sábado, 31 de agosto de 2013

Tambores de guerra, outra vez! A “imprensa-empresa-poodle-de-colo” não aprende...

29/8/2013, [*] Patrick L. Smith, Salon
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

A ONU continua a coletar e analisar evidências do uso de armas químicas na Síria. Não há resultados no momento, mas os países ocidentais (EUA e Europa) estão fixados na ideia de agir contra o governo sírio mesmo sem provas que Assad teria usado armas químicas contra seu próprio povo.
Enquanto escrevo, 5ª-feira (29/8/2013de manhã cedo, muitos sírios estão sendo “agendados” para pagar com a vida pela “credibilidade” dos EUA. O bombardeamento de um país já devastado pela guerra é dito “simbólico”, para simplesmente dar um recadoÉ obscenidade tão grande quanto aquela contra a qual Washington diz reagir. Mais uma sociedade do Oriente Médio será ainda mais destroçada e os destroçadores nada terão a oferecer para substituir o que destroçarão.

Os EUA há muito tempo desperdiçaram qualquer credibilidade que talvez tenham tido ou desejado ter no Oriente Médio. Se a credibilidade for a causa, Washington precisa fazer muito mais que se pôr a desmontar a vila cenográfica que ela fez dos princípios que tediosamente gagueja. Mas aí está pensamento que hoje em dia já não vai a lugar nenhum.

E os EUA mergulham em outra guerra no Oriente Médio. Diferente das guerras do Iraque e do Afeganistão – verdadeiras obras de arte norte-americanas – o conflito na Síria é quadro pintado por outros. Mas, exceto por isso, esses três casos de hostilidade injustificável contra regimes “desobedientes” são espantosamente similares.

Manifestantes em Downing Street, Londres contra a intervenção ocidental na Síria
Melhor dizendo: são tragicamente similares. Ao longo da história, os norte-americanos insistimos na virtude da ignorância, em nada aprender, não saber de nada. E o que estamos à beira de fazer é o que sempre fazemos, previsivelmente, sempre. Os norte-americanos somos povo singular. Não há dúvida. Talvez, até, excepcional.

Como tantas vezes já aconteceu, o governo Obama está na mídia, rejeitando qualquer deliberação que a ONU considere justa. Na noite de 4ª feira, o Primeiro-Ministro britânico David Cameron rendeu-se às objeções do Partido Trabalhista ao apoio que o ministro vinha dando aos planos de Washington para invadir a SíriaA Grã-Bretanha agora quer esperar um relatório da ONU sobre os supostos ataques químicos, dos inspetores de armas, e dar mais tempo ao processo do Conselho de Segurança.

Mas ouçam o que disse o presidente Obama na 4ª-feira, no programa Newshour, da PBS, e é evidente que os EUA consideram atacar sozinhos o regime sírio, se preciso for:

Estamos preparados para trabalhar com qualquer um – russos e outros – para tentar reunir os grupos e resolver o conflito, disse Obama. Mas queremos que o regime Assad entenda que, ao usar armas químicas em larga escala contra o próprio povo (...) está criando uma situação na qual os interesses nacionais dos EUA são afetados, e isso tem de parar.

Portanto, já nada conta, nem a folha de parreira da concordância internacional.

Os eventos, desde o que parece ser ataques com armas químicas em quatro áreas residenciais de Damasco semana passada já trazem todas as marcas de um assalto violento de rua, com os bandidos atropelando e espancando vítima colhida em alta velocidade. 

Dado que os mísseis Cruisers que o governo está a ponto de disparar contra a Síria levarão a impressão digital de todos os norte-americanos, como uma bomba da 2ª Guerra Mundial, os bandidos somos nós (aliás, outra vez). Aí, a responsabilidade é partilhada. Somos cúmplices.

As mentiras e frases inventadas que nos contam, enquanto Washington prepara-se para “responder” à mais recente selvageria contra os sírios são construídas de modo tão esquisito, que é difícil acompanhar a jogada. O pessoal de Obama mudou completamente a coisa, diametralmente, diante de nossos olhos, deixando de lado qualquer preocupação com a verossimilhança, inventando argumentos conforme a hora. É claro que é tudo inventado! E é sempre a mesma história que já recitaram incontáveis vezes. Vai-se ver, é a única narrativa que os norte-americanos sabemos articular ou compreender – ideia assustadora, mas da qual é impossível fugir, considerando o que estamos vendo.

Especialistas em armas químicas das Nações Unidas na quarta-feira (28/8/2013) se reuniram com moradores de Zamalka, um subúrbio de Damasco que foi alvo de um ataque químico na semana passada.
As narrativas precisam da imprensa-empresa, é claro, e aí está ela, no caso da crise síria, distribuindo versões irresponsavelmente recolhidas de uma só fonte, apresentadas como se fosse opinião responsavelmente exposta, recolhida de várias fontes. E desde quando os jornalistas passaram a ver-se, eles mesmos, como agentes clandestinos da segurança nacional? Já é insuportável, essa atitude de moleque de recados do poder. Se os jornalistas fizessem o próprio trabalho com decência e seriedade, os EUA nos tornaríamos responsáveis por muito menos tragédias semelhantes à tragédia síria, e estaríamos todos, aqui, muito mais seguros. Do jeito que estão as coisas, a imprensa-empresa é peça defeituosa no mecanismo democrático.

No instante em que chegaram notícias de armas químicas e vítimas, semana passada, Washington e aliados puseram-se a exigir que o presidente Bashar al-Assad da Síria autorizasse uma equipe de inspetores da ONU a examinar os locais em questão. Tinha de ser. Exigência absoluta. Era isso ou isso. Todos lemos as “declarações”.

48 horas depois, o pessoal de Obama pôs-se a “declarar” que não, que ninguém precisava do relatório da ONU. Desnecessário. 
Quando Assad autorizou a visita da equipe da ONU, o que nem demorou, considerando-se que se trata de zona de guerra, já era “tarde demais para ter credibilidade. As provas já estariam “degradadas”, como todos também lemos.

William J. Broad
Tarde demais? Provas degradadas? A equipe da ONU é equipe de especialistas. Estão na Síria para examinar locais nos quais se diz que há meses teriam sido usados produtos químicos, e não estariam lá se a tal “degradação” tivesse algum fundamento científico. Isso ninguém leu, com uma exceção. Na 4ª-feira, William J. Broad, correspondente de ciências do New York Times teve a decência e o bom senso de citar fontes não governamentais – afinal! Alguém! – que informou que esses agentes químicos que estão sendo discutidos não se dissipam por períodos de tempo terrivelmente longos. Quem não acreditar, pode perguntar aos vietnamitas.

A matéria de Broad ganhou o pé da página oito. Como I.F. Stone disse certa vez do Washington Post, jornais são sempre problema, porque você nunca sabe onde encontrará a matéria de primeira página.

Mas no início dessa semana, se é que se pode engolir essa, funcionários dos EUA já estavam pressionando secretamente a ONU para que abortasse a missão na Síria. Washington decidira que, dessa vez, nenhuma prova seria interessante. Isso ninguém leu – não em publicação norte-americana.

Era o caminhãozão que o pessoal de Obama estava tentando estacionar em cima da calçada.

As “provas” de que haviam sido usadas armas químicas, por mais que o pessoal de Obama tivesse tentado, antes, se esconder delas, logo se tornaram “inegáveis” (Secretário de Estado Kerry), assunto “sem dúvida” (Vice-Presidente Biden), e mais várias coisas “declaradas” e repetidas. Isso todos lemos em abundância – e sem qualquer confirmação ou investigação profissional decente, de parte dos jornalistas que escreviam ou diziam, sem parar.

E... você percebeu? “Prova de uso” imediatamente se converteu em prova de que o regime de Assad usou. Aí está o truque sujo. Nenhum funcionário do governo dos EUA disse que a responsabilidade poderia ser dos “rebeldes”. Claro que, se nenhum funcionário do governo “declarou”, ninguém leu sobre essa possibilidade nos jornais norte-americanos ou ouviu-a dos “âncoras” e “comentaristas” de rádio ou televisão. O imperdoável lapso de lógica passou despercebido. Já não há palavras para dizer o quão absolutamente idiotas eles supõem que nós sejamos.


Agora nos prometem prova incontroversa da culpa de Assad, para a 5ª-feira, ao longo do dia.Inútil tentar adivinhar. Na guerra de imagens e espetáculo, frequentemente se repetem variantes da rotina acima descrita. Lembrem do yellowcake, ou de Colin Powell na ONU, ou os “tubos de metal” de Judith Miller ou os “laboratório de armas móveis” no Iraque – todos empenhadamente noticiados pelo New York Times.

Nesse espaço, semana passada, aventei minhas suspeitas de que os “rebeldes” bem poderiam ser os culpados. Repito aqui os mesmos argumentos. 

Os inimigos de Assad não têm suprimentos de gás sarin ou de outros agentes químicos – como se sugere.

Bobagem. Podem ter, é claro.

Os “rebeldes” não seriam capazes de montar um ataque de grande escala como parece que foi o ataque em Damasco semana passada – como disseram incansavelmente. Mais bobagem.

Posição defensável é a dos russos e de alguns elementos responsáveis na Grã-Bretanha: querem investigação séria e propõem que todos aceitem os resultados.

Carla del Ponte
Carla del Ponte, conhecida especialista, investigadora de crimes de guerra e membro da comissão da ONU que examina o caso da Síria, disse em maio que havia fundados motivos para examinar se os “rebeldes” seriam responsáveis por uma obscenidade na Síria, naquele momento, envolvendo gás sarin. 

A investigadora de direitos humanos da ONU disse que “segundo depoimentos que reunimos, os “rebeldes” usaram armas químicas, tendo feito uso de gás sarin”, e acrescentou que sua comissão trabalhava, como hipótese mais bem fundada, com a ideia de que “foi usado gás sarin (...) pela oposição ao governo, pelos “rebeldes”, não pelo governo sírio”.

Foi depenada e assada, na melhor tradição do “jornalismo” norte-americano.

Mas Obama parece decidido a atropelar a ONU, independente do que digam os especialistas. 

Na 4ª-feira, a Grã-Bretanha apresentou projeto de resolução ao Conselho de Segurança, exigindo a intervenção militar, mas só pro forma. O Conselho de Segurança tem vários membros, para que várias visões de mundo estejam adequadamente representadas. 

Obama honra visões de mundo alternativas, tanto quanto George W. Bush. Assim sendo, da ONU nada sairá que se aproveite, não com o veto da Rússia, membro do Conselho de Segurança. Melhor partir logo para o crime e a marginalidade outra vez, e esse é o mundo para termos em mente, se os fogos de artifício prometidos começarem a chover sobre a Síria nos próximos dias. (...)

Nas colinas de Golan - Síria, sentinela israelense fica sobre um "bulldozer" 
Concluo com o que considero o máximo, a cereja do bolo, o prêmio de “notícia-mais-ridícula-da-semana”, embora só se encontre, na “mídia” norte-americana, online.

A parte mais consistente das provas de que o regime de Assad usou armas químicas e que dá base legal essencial para justificar ação militar ocidental – foi apresentada pela inteligência militar de Israel.

É. Aquele pessoal confiável. Do Mossad. A notícia está no The Guardian, grande jornal britânico, que simplesmente repete uma revista alemã, Focus.

Santo deus! Chamem os palhaços. Eles já estão aí.
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[*] Patrick Smith é o autor de Time No Longer: Americans After theAmerican Century foi chefe da sucursal do International Herald Tribune em Hong Kong e Toquio 1985-1992.Durante este tempo também escreveu a coluna “Carta de Tóquio” para a revista The New Yorker. É o autor de quatro livros e contribuiu com frequência com artigos para o New York Times,The Nation, The Quarterly Washington e outras publicações.

Um comentário:

  1. Essa política imperialista estadounidense torna-se necessária diante da crise econômica e falta de recursos que o país atravessa. Vão fazer da Síria mais uma colônia nos moldes modernos, vão tornar a Síria dependente do FMI, das empresas dos EUA e com grandes dívidas externas.

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