8/11/2010, Sami Moubayed, Asia Times Online - Hariri's moment of truth nears
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Sami Moubayed é editor-chefe da revista Forward, - em Damasco
DAMASCO – A situação no Líbano aproxima-se perigosamente de uma vasta explosão política, enquanto prossegue o cabo-de-guerra entre a coalizão 14 de Março liderada pelo primeiro-ministro Saad al-Hariri, e a oposição liderada pelo Hizbollah, sobre o Tribunal Especial para o Líbano [ing. Special Tribunal for Lebanon (STL)], criado pela ONU.
Os dois lados lutam ou para manter ou para cancelar o tribunal constituído pela ONU em 2005 para investigar o assassinato do ex-primeiro-ministro Rafik al-Hariri. Há duas semanas, o Hizbollah conseguiu suspender, no Parlamento, o financiamento que o Tribunal da ONU recebia do governo libanês, sob o argumento de que o julgamento e o tribunal haviam-se politizado e passaram a ser usados prioritariamente para atacar as armas, o futuro e a reputação da Resistência libanesa.
Foi resultado já esperado de uma massiva campanha de propaganda conduzida pelo Hezbollah, para expor o Tribunal Especial da ONU como “projeto dos israelenses”. Pelo que se sabe, o tribunal formalizará as acusações – ato esperado para qualquer momento entre os últimos dias de 2010 e o início de 2011 – e incluírá, entre os acusados, altos dirigentes do Hizbollah.
Antes das eleições de meio de mandato do dia 2/11, os EUA mostraram interesse repentino nos trabalhos do Tribunal da ONU para o Líbano, e exigiram indenização de 10 milhões de dólares, como compensação pelo financiamento cessante, depois da vitória parlamentar do Hezbollah. Jeffrey Feltman, secretário-assistente de Estado para Assuntos do Oriente Próximo, visitou o Líbano imediatamente depois da visita histórica do presidente iraniano Mahmud Ahmadinejad em meados de outubro.
Feltman conclamou os aliados dos EUA reunidos no Movimento 14 de Março para que defendessem o Tribunal da ONU. Disse que a manutenção do Tribunal é questão inegociável para os EUA, tanto quanto as armas do Hizbollah são inegociáveis para a coalizão 8 de Março. Vários líderes mundiais, do primeiro-ministro Cameron, britânico, ao secretário-geral da ONU Ban Ki-moon, repetiram o mesmo argumento nos últimos dias.
As tensões aumentaram semana passada, quando investigadores do Tribunal Especial invadiram uma clínica médica de ginecologia no subúrbio de Ouzai, em Beirute, com o objetivo de confiscar informações sobre pacientes atendidas desde 2003. Os investigadores declararam à Polícia que foram atacados por grupos de mulheres, e que vários deles tiveram seus documentos pessoais roubados. O líder do Hizbollah, Hassan Nasrallah, só se manifestou 24 horas depois do incidente; disse que “a invasão da clínica” foi ato de violação de princípios éticos, religiosos e morais; e conclamou todos os libaneses a boicotar o Tribunal da ONU. Quem oferecer qualquer tipo de ajuda aos investigadores da ONU será considerado aliado de Israel e colaboracionista, disse ele.
Simultaneamente, Feltman pressiona para conseguir fazer aprovar uma Resolução da ONU – ou, pelo menos, uma Recomendação –, que exija que todos os libaneses colaborem com os investigadores do Tribunal Especial para o Líbano; e ameaça que os que assim não procederem poderão ser acusados de violar consenso internacional, nos termos do capítulo 7 da Carta da ONU.
A Arábia Saudita não esconde a preocupação com a situação no Líbano. O reino absolutamente não se importará se o Tribunal Especial for dissolvido, desde que isso não implique qualquer diminuição na credibilidade e no respeito a seu aliado Saad al-Hariri. Os sauditas jamais manifestaram grande entusiasmo pela instalação desse Tribunal Especial; sempre preferiram que o caso Hariri fosse discutido e investigado em contexto árabe, em vez de ser ‘internacionalizado’ na ONU.
A Arábia Saudita já usou sua influência de peso-pesado na comunidade internacional, e conseguiu adiar a formalização das denúncias para o próximo mês de março. Mas o Hezbollah achou pouco e exige que o Tribunal Especial seja completamente desconstituído antes de emitir qualquer denúncia formal ou veredicto. O Hizbollah não reconhece a legalidade do Tribunal da ONU – aprovado apenas pelo então primeiro-ministro Fouad al-Siniora, e jamais analisado ou votado no Parlamento libanês.
Fato é que o Tribunal da ONU sobre o assassinato de Hariri sequer considerou a possibilidade de haver agentes de Israel envolvidos no assassinato do ex-primeiro-ministro libanês – apesar dos vários casos comprovados de assassinatos e tentativas de assassinato em Beirute, no passado, dos quais agentes israelenses sempre participaram.
No início dos anos 1970s, uma força-comando do exército israelense, liderada pelo hoje ministro da Defesa Ehud Barak (vestido de mulher e com peruca de cabelos escuros), entrou em Beirute pelo mar, num barco; e, embora jamais tenham sido formalmente acusados e julgados, sabe-se que assassinaram alguns altos líderes palestinos. Em agosto, Nasrallah apresentou filmes e gravações para comprovar que Israel seguia Hariri já há dez anos; e que tem motivos, desejo e capacidade para assassiná-lo.
Ninguém sabe o que poderá acontecer no Líbano, se o Tribunal da ONU formalizar acusações contra o Hizbollah, seja no final de 2010 ou a qualquer momento a partir de março. O Estado libanês absolutamente não aceitará ordens da ONU para extraditar ou prender membros do Hizbollah – sobretudo porque o governo Hariri incluiu, em sua plataforma eleitoral de governo, o compromisso de “manter e preservar” as armas do Hezbollah.
É possível que os EUA imponham sanções ao Líbano. É possível também que ataquem militarmente a Resistência libanesa. Mas, se alguma eventual denúncia ou sentença condenatória contra a Resistência chegar a ser formalizada e não for cancelada, é o Hezbollah quem poderá derrubar o primeiro-ministro, usando o poder de veto que tem no Gabinete; ou tomará as ruas com seus militantes e derrubará o governo por via menos ‘parlamentar’ mas também eficaz, exatamente como já fez em 2006-2008.
Hariri, que, até agora, se tem recusado a tomar qualquer medida que envolva o Tribunal da ONU, está em posição dificílima. Se se afastar do tribunal, que ajudou a criar, por-se-á em declarada oposição a membros anti-Hezbollah de seu grupo político (“Movimento Futuro”) e da coalizão 14 de Março.
Todos esses construíram inteiramente suas carreiras políticas, desde 2005, em torno do Tribunal Especial ; passar, de repente, a opor-se a ele, os converterá em zumbis políticos. Mas Hariri sabe que não continuará a contar com o apoio de Nasrallah se se mantiver com força de apoio do Tribunal da ONU e aliado a políticos conhecidos pelas oposição ao Hezbollah, como Samir Gagea.
Os sauditas têm aconselhado Hariri a fazer o que for preciso para evitar que o Líbano mergulhe na guerra e no caos. Se puder escolher entre sustentação para manter seu governo com segurança para o Líbano, ou o Tribunal, certamente se separará do Tribunal.
Exatamente como quando Hariri tornou-se premier em novembro de 2009, os sauditas aconselharam Hariri a conceder ao Hezbollah tudo que lhe fosse exigido. Hariri deu poder de veto ao Partido da Resistência no Gabinete e o ministério das Telecomunicações, por exemplo, a Charbel Hahhas, do Movimento Patriótico Livre, aliado do Hezbollah.
Ainda há esperança no Líbano de que, no último momento, Hariri fará o que tiver de fazer para impedir que o país mergulhe no caos. De início, recusou-se a aceitar qualquer nome para a presidência do Líbano em 2008, exceto nome de sua coalizão de governo; depois, passou a apoiar o presidente Michel Suleiman. Começou por declarar que o ministério das Telecomunicações jamais seria entregue a alguém que não pertencesse à sua aliança “14 de Março”. Depois, cedeu.
Hariri envolveu-se muito profundamente na discussão e chegou a culpar diretamente os sírios pelo assassinato de seu pai. Recentemente, declarou que os sírios nada tiveram a ver com o “affair Hariri”. Agora, outra vez, os mais otimistas esperam que Hariri mude completamente de posição e deixe de defender o Tribunal da ONU.
O líder da maioria no Parlamento, Nabih Berri, dedicado aliado do Hezbollah, já ofereceu a Hariri uma estratégia que lhe permitirá saída honrosa, e que Hariri ainda está analisando.
Se Hariri considerar pessoalmente muito difícil retirar seu apoio ao Tribunal da ONU, poderá delegar ao Parlamento a tarefa de decidir pelo Governo; e o Parlamento, não Hariri, declarará o Tribunal ilegal. A oposição liderada pelo Hezbollah controla hoje 57 dos 128 votos no Parlamento e tem poder para arrastar consigo vários votos do Movimento 14 de Março, que detém 71 votos parlamentares.
O Movimento Socialista Progressista de Walid Jumblatt facilmente aceitaria votar contra o Tribunal Especial da ONU para o Líbano. Com isso, a proposta de Berri resolveria simultaneamente os problemas de Hariri e do Hezbollah, no caso de Hariri aceitá-la. Nem o Hezbollah nem a maioria dos libaneses teriam coisa alguma a objetar a essa solução parlamentar – e sírios, iranianos e sauditas, tampouco.
O primeiro-ministro libanês está hoje em todos os radares. O que decidir nas próximas semanas, sobre sua posição a favor ou contra a legalidade do Tribunal Especial da ONU para o Líbano, determinará o futuro: ou preservar-se-á a segurança e a estabilidade no Líbano, ou será o caos.
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