11/11/2010, Pepe Escobar, Asia Times Online - All hail the decider-in-chief - traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Se se conta mentira suficientemente ampla e repete-se sempre a mesma mentira, as pessoas acabarão por acreditar (...). A verdade é inimiga mortal da mentira e assim, portanto, a verdade é inimiga mortal do Estado.
(Joseph Goebbels - Ministro da Propaganda Nazista)
No mesmo dia em que o presidente dos EUA Barack Obama chegou a Jacarta, Indonésia, acionando a ignição do próprio charme para reiniciar a busca (já fracassada?) de meios para “construir pontes” com países muçulmanos, o ex-presidente George W Bush – que foi o primeiro a queimar todas as pontes – chegou a uma livraria Borders a cerca de um quilômetro de sua casa
Para incontáveis almas inteligentes em todo o mundo, juntar na mesma frase as palavras “Bush” e “livro” exige que se suspendam as regras da racionalidade. O impossível acontece. Independente dos méritos dessa saga escrita por não se sabe quem, esse “imperador bebezão” (copyright Gore Vidal) surfará sem dúvida a onda da adulação da mídia. Já antes de o livro ser publicado, todos foram informados – embora nem todos tenham acreditado – que o delinquente tem umiPad, surfa na internet e é ávido leitor de Deus – via a Bíblia e/ou Rupert Murdoch. A Bíblia e o Wall Street Journal; verdadeiro recorde para um homem que admitiu no ginásio que, na vida, só lera dois livros.
Primeira coisa: telefone para o meu advogado
Alguma dúvida sobre o quão doce e sabiamente o Grande Decididor agiu dia 11/9? As linhas seguintes aplacarão qualquer angústia metafísica: “O primeiro avião podia ser acidente. O segundo foi definitivamente ataque. O terceiro foi declaração de guerra (...) Meu sangue ferveu. Descobriríamos quem fizera aquilo e chutaríamos a bunda deles (...).”
E chutar bundas, sim, ele chutou, não só como bombardeador-em-chefe; também como torturador-afogador-em-chefe. Bush falou e quem escreveu aquelas memórias anotou que mandou “os experts da CIA fazer uma lista de técnicas de interrogatório. Por ordem minha, o Departamento de Justiça e os advogados da CIA examinaram a lista, do ponto de vista da legalidade. O programa de interrogatórios estimulados está em perfeita harmonia com a Constituição e com todas as leis aplicáveis, inclusive as que proíbem a tortura.”
Obama foi professor de Direito Constitucional. Seria maravilhoso conhecer sua opinião sobre aquela lista. Mas o mundo já sabe que o advogado de Bush, Alberto Gonzales, definiu como “antiquadas” e “obsoletas” as Convenções de Genebra de 1947 sobre direitos de prisioneiros de guerra.
Ninguém duvide de que o imperador bebezão insistirá nessa linha de defesa ao longo de toda a avalanche de publicidade que acompanha o livro – como já se viu na primeira entrevista exibida pelo canal NBC na 2ª-feira à noite. A linha de defesa é a velha “só cumpri ordens” – nesse caso, ordens dos subordinados.
Perguntado sobre por que tratou como legal e autorizado o afogamento-tortura de prisioneiros interrogados, disse ele: “Porque o advogado disse que era legal. Disse que não se incluía na proibição da Lei Anti-tortura [ing. Anti-Torture Act]. Não sou advogado. Você tem de confiar no que o pessoal diz. Eu confio.”
Os norte-americanos e o mundo devem ser gratos ao advogado de Bush, John Yoo; têm de agradecer também a Abu Zubaydah. Conforme o novo evangelho do Decididor, “Sua interpretação do Islã é de que só tinha de suportar o interrogatório até certo ponto. O afogamento foi técnica escolhida para ajudar os prisioneiros a chegar logo até aquele ponto, respeitarem o mandamento religioso e, então, poderem cooperar.” Assim falou Zubaydah. Bush anotou: “É assim que se faz, em nome de todos os irmãos.”
“Chutar a bunda deles” foi logo substituído “faça exatamente isso, puta que o pariu”, quando a CIA pediu autorização a Bush para afogar-interrogar 183 vezes Khalid Sheikh Mohammed (KSM), suposto “principal cérebro” dos ataques de 11/9. (Os cérebros da Inquisição Espanhola – inventores incontestes da tortura del agua – descansem em paz; ainda são detentores do copyright.) E há também aquela conversa segundo a qual a tortura-afogamento não seria problema, senão pelo fato de que não mudou nada. Em artigo publicado em 2008 na revista Vanity Fair, um ex-agente da CIA disse que 90% do que KSM entregou foi “só merda”; para ex-analista do Pentágono, a informação que KSM entregou “não gerou inteligência acionável”.
Paz, sahib
A Guerra do Iraque era de tal modo já decisão tomada antes de qualquer fato gerador, que o anúncio jamais teria sonoridades e belezas de frase de Faulkner. Vejam como se saiu o infeliz que taquigrafa o que Bush fala: “Virei-me para [o ex-secretário da Defesa] Don Rumsfeld. ‘Senhor Secretário’, disse eu, ‘em nome da paz do mundo e para defender os interesses e a liberdade do povo iraquiano, ordeno-lhe formalmente que ponha em execução a Operação Liberdade Iraquiana’. Que Deus abençoe os soldados.”
Leitores já cegos e obnubilados – iraquianos e outros – talvez conheçam outras interpretações para “paz” e “liberdade” nesse contexto. O imperador bebezão insiste que Saddam rejeitou “todas as chances” de evitar a guerra. A verdade é exatamente o contrário disso: Saddam Hussein propôs exilar-se sem qualquer exigência, em março de 2003; Washington rejeitou a proposta de Saddam.
Seja como for, Saddam “tinha segredos a esconder, tão importantes que insistiu em fazer guerra para defendê-los. Assim sendo “eu não podia correr o risco de deixar que um inimigo jurado dos EUA continuasse a ocultar suas armas de destruição em massa”. Em vez de dar um telefonema a Hans Blix, inspetor chefe da supervisão de armas da ONU, ou informar-se sobre o depoimento de Hussein Kamel, desertor iraquiano que disse aos inspetores da ONU que não havia tais armas no Iraque desde 1995 – o decididor-mor optou por “Choque e Horror”.
Em carta que o Filho “rabiscou” para “Papai”, naquele mesmo dia, lê-se que, sim, todos sabiam que a decisão já estava tomada antes de qualquer fato gerador: “Apesar de eu já ter resolvido usar a força, se necessário, para libertar o Iraque e livrar o país das armas de destruição em massa, foi decisão emocional, na hora”. Nem interessa saber o que foi, porque foi missão que Deus lhe dera. “Rezo para que só morram poucos. O Iraque será libertado. O mundo será mais seguro.”
O imperador bebezão admite, pelo menos, que sua resposta ao furacão Katrina em 2005 pode ter parecido “não só errada, mas inaceitável”. Mas, bem feitas as contas, Ele estava certo: “O problema não foi eu ter tomado decisões erradas; o problema foi ter demorado a decidir”. Demorou tanto que o Katrina valeu-Lhe “o pior momento” de seus oito anos imperiais. Não foi o 11/9. Não foi a destruição do Iraque. O pior foi ouvir o rapper Kanye West dizer “George Bush não gosta de negros”. Ai. Magoou.
Desnecessário lembrar que, de agora em diante, todas as atrocidades – crimes capitais, infrações, transgressões e abuso de poder nos mais altos graus travestidos em parágrafos de redator evangelista não identificado – serão neutralizadas até o dia do Juízo Final, numa maratona de entrevistas, sessões de autógrafos e poses para fotógrafos; e dia 16/11 inaugura-se em Dallas o “Centro Presidencial Bush”. O New York Times, por exemplo, não se atreverá nem a sugerir que afogamento em pia poderia ser considerado tortura.
É, sim. O duplifalar é a lei da terra. Guerra é paz. Verdade é mentira. Invadir é libertar. Resistir é atacar. Não saber o que fazer é decidir. E o imperador bebezão não será visto no único cenário que, para muitos, seria o único que lhe corresponde de pleno direito: o Tribunal Internacional para Crimes de Guerra em Haia.
É, sim. O duplifalar é a lei da terra. Guerra é paz. Verdade é mentira. Invadir é libertar. Resistir é atacar. Não saber o que fazer é decidir. E o imperador bebezão não será visto no único cenário que, para muitos, seria o único que lhe corresponde de pleno direito: o Tribunal Internacional para Crimes de Guerra em Haia.
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