Publicado em 27/02/2011 por Mário Augusto Jakobskind
O foco agora é a Líbia, governada por quase 42 anos por Muammar Kadafi, o dirigente árabe que passou a ser aceito pelo Ocidente a partir de 2003, quando decidiu fazer uma série de concessões, inclusive deixando de lado o programa nuclear. O ditador, homem forte, ou seja lá que denominação tenha, caiu nas graças dos Estados Unidos e da Europa. Afinal, o general petróleo pesa muito na balança.
De concessão em concessão, Kadafi em 2006 abriu as portas da Líbia ao Fundo Monetário Internacional e ao Banco Mundial adotando programas econômicos de austeridade em que o povo é sempre a principal vítima. As vozes roucas das ruas já se faziam sentir, mas o homem forte líbio/ditador se lixava.
Kadafi, hoje amigão do italiano Silvio Berlusconi, com quem firmou acordos petrolíferos de milhões de euros em 2008, chegou até a receber a visita da então Secretária de Estado norte-americana Condoleezza Rice. O dirigente líbio abriu o tapete vermelho para saudá-la. Esta, lépida e faceira, disse sorrindo que as relações estadunidenses-líbias entravam em uma nova etapa.
A questão dos direitos humanos então não passava de um mero detalhe. O cachorrinho de George W. Bush e o agora membro da Casa dos Lordes, Tony Blair (Bush’s Poodle), também começou a relacionar-se com Kadafi as mil maravilhas. Cessaram as acusações raivosas segundo as quais o Coronel líbio ordenara o atentado nos céus da Escócia que derrubou um avião provocando várias mortes. Kadafi mandou até pagar indenizações aos familiares das vítimas. Agora, o tema voltou à tona.
Vão longe os tempos em que quando tomou o poder derrubando um rei subserviente aos europeus e estadunidenses, um tal de Idris, Kadafi parecia seguir os passos de Gamal Abdel Nasser, o líder egípcio que nacionalizou o canal de Suez e trouxe grandes benefícios ao seu povo, que conheceu um tempo de estabilidade e melhoria de qualidade de vida.
Nos anos 70, Kadafi era uma espécie do que viria a ser no Terceiro Milênio o presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad para os Estados Unidos e Israel. Eram sanções atrás de sanções contra o então integrante do “eixo do mal”.
Para ser ter uma ideia do tom de Kadafi, em uma entrevista para Marília Gabriela, claro, antes de 2003, ao ser perguntado o que faria se encontrasse Bush (pai), respondeu, deixando a entrevistadora desconcertada: “cuspiria na cara dele”.
Kadafi nos últimos tempos andava meio no ostracismo. Especulava-se que estaria muito doente e preparava o filho para sucedê-lo na missão de manter unidas as tribos que formam a Líbia. De fato, um dos filhos apareceu muito nos últimos dias com discursos inflamados de ameaça aos rebelados.
Uma parte da Líbia, segundo o noticiário das agências, já estaria sob controle dos rebelados e Kadafi só tinha consigo uma área da capital, Trípoli, podendo perdê-la a qualquer momento. Mas na verdade, todo esse noticiário é passível de dúvidas, porque em outros episódios históricos as agências internacionais no frigir dos ovos acabaram errando e na prática desinformando.
Os mortos pela repressão já chegariam a mil, mas não dá para confirmar o número exato de vítimas. Há informações segundo as quais a Força Aérea bombardeou a população civil, o que é desmentido pelos kadafistas. O embaixador brasileiro em Trípoli não confirmou bombardeios, mas a notícia se espalhou pelo mundo.
O líder líbio, que segundo a maioria dos analistas, estaria em seus estertores, sendo abandonado por colaboradores próximos e ministros, voltou à retórica de antes de 2003. Culpa drogados, adeptos de Bin Laden, que desmentiram em um site, o imperialismo e grupos religiosos de serem os responsáveis pela rebelião.
Como não poderia de ser, numa linguagem como sempre hipócrita, o Departamento de Estado, na palavra de Hillary Clinton, condenou a violência contra o povo cometida pelo Exército líbio obediente a Kadafi. Quando o Presidente iraniano Ahmadinejad condenou a repressão ao povo, Clinton esbravejou dizendo que ele não tinha moral para falar o que falou. Como se o governo estadunidense, que sempre apoiou ditaduras sangrentas na região, tivesse. Até porque, quem apoia sem restrições a monarquia na Arábia Saudita não tem moral para coisa alguma, ainda mais falar em democracia na região ou em qualquer parte do mundo.
O que está acontecendo nos países árabes é, sem dúvida, uma grande mexida no tabuleiro internacional. Mubarak já ocupa seu lugar no lixo da história depois de 30 anos com o apoio incondicional dos governos estadunidenses. Agora, como o ventou mudou, a dupla Obama & Clinton se manifesta efusivamente em favor da democracia no Egito. Brincadeira. Ninguém perguntou aos manifestantes, que nestes anos todos foram reprimidos por armas da indústria da morte estadunidense, se aceitavam de bom grado a democracia propugnada pela potência que não quer perder o controle da região.
É complicado saber com precisão quem são os rebeldes que não querem mais Kadafi. Foi só o povo? Há notícias que em Benghazi, a segunda cidade líbia, os manifestantes que agora controlam a área, teriam hasteado a bandeira da monarquia derrubada por Kadafi e o povo, em 1969.
A Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) lançou um comunicado dizendo que não pretende intervir na Líbia. Aí que mora o perigo. Basta consultar os jornais para ver que sempre em graves crises, como a de agora, inicialmente os dirigentes da OTAN dizem que não pretendem intervir. Horas ou dias depois surgem os contingentes bombardeando ou ocupando cidades.
Como a Líbia, ou melhor, o petróleo líbio é estratégico e mesmo nos EUA o ouro negro é cada vez mais escasso, não será surpresa alguma se no país conflagrado desembarcarem tropas da OTAN com parceria estadunidense sob o pretexto de estabelecer a paz.
Enviado por Direto da Redação
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