13/2/2011, Margareta Pagano, The Independent, UK - coluna “Business”
Traduzido pelo Coletivo da Vila Vudu
A Google apoiou um de seus empregados que teve papel destacado nos protestos do Egito, mas outras empresas de telefonia móvel e provedoras de serviços de Internet obedeceram imediatamente às ordens do governo e desligaram aparelhos e conexões
Quem não assistiu à entrevista de Wael Ghonim, logo depois de sair da prisão, onde permanecera por 12 dias, detido secretamente, assista:
Na entrevista, transmitida pela Dream TV, Ghonim irrompe em lágrimas, ao ver fotos de alguns dos mortos nas duas semanas de confronto, repetindo várias vezes “Não somos traidores”. Quem vê chora também.
E foi a explosão emocional do jovem executivo da Google – combinada à sua sempre crescente campanha – que arrastou ainda mais manifestantes para a Praça Tahrir no dia seguinte, para manter a pressão até a renúncia do presidente Mubarak,
Até aquela entrevista, a maioria dos egípcios ainda não sabia que Ghonim, da Google, era uma das forças que ajudaram a acender os primeiros protestos do 25 de janeiro – a “6ª-feira de fúria”.
Primeiro, Ghonim montou uma página anônima no Facebook, para homenagear Khaled Said, um jovem empresário de Alexandria espancado até a morte por dois policiais em junho passado, e ajudou outros grupos de oposição a construir seus sites em redes sociais. A página de Ghonim rapidamente se converteu em “canal de informação” – um ponto de encontro e organização para a campanha – inicialmente contra as brutalidades dos policiais. A maioria dos egípcios não conheciam o muito disseminado uso da tortura no país, até que as notícias começaram a circular pela rede. E essa transparência permitiu a todos ver por trás das telas, o Egito verdadeiro, mas até então oculto, e isso deu alcance muito maior ao levante.
Só a história mostrará se Ghonim teve papel decisivo como catalisador da crise que afinal derrubou o presidente do Egito. Mas não há dúvida de que há aí um personagem fascinante; revolucionário romântico, com pequeno cavanhaque, filho de família rica, graduado e com duas pós-graduações (engenharia de computação e administração de negócios), elegante, bem vestido, um geek hi-tech, além de ciberativista. É casado com uma americana e vive em Dubai, onde dirige o setor de marketing da Google para o Oriente Médio e Norte da África e de onde iniciou sua campanha pelo Facebook; Ghonim só chegou ao Cairo dois dias antes da 6ª-feira que sua campanha chamara de “6ª-feira de fúria”. Em poucos dias, o número de membros de sua página subira de 90 mil para cerca de 300 mil.
O papel de Ghonim na “revolução 2.0” como ele a chama levanta também outras questões sobre as relações entre um empregado que se envolve em papel tão central em campanha política tão ampla, e seu empregador. Para sorte de Ghonim, a Google é uma das maiores e mais poderosas empresas do mundo, fato que muito ajudou quando a própria empresa anunciou o desaparecimento de seu funcionário, visto pela última vez sendo arrastado por membros da polícia secreta. Em entrevista, a Google disse-me que está felicíssima por Ghonim ter sido libertado e estar bem, e que muito se orgulha de seu empregado ter “tomado posição”. Nem todos os patrões seriam assim tão abertos e dispostos a apoiar um empregado militante.
Outra questão a ser também analisada é o comportamento das empresas de telefonia celular e os provedores de serviços de internet, que desligaram todos os equipamentos no Egito (e também na Tunísia), obedecendo as primeiras ordens de governos ditatoriais e quebrando contratos com os consumidores, logo à primeira ordem que lhes chegou do governo. Muito se tem falado do extraordinário poder das páginas Facebook, telefones celulares e Twitter, na divulgação das palavras de ordem e de protesto, e não surpreende que a Google, com a Facebook, já circulem como aves predadoras à volta da Twitter, avaliada em cerca de 10 bilhões de dólares.
Mas o governo egípcio conseguiu calar quatro redes de telefonia celular e os provedores de serviços de Internet e manteve todos calados por cerca de cinco dias (o Senado dos EUA discute lei que dará ao Estado poderes semelhantes a esses que o governo Mubarak exerceu). Muito mais interessante, contudo, é que os manifestantes conseguiram meios para superar todas essas dificuldades. Segundo Renesys, que monitora os acessos à internet em tempo real, o país inteiro desabou. Cerca de 3.500 rotas “border gateway protocol” caíram, deixando o país praticamente desconectado do mundo; única exceção foi o Noor Group – servidor que atende a Bolsa de Valores do Egito.
A principal empresa operadora de telefonia móvel é, de longe, a Vodafone Egypt, cujo acionista majoritário é a gigante British Telecoms, com mais de 28 milhões de usuários-clientes de telefonia celular e serviços de banda larga – e que distribuiu mensagens entre seus clientes, por ordem do governo, mandando não sair de casa e não participar dos protestos.
Vodafone defendeu essa decisão, dizendo que se tratava de motivo de força maior, e que, se a empresa não obedecesse, as autoridades teriam obtido o mesmo resultado, acionando, diretamente a base “kill station”. Se isso tivesse acontecido, alegou a empresa de telefonia celular, seriam necessárias semanas, depois, para religar todos os serviços. Pode-se dizer que a Vodafone é tão vítima, nessa relação, quanto os consumidores – e teve prejuízos de mais de $100 m. De fato, é mais que hora de as empresas reverem o risco político de associarem-se a regimes políticos voláteis.
Os manifestantes também contornaram a queda dos sistemas usando servidores DNS – Domain Name System – não oficiais, que funcionam como “guias telefônicos” para a internet, traduzindo nomes de computadores hospedeiros para endereços de Protocolo Internet (IP), o que permite acesso fora do país. Tweets pediam a quem estivesse conectado, via Wi-Fi, que retirasse as senhas, para que todos pudessem ter livre acesso. Outros usaram velhos modems discados para enviar suas mensagens.
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