos
nada decidir
Os
produtores do épico egípcio estão tão deliciados quanto seu astro. Que grande
sucesso de bilheteria. Quem se incomoda por a Poodle-lândia na União
Europeia organizar reunião “de emergência” para essa 4ª-feira, na qual talvez
“suspenda a ajuda” ao Glorioso Sisi? Quem dá bola ao Congresso dos EUA, que
talvez siga a mesma via?
Barack Obama "Golpe que não é golpe" |
Visualize
uma tela dividida ao meio, em que se veem as gargalhadas na toca dos produtores
em Riad. Para o governo Obama tratou-se sempre de golpe que não é golpe, embora
ande como golpe e fale como golpe. Mas aqui não se aplicam imperativos
categóricos. O Congresso, pois, está decidindo que não dirá se é golpe ou não é
golpe. E o governo Obama está decidindo nada dizer sobre o que talvez decida – só que
está “reprogramando” a coisa toda.
Que
cheguem ou não cheguem à não decisão, absolutamente não importa aos produtores.
O Ministro saudita de Relações Exteriores, o eterno Saud al-Faisal, já prometeu
que os produtores máster e outros produtores associados do Conselho de
Cooperação do Golfo – leia-se Emirados Árabes Unidos – cobrirão com alegria a
ajuda que outros davam e podem dar o dobro, se a gloriosa cabeça Sisi da
serpente vier a perder a supracitada ajuda.
Saud al-Faisal |
O New York Times
esforçou-se muito para dar a impressão de que Washington trabalhou ativamente
sobre o glorioso Sisi – e os produtores – para que não dessem o golpe que não é
golpe.É piada (vejam a outra imagem, na
outra metade da tela, de Riad). A única parte que se aproveita da matéria é que
a Casa de Saud, os Emirados Árabes Unidos e Israel freneticamente incitaram,
apoiaram e ‘lobbyaram’ a favor do golpe que não é golpe. Asia Times Online já
noticiou.
Ooops!
Israel? O glorioso Sisi não poderá de modo algum agradecer a esse específico
produtor, no discurso, quando receber o Óscar. Como justificar ante a rua árabe
– que agora somos servos dos que ocupam a Palestina? Aos israelenses,
absolutamente não importa: Sisi é “dos nossos” [dos deles]; estão sempre “em
contato íntimo”; e Sisi nada fará para cancelar os acordos de Camp David.
Sunny,
a
gente adora você [1]
Rei Abdullah da Arábia Saudita |
O
governo Obama terceirizou sua política para o Oriente Médio: entregou-a à Casa
de Saud por sua conta e risco. O que o rei (A volta dos mortos vivos)
Abdullah diz é e vale. De fato, o que vale e é é o que diz o espetacularmente
ressuscitado Bandar (A volta do espião invisível) bin Sultan, também
conhecido como Bandar Bush. A beleza do golpe que não é golpe e do discurso de
Sisi ao receber o Óscar é que Bandar, exímio praticante de artes obscuríssimas,
não é sequer mencionado.
Pois
fato é que Bandar Bush – que não
conseguiu o que queria na Síria em recente reunião de quatro horas com o
presidente Vladimir Putin – conseguiu o que queria no Egito. Putin, que joga
xadrez viu a abertura: a Fraternidade Muçulmana é anátema para a Casa de Saud,
tanto quanto para o Kremlin. E, se não há mais “ajuda” dos EUA – quer dizer: já
não há dinheiro dos EUA para que a junta de Sisi compre armas dos EUA – já nada
impede que a indústria russa de armamentos entre aí, nesse vácuo.
Bandar Bush bin Sultan |
Nada
disso, é claro, fará desaparecer a tragédia síria: durante o Ramadan, Bandar Bush organizou a venda silenciosa a
Israel de pelos menos US$50 milhões em armas, que foram imediatamente
despachadas para a rede difusa de gangues salafistas-jihadistas-mercenários
patrocinada pela Casa de Saud. E isso depois de Bandar Bush ter conseguido armar o governo
Obama para ver-se livre dos qataris – que pagavam as contas da Fraternidade
Muçulmana no Egito.
Bandar
está numa roda viva. Agora, é o encarregado de uma extremamente ambiciosa
“jihad total”, estratégia de três braços na Síria, Iraque e Líbano,
manipulando o mesmo velho cavalo de ferro da Casa de Saud, de ódio sectário,
jogar sunitas contra os “apóstatas” xiitas, com pesada ênfase em terríveis
carros-bomba em áreas civis, como viu-se recentemente na explosão em Zahiyeh,
subúrbio ao sul de Beirute.
Mas
essa é franquia de longo prazo, com muitas sequelas armazenadas. Por hora, é
campeão de bilheteria no Egito. Mas pode haver pedras no caminho. O movimento
Tamarod – que coletou os 22 milhões de assinaturas que levaram às manifestações
de massa que abriram caminho para o golpe que não é golpe – está exigindo, não
só o cancelamento de toda “ajuda”
norte-americana, mas também o fim dos acordos de Camp David.
Movimento Tamarod (Rebelde) |
É
outra bomba – o coração da matéria, no que tenha a ver com EUA/Israel. E se o
Tamarod der jeito de coletar 22 milhões de assinaturas – ou mais, nada
improvável -- se se considera que a maioria absoluta dos egípcios abomina a
“paz” com Israel? O glorioso Sisi terá coragem de desagradar os produtores
israelenses? Bandar dar-lhe-á luz verde? O governo Obama implantará uma zona
aérea de exclusão sobre o Cairo?
Enquanto em todo o mundo milhões
apertam os cintos preparando-se para tempestades que se formam no horizonte, vem
notícia da Casa Branca que, essa sim, nos tranquiliza. O lar dos Obama foi
enriquecido com a chegada de um cachorrinho chamado
Sunny. É fechar os olhos e ver a cena: a família reunida para o
jantar, cantando a uma só voz: “Os dias
escuros se foram. Chegaram os dias de sol/nosso Sunny brilha tão sincero”
[2] Corta. Câmera em Sisi/Jack
Nicholson, no auge da glória: Johnny chegoooooooooou!” [3].
[*] Pepe Escobar (1954) é jornalista brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e Paris, mas publica exclusivamente em inglês. Mantém coluna (“The Roving Eye”) no Asia Times Online; é também analista e correspondente das redes Russia Today, The Real News Network T e Al-Jazeera. Seus artigos podem ser lidos, traduzidos para o português pelo Coletivo de Tradutores da Vila Vudu, no blog redecastorphoto.
Livros
-
Globalistan: How the Globalized World is Dissolving into Liquid War, Nimble Books, 2007
-
Red Zone Blues: A Snapshot of Baghdad During the Surge, Nimble Books, 2007
Notas
dos tradutores:
[1]
Verso
de “Sunny”, 1966 (Bobby Hebb). Ouve-se o autor a seguir e logo após, James
Brown:
[2]
Outro verso de “Sunny”, 1966 (Bobby Hebb). Ouve-se na nota [1] o autor e logo após
com James Brown
[3]
Jack
Nickolson, no filme O Iluminado [Shinning, 1980, dir. Stanley Kubrick], a seguir:
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