segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

A Líbia no grande jogo da nova partição da África

por Manlio Dinucci [*]

Manlio Dinucci
Fogem da Líbia não apenas famílias que temem pelas suas vidas e imigrantes pobres de outros países norte-africanos. Há dezenas de milhares de “refugiados” que estão a ser repatriados pelos seus governos por meio de navios e aviões: são principalmente engenheiros e executivos de grandes companhias de petróleo. Não só a ENI, a qual realiza cerca de 15 por cento das suas vendas a partir da Líbia, mas também outras multinacionais europeias – em particular, a BP, Royal Dutch Shell, Total, BASF, Statoil, Repsol. Centenas de empregados da Gazprom foram também forçados a deixar a Líbia e mais de 30 mil trabalhadores chineses da sua companhia de petróleo e de construção. Uma imagem simbólica de como a economia líbia está interconectada com a economia global, dominada pelas multinacionais.

Graças às suas ricas reservas de petróleo e gás natural, a Líbia tem uma balança comercial positiva de US$27 bilhões por ano e uma renda per capita média-alta de US$12 mil; seis vezes maior que o do Egito. Apesar de fortes diferenças entre rendimentos altos e baixos, o padrão de vida médio da população da Líbia (apenas 6,5 milhões de habitantes em comparação com os cerca de 85 milhões no Egito) é, portanto, mais elevado do que o do Egito e de outros países da África do Norte. Testemunho disso é o fato de que cerca de um milhão e meio de imigrantes, principalmente norte-africanos, trabalha na Líbia. Uns 85 por cento das exportações líbias de energia vêm para a Europa: a Itália em primeiro lugar com 37 por cento, seguida pela Alemanha, França e China. A Itália também está em primeiro lugar em exportações para a Líbia, seguida pela China, Turquia e Alemanha.
Esta estrutura agora explodiu devido ao que pode ser caracterizado, não como uma revolta das massas empobrecidas, tal como as rebeliões no Egito e na Tunísia, mas como umas guerra civil real, em consequência de uma divisão no grupo dominante. Quem quer que seja que tenha feito o primeiro movimento explorou o descontentamento contra o clã Kadafi, que prevalece especialmente entre as populações da Cirenaica e entre jovens nas cidades, num momento em que toda a África do Norte tomou o caminho da rebelião. Ao contrário do Egito e da Tunísia, contudo, o levantamento líbio foi planejado previamente e organizado.

As reações na arena internacional também são simbólicas. Pequim disse estar extremamente preocupada acerca dos desenvolvimentos na Líbia e apelou a “um rápido retorno à estabilidade e normalidade”. A razão é clara: o comércio sino-líbio experimentou crescimento forte (cerca de 30 por cento só em 2010), mas agora a China verifica que toda a estrutura das relações econômicas com a Líbia, da qual importa quantidades crescentes de petróleo, foram postas em causa. Moscou está numa posição semelhante.

O sinal de Washington é diametralmente oposto: o presidente Barack Obama, que quando confrontado com a crise egípcia minimizou a repressão desencadeada por Mubarak e apelou a uma “transição ordenada e pacífica”, condenou o governo líbio em termos inequívocos e anunciou que os EUA está preparando “o conjunto completo de opções que temos disponíveis para responder a esta crise”, incluindo “ações que possamos empreender por nós próprios e aquelas que possamos coordenar com os nossos aliados através de instituições multilaterais”. A mensagem é claro: há a possibilidade de um intervenção dos EUA/NATO na Líbia, formalmente para interromper o banho de sangue. As razões também são claras: se Kadafi for derrubado, os EUA seriam capazes de fazer ruir toda a estrutura das relações econômicas com a Líbia, abrindo o caminho para multinacionais com base nos EUA, até agora quase totalmente excluídas da exploração das reservas de energia na Líbia. Os Estados Unidos poderiam então controlar a torneira de fontes de energia sobre as quais a Europa depende amplamente e que também abastecem a China.

Trata-se de acontecimentos no grande jogo da divisão dos recursos africanos, pelos quais uma confrontação crescente, especialmente entre a China e os Estados Unidos, está a verificar-se. A potência asiática em ascensão – com a presença na África de cerca de 5 milhões de administradores, técnicos e trabalhadores – constrói indústrias e infraestrutura, em troca de petróleo e outras matérias-primas. Os Estados Unidos, que não podem competir a este nível, podem utilizar a sua influência sobre as forças armadas dos principais países africanos, as quais são treinadas através do Africa Command (AFRICOM), o seu principal instrumento para a penetração do continente. A NATO agora também está a entrar no jogo, pois está prestes a concluir um tratado de parceria militar com a União Africana, a qual inclui 53 países.

A sede da parceria da União Africana com a NATO já está em construção em Adis Abeba: uma estrutura moderna, financiada com 27 milhões de euros da Alemanha, batizada “Edifício paz e segurança”.

[*] Jornalista
O original encontra-se em Il Manifesto, 25/Fevereiro/2011, e a versão em inglês em: Libya in the Great Game - On the road to the new partition of Africa 
Este artigo encontra-se em: Resistir

2 comentários:

  1. È, mas tem o problema da água, sabemos que as geleiras que serviam a Europa e os USA, da Argentina também, mas isso é problema do Brasil, derreteram e os citados acima estão sem água p/ à agricultura o que não agrada a casa de Windsor e seu cartel alimentício. Portanto o negócio na verdade é água e também tudo isso que você escreveu.

    Sabemos também que o Turcomenistão, outro país islâmico com sistema de democracia direta como o da Líbia abandonou o Projecto Nabucco porque a Rússia ofereceu água e 1 conexão no mar Cáspio, território iraniano e o verdadeiro objetivo dos USA na invasão do Iraque porque quem domina o mar Cáspio domina a Ásia Central e o Próximo Oriente, isso dá imunidade ao Iran porque é só os ocidentais tocarem neste local e todo o Leste Europeu se levanta e posiciona-se ao lado do Iran.

    Turcomenistão, Rússia e Iran na maior jogada geopolítica do século 21 abocanharam o maior mercado consumidor de combustíveis, China, eterno aliado do Iran.

    É certo que existe 1 rota alternativa p/ levar combustível até a China, mas esta ainda não foi concluída, ai entra a manipulação do Paquistão com os USA, causando 1 aparente incidente no Paquistão os USA tomarão o gasoduto iraniano que leva gás p/ a China, bloquearão o envio do combustível e forçará a China a fazer nova licitação, Projecto Nabucco ressuscitado, dinheiro na conta dos falidos (USA e Europa). E rotas de pipelines em África d Norte é deveras tentador.

    Na verdade tudo isso é p/ tirar a Rússia da liderança na geopolítica de pipelines euro-asiáticos, água, arma, remédio, documentos também viajam pelo tubo...

    Foi com agrado que lí seu tópico, é muito esclarecedor.

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  2. (comentário enviado por e-mail e postado por Castor)

    É deveras interessante, embora tenha só por alto tratado da disputa sino-estadunidense na África e o AFRICOM, cuja sede está na Alemanha, tenha sido apreciado superficialmente. Mas serve como informação preparatória a um conhecimento mais apurado da conjuntura africana, de interesse direto do Brasil. É de esperar-se que nossos cursos de Relações Internacionais estejam fixando isso na cabeça dos seus alunos, habituados ao bombardeio propagandístico do Ocidente mais desenvolvido, de efeitos tão mofinos, ou mais, que os bombardeios militares.

    Abraços do
    ArnaC

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