23/11/2010, Juan Cole, Informed Comment
Traduzido pelo Coletivo da Vila Vudu
A notícia, divulgada pelo The New York Times (23/11/2010, Taliban Leader in Secret Talks Was an Impostor ), de que um dos supostos altos líderes dos Talibãs com os quais o governo Karzai estava negociando não é quem dizia ser é só o mais escandaloso sinal de que nada que se relacione à guerra do Afeganistão é o que parece ser ou o que se diz que seja.
Os EUA pagaram “muito dinheiro” a um homem que se apresentou como o Mulá Akhtar Muhammad Mansur, o ‘n. 2’ da organização do Mulá Omar, para que aceitasse participar de encontros de conversação. E ele foi mandado também a Kabul para reunião com o presidente Hamid Karzai no palácio presidencial (Karzai, tentando evitar que o expusessem como o único tolo, negou que essa reunião tivesse acontecido).
O incidente prova que a inteligência de EUA e Afeganistão sobre os Talibãs é de fato muito rala: não têm ainda, sequer uma fotografia ou descrição confiável dos principais comandantes Talibãs; é também evidência muito clara de que EUA e Afeganistão não contam com agentes duplos que conheçam ou tenham acesso aos níveis de comando dos Talibãs –, os quais teriam podido confirmar a identidade e os deslocamentos do verdadeiro Mansur. O incidente expõe, sobretudo, as gravíssimas falhas da “segurança” que os EUA estão no Afeganistão para... “assegurar”, mas não estão “assegurando”, como se viu nesse episódio.
O incidente fez-me pensar sobre muitas outras imposturas de que essa guerra é farta. Pode-se começar pelos discursos evidentemente mentirosos dos dois presidentes dos EUA no século 21, que sempre insistiram e ainda insistem em que os EUA estariam no Afeganistão para combater a “al-Qaeda”. Fato é que não há al-Qaeda a ser combatida no Afeganistão, se, pela expressão “al-Qaeda” entende-se a Internacional Árabe Pan-islâmica que considera Osama Bin Laden como líder.
No Afeganistão, os EUA só combatem pashtuns mais ou menos desorganizados. Alguns são do Partido Islâmico de Gulbuddin Hikmatyar; outros, da Rede Haqqani da família Haqqani.
O governo Reagan e seus aliados sunitas, antes, despejaram bilhões de dólares nas redes e famílias de Hikmatyar e Haqqani, o que comprova que esses grupos nem sempre foram inimigos e evidentemente não são inimigos mortais dos EUA. Alguns guerrilheiros são do Talibã histórico do Mulá Omar. Muitos nada têm a ver com “cartéis do terror”; não passam de tribos ou grupos guerrilheiros que não querem ver destruídos seus campos tradicionais de cultivo de papoula, ou não suportam a visão de soldados estrangeiros invasores (os afegãos dizem “soldados da ocupação”) em sua terra; e há os que entendem que Karzai não distribui igualmente seus favores entre todos e beneficia mais algumas tribos ou grupos, que outros. Praticamente toda a guerrilha afegã é recrutada no grupo étnico pashtun.
Portanto, a guerra do Afeganistão não é guerra contra al-Qaeda.
Minha opinião é que a guerra do Afeganistão é, sobretudo, exemplo de missão “de remendo” [orig. “an example of mission creep”]. Os EUA e outras potências ocidentais defenderam o governo de Karzai no final de 2001, e sofreriam grave prejuízo de imagem e revés estratégico considerável, se seu aliado aparecesse enforcado num poste como Najeeb, um dos antecessores de Karzai empossado pelos soviéticos. Então, o “ocidente” é obrigado a tentar de tudo para manter o governo de Kabul – inclusive pagar a peso de ouro equipes de treinamento para formar 400 mil soldados e policiais que se possam encarregar da segurança local.
Embora tenha chegado até onde chegou graças à ajuda de EUA e OTAN, há notícias de que o presidente Hamid Karzai também receberia ajuda de $2 milhões de dólares por ano do Irã; e de que seus irmãos e amigos seriam ativamente corruptos e que teriam desviado fundos do banco que dirigem para comprar villas luxuosas em Dubai.
Há também a questão da invisibilidade da própria guerra. No primeiro semestre de 2010, foi mais de 3.000 civis mortos ou feridos na violência decorrente da situação de guerra, número que pode duplicar até o final do ano [Ver em Afghanistan Conflict Monitor ].
Muitos desses mortos e feridos são vítimas dos guerrilheiros, nos casos em que haja civis no cenário ou no caminho dos ataques contra as forças de EUA & OTAN ou contra o exército e a polícia de Karzai. Mas, apesar de a mídia-empresa nos EUA noticiar sobre mortos e feridos que resultam das guerras dos cartéis de droga no México, pouco se sabe, nos EUA, sobre mortes de civis na guerra do Afeganistão.
Esse vácuo de informação induziu um diplomata britânico a supor que a opinião pública engoliria como plausível sua ideia de que as crianças em Kabul viveriam mais seguras que as crianças de New York ou Londres.
A rede Al-jazeera repercutiu o furor desencadeado por aquele comentário:
Além do bombardeamento contínuo da capital afegã, entre setembro de 2008 e agosto de 2010 morreram ou foram feridas 1.795 crianças em atos de violência relacionados à situação de guerra em todo o Afeganistão. Há poderosos sindicatos de criminosos e redes de sequestro ativos em Kabul, e o consumo e dependência de drogas alastra-se entre os jovens e também entre crianças. A taxa de mortalidade infantil é das mais altas do mundo; um quinto dos nascidos morre antes de completar cinco anos. Um mínimo de informação sobre as terríveis estatísticas de saúde infantil no Afeganistão bastaria para impedir que Mark Sedwill, ex-embaixador britânico no Afeganistão – e hoje o mais alto representante civil da OTAN em Cabul – se pusesse a dizer sandices em entrevistas à televisão (The Telegraph, Londres, 25/11/2010 em: Children are safer in Kabul than in London, says Nato envoy).
Abaixo se assiste a vídeo distribuído pela rede Al-jazeera sobre o aumento do consumo de drogas entre os jovens e também entre crianças em Cabul.
No que tenha a ver com democracia, mais mentiras. Hamid Karzai assaltou a eleição presidencial em 2009. As eleições parlamentares de 2010 foram tão fraudadas, que 10% dos eleitos perderam as cadeiras às quais foram eleitos por ação direta da comissão eleitoral que Karzai indicou, e houve boatos de que os 10% cassados haviam sido cassados por erro, que os que realmente “deveriam” se cassados haviam sido aprovados. As eleições no Afeganistão não consideram partidos políticos; de fato, em nenhum caso poderiam ser consideradas democráticas. Os EUA e a OTAN nada fizeram além de instalar no poder alguns senhores-da-guerra, e nenhum esforço que se pudesse considerar de democratização [ver: Malalai Joya: Speaking for a crippled nation]. A Dra. Sima Samar, figura destacada no mundo político, que George W. Bush tanto elogiou, não foi reeleita e já não faz parte do governo. E, isso, para não falar da atitude esquizofrênica dos militares paquistaneses, que travam batalhas furiosas contra alguns Talibãs, nas quais morrem muitos soldados, ao mesmo tempo em que, clandestinamente, apoiam e financiam outros Talibãs.
No Afeganistão, nada é o que parece ser, guerra de imposturas e impostores. E agora, uma nova cruel impostura acaba de ser anunciada em: NATO's 2014 Afghanistan departure date laden with ambiguity : que a guerra terminará em 2014.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Registre seus comentários com seu nome ou apelido. Não utilize o anonimato. Não serão permitidos comentários com "links" ou que contenham o símbolo @.