quarta-feira, 10 de novembro de 2010

ALÉM, MUITO ALÉM DAS FALHAS DO ENEM

*João Monlevade

Na imprensa e no Congresso, ontem e hoje nem pareciam dias pós eleições. Se o Lula e a Dilma foram vergastados por mais de quatro meses, agora é a vez do Haddad e do MEC.

A vítima de sempre é o PT, ao qual se atribui nova e indesculpável incompetência: as falhas do ENEM, que se repetem em 2010.

O objetivo deste breve artigo não é fazer conjeturas sobre quais seriam os verdadeiros objetivos dos que procuram alvejar esse novo happening do calendário escolar e social do Brasil, que envolveu diretamente cerca de quatro milhões de estudantes e, indiretamente, toda a sociedade.

Quero só fazer duas considerações, a modo de um exame inicial desta nova política de avaliação do ensino médio e de acesso aos cursos superiores de graduação.

A primeira é admitir as falhas e os limites do ENEM.

O tamanho do evento é tal e a novidade dos instrumentos é tanta que a inexistência de falhas no conteúdo e na forma do Exame é, na teoria e na prática, impossível. Convém registrar que as falhas de 2010 são menos graves que as de 2009, e podem ser contornadas cientificamente, embora não completamente superadas.  Mas é preciso entender que o ENEM tem limites precisos: nem substitui a avaliação que todas as escolas públicas e privadas devem realizar no processo dos três ou quatro anos do ensino médio, nem, muito menos, se constitui em critério único e obrigatório de acesso aos cursos superiores. Continua a vigorar a autonomia universitária para definir os processos seletivos e avançam também as políticas afirmativas e normas originais que calibram os resultados em centenas de instituições.

A segunda consideração é o que me motivou escrever estas linhas.

Moro em Ceilândia, uma cidade do Distrito Federal com doze escolas públicas que oferecem o ensino médio para cerca de vinte mil alunos. É verdade que mais de dez mil de seus habitantes freqüentam faculdades privadas e quase mil estudam na Universidade de Brasília, inclusive num campus recentemente instalado na cidade. Entretanto, quem visitasse até 2008 seus cursos de ensino médio, diurnos e noturnos, ficaria abatido de ver o desinteresse de alunos e professores pelos estudos de quem, teoricamente, estaria se preparando para disputar uma vaga na educação superior.

O ENEM está operando uma revolução silenciosa. A partir do momento em que ele passou a ser considerado como forma de acesso ao PROUNI e a cursos superiores de universidades públicas e gratuitas, os estudantes, antes apáticos e interessados somente em “passar” o tempo para o ingresso no mundo do trabalho (que, talvez, lhe desse um salário capaz de financiar uma faculdade privada), agora se sentem desafiados e motivados a estudar, a “se preparar para a chance do ENEM”, nas palavras de um deles, na tarde do sábado.
O ENEM, mais do que uma avaliação do ensino médio, é uma grande política de inclusão social. Ele atrai não somente os quase três milhões de adolescentes e jovens que concluem este ano o ensino médio, mas quase dois milhões de brasileiros que acalentam o sonho de cursar a educação superior, mesmo que já tenham cabelos grisalhos e rugas da idade e das canseiras da vida.

Com o aumento substancial das vagas nas universidades e institutos federais, inclusive em cursos noturnos, o ENEM pode ser a transição da loteria dos vestibulares para a realização do preceito constitucional: a educação superior é direito de todos, segundo a capacidade de cada um.

É hora de aperfeiçoar seus mecanismos avaliativos, para o aproveitamento democrático de todos os talentos. A qualidade da educação básica e o povo brasileiro agradecem.

*João Monlevade, professor e consultor do Senado Federal
Extraído do Beatrice

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