18/11/2010, Pepe Escobar, Asia Times Online - Have (infinite) war, will travel
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Qualquer um que entenda que o objetivo de Washington não é “vencer” no inextrincável atoleiro do AfPak, mas continuar jogando para sempre seu jogo de sangrenta guerra infinita, pode agora ganhar um pacote pessoal de estímulo (em ouro).
Consideremos os sinais mais recentes. De repente, a Casa Branca, o Pentágono e a Câmara de Deputados dos EUA, todos, embarcaram numa nova narrativa: esqueçam a grande retirada dos soldados dos EUA, do Afeganistão, em 2011; vamos deslocar a meta para 2014.
Em seguida, o esperto presidente Hamid Karzai do Afeganistão diz ao Washington Post que não quer mais saber daqueles soldados dos EUA andando por lá pelo país “dele”, e acrescenta que é favor pararem de mandar agentes mascarados das forças especiais que matam na calada da noite – eufemismo para “terroristas do Pentágono” – matar afegãos.
O general David (“Sempre me posicionando para
Aliás, o mito da contraguerrilha de Petraeus já foi enterrado nas planícies do sul do Hindu Kush (nos EUA, poucos perceberam). O mito da contraguerrilha [ing. counter-insurgency (COIN)] implica que Washington, a OTAN e o que se faz passar por “forças de segurança afegãs” conseguiriam “tomar, limpar, ocupar e fixar-se [construir]” em áreas antes controladas pelos Talibãs. Nem em Marjah conseguiram completar sequer a primeira etapa – apesar de o Pentágono e toda a mídia corporativa sua cúmplice repetirem insistentemente que Marjah teria sido um sucesso. Em Candahar, cidade muito maior, então, nem se fala!
Colin Powell ex-secretário de Estado dos EUA já foi visto, na rede CNN, admitindo que os EUA “não retirarão 100 mil soldados. Não sei quantos retiraremos.” Powell disse também que “dentro da equipe de segurança nacional” a coisa está sendo analisada “em termos das condições existentes”. As tais “condições” podem ser calibradas para explicar qualquer narrativa. Faros mais sensíveis podem já sentir cheiro de Vietnã, e Powell teve de insistir que o Afeganistão não é o Vietnã. Bom, já nem interessa supor que Karzai se esteja convertendo
E tudo isso, ao mesmo tempo em que um relatório de 71 páginas, redigido por 25 “especialistas” do Conselho de Relações Exteriores, desperta grande interesse em Washington. Os “especialistas” descobriram que a guerra custa uma fortuna, pode mais atrapalhar que facilitar a vida dos EUA na Região e “não se sabe ainda se o esforço conseguirá ser bem sucedido”. Há quem pague por conclusões desse tipo?! O relatório sugere sombriamente que, dependendo da “revisão” estratégica sobre o AfPak, que o presidente Barack Obama receberá em dezembro, os EUA “devem começar imediatamente a reavaliar sua presença militar no Afeganistão”. Jamais reavaliarão.
Seguir o dinheiro pode ser boa ideia. A guerra do AfPak custa cerca de US $7 bilhões por mês – dinheiro que Washington tem de tomar emprestado de Pequim. Só o Afeganistão custa $65 bilhões por ano – sem contar os gastos com a OTAN e a ajuda humanitária. O PIB do Afeganistão não passa de $22 bilhões. Washington consome três vezes toda a riqueze que o país produz, só para ocupá-lo. Dinheiro posto fora. Se tivesse sido bem investido, o Afeganistão talvez já fosse uma nova Cingapura.
O AfPak custa cerca de $100 bilhões por ano. Por surrealista que pareça, pesquisas mostram que, para muitos norte-americanos, o déficit fiscal dos EUA não é prioridade. Não surpreende, pois que nenhum dos candidatos às eleições de 2/11 tenha pronunciado palavra sobre esse atoleiro ridiculamente dispendioso.
Falar sério. Quem imaginou esse roteiro merece um Oscar.
“All you need is OTAN”
Conforme a narrativa oficial, a OTAN só saiu do (cavernoso) prédio da sede europeia rumo ao Afeganistão como dita o artigo 5º da organização (sobre defesa coletiva), para ajudar Washington a fazer a “guerra ao terror” de George W Bush contra a al-Qaeda. Mas até os sonolentos diplomatas em Bruxelas sabem que Osama bin Laden e seu lugar-tenente Ayman al-Zawahiri saíram do Afeganistão pelo leste e já estavam no Paquistão no início de dezembro de 2001, quando desapareceram num buraco negro.
Nada disso jamais impedirá que o chefe da OTAN Anders Fogh Rasmussen – à frente da cúpula da OTAN esse fim de semana em Lisboa – diga que a guerra, bem, a guerra prossegue eternamente, pelo mote de “não há alternativas ao prosseguimento das operações militares.” O secretário do conselho da OTAN Edmund Whiteside não se fez de rogado: “o Afeganistão será aventura militar muito longa”. E Josef Blotz general-brigadeiro alemão insiste: “Não há qualquer cronograma para a retirada das tropas da coalizão.”
A “estratégia” de 152 mil soldados e 50 nações da Força Internacional de Apoio à Segurança [ing. International Security Assistance Force] liderada pela OTAN no Afeganistão equivale a uma tese sobre a geopolítica de Monty Python; prometer um tsunami de euros à turma de Karzai, ao mesmo tempo em que outros países membros são forçados a enfiar cada vez mais soldados na máquina de moer carne dos Talibãs – apesar de a opinião pública
Pelo menos o comandante das forças britânicas no sul do Afeganistão, major-general Nick Carter, foi suficientemente sensível e cuidou de esclarecer que só em junho de
A OTAN é absolutamente inútil no que tenha a ver com infiltrar agentes no Talibã histórico – também chamado a Quetta shura, cuja base está no Baloquistão (não podem, sequer, mirar um drone na direção de onde vive Mullah Omar). A OTAN tampouco consegue infiltrar-se na rede Haqqani, no Waziristão Norte. E a OTAN também jamais se infiltrará na rede Hezb-i-Islami, controlada pelo ex primeiro-ministro e bombardeador de Cabul (em meados dos anos 1990s) Gulbuddin Hekmatyar, cuja base está próxima do estratégico Desfiladeiro Khyber.
O serviço secreto paquistanês (ISI) sempre se aliará aos Talibãs sejam quais forem as circunstâncias – porque é assim que Islamabad defende sua “profundidade estratégica” contra a Índia. O ISI sempre insistirá
O cenário dos sonhos de Islamabad é ter os Talibãs, os Haqqanis e os Hezb-i-Islami no controle do sul e do leste do Afeganistão. Seria arranjo instrumental, para evitar que se realize outro dos terrores primais de Islamabad – que os pashtuns unam-se e constituam um Pashtunistão ao longo da fronteira (artificial) que há hoje.
A chave de toda essa confusão não é Obama, nem Karzai, nem o Pentágono, nem a OTAN. É o general Ashfaq Parvez Kiani, nº 29 na lista Forbes das pessoas mais poderosas do mundo; tudo depende de como Parvez Kiani interpretará a direção dos ventos. Quase exatamente como aconteceu nos anos da “guerra ao terror” de Bush, quando Islamabad era governada de Washington, nos anos do AfPak de Obama a Casa Branca é refém de Islamabad.
Mas para o eixo Pentágono/OTAN, o Paquistão é uma gota no oceano. 6ª-feira e sábado próximos, na cúpula de Lisboa, o mundo ouvirá a narrativa “a OTAN se globaliza”. A equipe Pentágono/OTAN será persuadida a abandonar a posição privilegiada de “guerra infinita” – Afeganistão – assentada sobre bombas atômicas mortas. Afinal de contas, Washington/Bruxelas já pôs um precioso primeiro pé no coração da Eurásia – provavelmente para sempre.
A reunião de cúpula de Lisboa, sobretudo, verá a OTAN adotar formalmente um novo conceito estratégico – que, essencialmente, implica manter perpetuamente seu arsenal nuclear, aí incluídas as bombas atômicas norte-americanas estacionadas na Europa. Sabem? Aquelas bombas atômicas que o Irã não tem (mas Paquistão e Índia, para não falar de Israel, têm). Parafraseando o grande Burt Bacharach, o mundo hoje precisa de OTAN, sweet OTAN...
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