sábado, 27 de novembro de 2010

Oceanos de sangue e lucros para os mercadores da guerra

27/11/2010, The Independent, UK

Robert Fisk: Oceans of blood and profits for the mongers of war

Traduzido pelo Coletivo da Vila Vudu

As casualties continue to mount in Afghanistan, so does the cost of war after nine years
As vítimas continuam a crescer no Afeganistão, o mesmo acontece com o custo da guerra depois de nove anos

Dado que há hoje três conflitos no Grande Oriente Médio – Afeganistão, Iraque, Israel/“Palestina” e talvez a caminho nova guerra no Líbano –, parece boa ideia dar uma olhada nos custos da guerra.

Não o custo humano – 80 vidas num dia no Iraque, números não sabidos no Afeganistão, nenhum dia sem mortes em Israel/“Palestina” –, mas o custo financeiro. Ainda vivo obcecado pelo pedido dos sauditas, que exigiram seu dinheiro de volta, depois que Saddam Hussein invadiu o Kuwait em 1990. O rei Fahd da Arábia Saudita lembrou a Saddam que financiou sua guerra de oito anos contra o Irã, ao custo de espantosos $25.734.469.885,80. Foi muito generoso. Pagou pela custódia dos dois locais sagrados Meca e Medina. Foram mais de $25 bilhões entregues a Saddam para que massacrasse seus irmãos muçulmanos. Aqueles 80 centavos foram pura ganância.

Mas, falando em rapacidade, os árabes gastaram $84 bilhões subscrevendo a operação anglo-norte-americana contra Saddam em 1990-91 – três vezes o que Fahd pagou a Saddam pela guerra do Irã – e só a parte dos sauditas chegou, só ela, a $27,5 bilhões. No total, os árabes amargaram perda de $620 bilhões, por causa da invasão do Kuwait pelo Iraque em 1990 – despesa quase toda reembolsada pelos EUA e aliados. Em agosto de 1991, Washington reclamava que a Arábia Saudita e o Kuwait ainda deviam $7,5 bilhões. É como se as guerras do ocidente no Oriente Médio visassem tanto ao lucro quanto à vitória. Se o Iraque não tivesse sido o desastre que foi, talvez nos tivesse enriquecido. Se sauditas e Kuwait pagassem suas dívidas, ajudariam os EUA a manter o constante derrame de dinheiro dos EUA nas desastrosas guerras de Israel.

Segundo o historiador israelense Illan Pappé, desde 1949 os EUA entregaram a Israel mais de $100 bilhões em doações e $10 bilhões em empréstimos especiais – mais do que Washington destina ao Norte da África, à América Latina e ao Caribe. Nos últimos 20 anos, Israel recebeu $5,5 bilhões para compras militares. Mas para avaliar a autodepredação dos EUA, é preciso considerar as perdas, dignas de Midas desatinado, em todo o Oriente Médio, só a partir de 1991 – estimados $12.000.000.000.000,00.  Iéz, 12 trilhões secos. Se alguém duvidar, basta conferir num livrinho despretensioso que o “Strategic Fortnight Group” publicou há pouco tempo. Aquelas estatísticas chegaram a algumas manchetes, mas depois ficaram praticamente esquecidas, talvez porque tenham sido editadas na distante Mumbai, Índia, não por algum ignóbil “think-tank” (como eles dizem, e que eu, em vez de “centro avançado de reflexão”, prefiro chamar de “centro para funilaria de ideias velhas”[1]). Mas a publicação foi patrocinada, dentre outros, pelos ministérios de Relações Exteriores da Noruega e da Suíça. E os indianos são muito espertos com dinheiro, como sabemos, agora que todos tanto tememos sua nova super-economia.

E, dado que há à vista uma nova guerra Israel-Hizbollah, se considerarmos os custos astronômicos de todos aqueles F-16s, mísseis, “bunker-busters”, foguetes de fabricação iraniana, que destruíram fábricas, vilas, cidades, pontes, centrais de energia elétrica, terminais de petróleo libaneses –, nem nos sujaremos com os 1.300 patéticos mortos do Líbano e os 130 patéticos mortos de Israel na guerra de 2006, os quais, afinal, eram meros mortais –, para não falar do que se perdeu como renda do turismo e no comércio, dos dois lados. No total, o Líbano perdeu na guerra de 2006 estimados $3,6 bilhões; Israel, $1,6 bilhão – o que indica que, em termos de dinheiro, Israel saiu ganhando, apesar de o exército-ralé de Israel não ter deixado pedra sobre pedra por onde passou. Mas, entre os que pagaram por tudo isso há contribuintes norte-americanos (que financiam os israelenses) e contribuintes europeus. Potentados árabes e o doido do Irã (que financiam o Líbano).

Em outras palavras, o contribuinte norte-americano destrói o que o contribuinte europeu reconstrói. O mesmo acontece em Gaza: Washington financia as armas que explodem os projetos financiados pela União Europeia, e a União Europeia os reconstrói sempre a tempo de serem novamente destruídos. Mas, Oh! Sim!, na guerra do Líbano, os fabricantes de armas norte-americanos encheram as burras – quase tanto quanto os mercadores de mísseis iranianos e chineses.

Desagreguemos os números da guerra do Líbano de 2006. Pontes e estradas: $450 milhões. Fábricas: $419 milhões. Residências: $2 bilhões. Mas “instituições” militares: reles $16 milhões. Do que se sabe, o Hizbollah gastou $300 milhões. No total, as reconstruções consumiram $319 milhões, reparos na infra-estrutura, $454 milhões; vazamentos de óleo, $175 milhões. Para acrescentar um pouco de prazer sádico, somem-se os incêndios florestais ($4,6 milhões), deslocamento de civis ($52 milhões) e o aeroporto de Beirute ($170 milhões). O maior prejuízo de todos? No turismo, com perdas de $3-4 bilhões. Agora, Israel. O turismo perdeu $1,4 bilhão, “governo e serviços emergenciais” $460 milhões, businesses $1,4 bilhão, compensação paga $335,4 milhões, incêndios florestais $18 milhões. O que teriam o exército de Israel e o Hizbollah contra florestas? No total, os israelenses perderam 1,5% do PIB; os libaneses, 8% do PIB.

E quanto à “corrida armamentista” no Oriente Médio – cujos jóqueis são os fabricantes de armas e os apontadores são os países da região e, claro, as suas "huddled masses"[2]. A Arábia Saudita, como se lê no relatório de Mumbai, saltou, numa década, entre 1996 e 2006, de $18 bilhões para $30 bilhões ao ano – acaba de fechar negócio de $60 bilhões com os EUA – e o Irã, de $3 bilhões para $10 bilhões. Israel foi de $8 bilhões para $12 bilhões. De fato, há interessante correlação entre os mísseis ultramodernos e de alma democrática, de Israel, disparados entre 2000 e 2007 – 34.050 – e os mísseis do Hamás, de alma terrorista, do mal: pífios 2.333.

Há várias preciosidades nessa apavorante lista de horrores financeiros e sociais. Dia 11/9/2001, havia apenas 16 nomes na lista de pessoas proibidas de embarcar em aviões nos EUA; em dezembro, eram 594. Em agosto de 2008, a lista incluía inacreditáveis 100 mil nomes. Nesse ritmo, em dois anos, a lista de “terroristas procurados” dos EUA alcançará 2 milhões de almas.

Desde 1974, os soldados da ONU que estão nas colinas de Golan para manter a paz custaram $47,86 milhões. E desde 1978, a ONU consumiu $680,93 milhões com seus soldados da paz, no sul do Líbano.

Em breve nesse canal, portanto, mais uma guerra perto de você; oceanos de sangue, cadáveres em pedaços, claro. Mas não esqueça de trazer o cartão de crédito, ou o talão de cheques. É big business. Há possibilidade de lucros.


NOTAS
[1] Essa é uma tradução tentativa, arriscada, de um trocadilho intraduzível: no orig. “think-tank” vs “tink-tank” .

[2] “Huddled masses” [aproximadamente “grande quantidade de pessoas, agarradas umas às outras, desorganizadas”] é expressão que aparece no poema “The New Colossus”, de Emma Lazarus, inscrito aos pés da Estátua da Liberdade, em NY: "Give me your tired, your poor / Your huddled masses yearning to breathe free / The wretched refuse of your teeming shore. / Send these, the homeless, tempest-tost to me, /I lift my lamp beside the golden door!"  

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