19/8/2013, [*]
Spengler,
Asia Times Online
Excerto
traduzido pelo pessoal da Vila
Vudu
Vladimir Putin |
O
barulhão assustador que se está ouvindo, como eu já disse dia 15/8 na CNBC, é a
implosão da influência norte-americana no Oriente Médio. O oferecimento que
Vladimir Putin fez, dia 17/8, de ajuda militar ao exército egípcio, depois que o
presidente Obama cancelara exercícios militares conjuntos com egípcios, mostra o
ponto mais baixo da curva da importância dos EUA em todo o pós-Guerra Fria.
Rússia, Arábia Saudita e China trabalham juntas para tentar minimizar o dano
provocado pelos erros dos norte-americanos. É precisamente o que fazem, em
silêncio, há mais de um ano.
O
alarme soou para a democracia egípcia, quando a Fraternidade Muçulmana ergueu-se
de seu passado tenebroso, mas nem assim a Washington oficial acordou. O Egito
estava à beira de morrer de fome, quando os militares depuseram Mohamed Mursi.
A maior parte dos pobres no Egito já estava há meses vivendo do pão subsidiado
pelo estado, e até o fornecimento desse pão estava ameaçado. Os militares
trouxeram US$12 bilhões de ajuda recebida dos estados do Golfo, o suficiente
para evitar uma catástrofe humanitária. A realidade é essa. É a única coisa
sobre a qual Rússia, Arábia Saudita e Israel concordam.
Zbigniew Brzezinski |
A
atitude errática, vacilante, dos EUA sobre o Egito, não é só erro estúpido,
tolo, mas uma completa catástrofe institucional. O presidente Obama cercou-se de
uma camarilha, com Susan Rice como Conselheira de Segurança Nacional, ladeada
por Valerie Jarrett, milionária da indústria da construção de moradias públicas
nascida no Irã. Comparada à equipe de Obama, o pessoal de Zbigniew Brzezinski
eram colossos intelectuais no Conselho de Segurança Nacional de Jimmy Carter.
Essa gente agora são amadores e ninguém jamais consegue prever o que inventarão,
de hoje para amanhã. (...)
E
tampouco interessa o que digam os especialistas do Partido Republicano. Poucos
Republicanos eleitos discutirão com McCain, porque os eleitores já não suportam
ouvir falar de Egito e já não confiam nos Republicanos, depois dos fracassos no
Iraque e no Afeganistão.
Nenhum
dos dois partidos tem capacidade institucional para deliberar inteligentemente
sobre os interesses dos EUA. Dentre os veteranos dos governos Reagan e Bush há
vários que compreendem com clareza o que se disputa no mundo, mas o Partido
Republicano é incapaz de atuar sob orientação deles. Por isso o fracasso
institucional nos EUA é tão profundo. Os deputados e senadores Republicanos
vivem em pânico ante a possibilidade de serem derrotados por isolacionistas como
o senador Rand Paul (R-KY) – e seguirão o quixotesco senador McCain.
E
outras potências regionais e mundiais farão tudo que possam para conter o
desmando e a confusão que reina nos EUA. (...)
Bashar al-Assad |
A
rede Russia Today
noticiou, dia 7/8, que:
(...) a Arábia Saudita ofereceu-se para comprar
$15 bilhões em armas da Rússia, e ofereceu uma lista de vantagens e facilitações
econômicas e políticas ao Kremlim – no esforço para reduzir o apoio que Moscou
continua a dar ao presidente sírio Bashar Assad.
A
posição dos russos não mudará. Quanto a isso, já não há dúvidas. (...)
O
que se vê bem claramente, é que Riad está confiando, não mais em Washington, mas
em Pequim, para garantir sua capacidade de transportar e disparar armas
atômicas. A China tem interesse profundo na segurança saudita: é o maior
importador de petróleo saudita. É altamente provável que os EUA já se tornem
independentes de petróleo importado em algum momento da próxima década, mas a
China precisará do petróleo do Golfo Persa por tempo futuro não determinado.
(...)
Os
russos temem que o radicalismo islâmico escape totalmente de qualquer controle
no Cáucaso e talvez em outros pontos, com a Rússia evoluindo para ser país de
maioria muçulmana.
Os
chineses temem os uigures, povo muçulmano de origem turca, que já é metade da
população da província Xinjiang, no oeste da China.
John McCain |
Mas
o governo Obama (e Republicanos do
establishment como John McCain) insistem que os EUA devem
apoiar governos islamistas democraticamente eleitos. É erro gravíssimo. A
Fraternidade Muçulmana é tão democrática quanto o Partido Nazista (...). Países
tribais, com altos índices de analfabetismo não têm parâmetro para a tomada
democrática de decisões.
Enquanto
os EUA continuarem a declarar apoio a “oposições democráticas” muçulmanas no
Egito e na Síria, o resto do mundo continuará a tratar os norte-americanos como
doidos varridos, lunáticos sem conserto, e todos tratarão de garantir seus
próprios interesses sem os EUA.
Os
turcos, é certo, reclamarão contra o destino de seus amigos na Fraternidade
Muçulmana, mas pouco podem fazer. Os sauditas financiam grande parte do enorme
déficit nas contas turcas; e quase toda a energia que chega à Turquia vem-lhe
dos russos.
Além
de errarem na avaliação dos eventos egípcios, os analistas norte-americanos
erraram praticamente toda a leitura que tentam fazer do quadro mundial.
Na
direita norte-americana, o consenso dominante há anos é que a Rússia acabaria
por implodir economicamente e demograficamente. Mas a taxa de fertilidade total
na Rússia, ao contrário, subiu, de um ponto calamitosamente baixo de menos de
1,2 nascidos vivos por mulher em 1990, para cerca de 1,7 em 2012, no ponto
intermediário, superior ao 1,5 da Europa e pouco abaixo do 1,9 dos EUA. Faltam
dados para avaliar a tendência, mas já está bem claramente indicado que é erro
descartar a Rússia, seja por qual critério for, pelo menos por hora. (...)
Taxa de fertilidade no mundo em 2011 (nascidos por mulher) (clique na imagem para aumentar) |
Gostem
ou não gostem, a Rússia não sumirá do mapa.
Analistas
norte-americanos veem os problemas russos com os muçulmanos no Cáucaso, com o
superficialismo de quem se diverte com a desgraça alheia. Durante os anos 1980s
o governo Reagan apoiou jihadistas
no Afeganistão, contra os russos, porque a União Soviética era, então, a
encarnação perfeita do mal. Hoje, a Rússia não chega a ser exatamente amiga-irmã
dos EUA, é claro, mas o terrorismo islamista é que é o pior dos males, e os EUA
bem fariam se seguissem o exemplo dos sauditas e se unissem aos russos, contra o
terrorismo islamista.
No
caso da China, o consenso era que a economia chinesa desabaria rapidamente esse
ano, o que geraria problemas políticos. Os dados do comércio chinês de junho
mostram exatamente o contrário disso: um aumento nas importações (incluindo
crescimento de 26% ano a ano nas importações de minério de ferro e de 20% no
petróleo) indica que a China continua a crescer confortavelmente mais de 7% por
ano. A transição da China, de modelo exportador movido a trabalho barato, para
modelo de manufatura com alto valor agregado e economia de serviços ainda é
desafio gigantesco, talvez o maior de toda a história da economia; mas
absolutamente não há qualquer sinal de que a China esteja fracassando ante o
desafio que se propôs. Gostem ou não, a China continuará a marcar o ritmo do
crescimento da economia mundial.
Crescimento do PIB da China e dos EUA até 2028 (Clique na imagem para visualizar melhor) |
Os
EUA, se escolhessem exercitar o próprio poder e cultivar seus talentos
culturais, ainda seriam capazes de derrotar os “opositores”. Mas escolheram nada
fazer, e a rédea afinal escapou das mãos de Washington. Os norte-americanos só
ouvirão falar de desenvolvimento importante, se e quando outros países decidirem
divulgar seus próprios sucessos. É justo prevenir os leitores de que aqueles,
dentre nós, norte-americanos, que ainda mantemos condições e meios razoavelmente
satisfatórios de vida e progresso, não conseguiremos mantê-los igualmente
satisfatórios no futuro.
Meu
registro de sucessos nas previsões que faço não é de todo mau. Em 2003, avisei
que a tentativa do governo de George W Bush de construir nações no Iraque e no
Afeganistão terminaria em tragédia. E no início de 2006, escrevi: “Gostem ou
não, os EUA só produzirão caos, e nada podem fazer para escapar dele.” (...)
Ninguém
mais precisa de analistas de política externa. Em 2013, os cães da guerra estão
soltos e escolherão, eles, os próprios caminhos. Nos EUA, basta abrir a janela
de casa, que já se ouvem os latidos.
__________________________
[*]
Spengler,
apelido de David P. Goldman, escreve
a coluna Spengler para o Asia Times Online e contribui
frequentemente para as publicações The Tablet, First Things (2009-2011) e outras. Foi
Chefe Global de
Pesquisa de Dívida do Bank of America
(2002-2005), Diretor Global de Estratégia de Crédito do Credit Suisse (1998-2002). Ocupou cargos
importantes nas organizações financeiras Bear Stearns e Cantor Fitzgerald. Foi colunista da
revista Forbes (1994-2001). Seu livro
How
Civilizations Die (and why Islam is Dying, Too)
foi lançado em setembro de 2011.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Registre seus comentários com seu nome ou apelido. Não utilize o anonimato. Não serão permitidos comentários com "links" ou que contenham o símbolo @.