segunda-feira, 29 de novembro de 2010

PARA UM BRASIL BANDA LARGA, QUAL POLÍTICA DA CULTURA?



Passadas as eleições e com a vitória da Dilma, agora entramos no momento de lutar pela continuidade das ações desenvolvidas no campo da cultura nos 8 anos do governo Lula. Através de emails e em listas de discussão estão circulando conversas sobre mudanças na gestão do Ministério da Cultura, que cogitam a saída do Ministro Juca Ferreira. Já estão sendo discutidos também outros nomes para assumir a função.

Diante dessa situação se impõe a realidade de que a vitória da Dilma em si não garante a continuidade das ações desenvolvidas pelo Ministério da Cultura nos últimos 8 anos, pois o governo Dilma terá que negociar com os partidos de sua base, correndo o risco das ações inovadoras desenvolvidas pelo MinC não serem assimiladas por estes. Assim, voltamos a afirmar que a continuidade não está garantida.
E o que não está garantido?
Não está garantido a continuidade de uma política da cultura que não é feita por e para poucos, não está garantido uma visão de política que incorpora e busca a equalização dos benefícios do acesso e produção de cultura; uma visão de política da cultura que vai além da mercantilização dos bens culturais, uma visão de cultura como vida e não como [bem de consumo] commodities.
A luta pela continuidade, não nos parece ser por um nome mas sim pela continuidade de uma política que está inovando a maneira de se pensar, realizar e viver cultura. Uma política da cultura que está nas raízes profundas ao mesmo tempo que está nas nuvens cibernéticas. Uma política dos muitos para muitos, que coloca em rede indígenas, brancos, negros, mulheres, crianças, homossexuais, cristãos, povo de terreiro, ciganos, mestres de cultura popular, hackers, artistas, etc. Uma política da cultura que no "Manifesto dos Pontos de Cultura para a Cultura seguir mudando" se expressa:
"na afirmação de novas relações entre Estado e sociedade, nas quais gestores públicos e movimentos sociais estabelecem canais de diálogo e aprendizado mútuo e na construção coletiva de um novo processo de cultura política com caráter emancipador, em que as hierarquias sociais e políticas são quebradas e criam base para novas legitimidades."
Assim, uma política da cultura para um Brasil Banda Larga tem que ter ações que vão muito além de garantir o entretenimento dos pobres, de gerar números para estatísticas como o PIB, de enriquecer uma classe já favorecida ou de enobrecer a alma humana. A Cultura de um Brasil Banda Larga é a cultura do enfrentamento às desigualdades sociais, do bem comum, a cultura que busca questionamentos e soluções, a cultura dos muitos e da luta.
Assim, o que esperamos da política da cultura do governo Dilma é a continuação das ações que incentivam dinâmicas sociais, econômicas e políticas que priorizam a produção e distribuição de cultura não mais pelo valor de troca dentro do mercado ou por uma homogenização da cultura incentivada pelo Estado e/ou pelas Indústrias Criativas/Culturais. Defendemos sim, a continuidade da abertura das dinâmicas de criação, ou seja, a possibilidade de se reproduzir cultura para além da criação e distribuição dirigida somente aos clássicos aparelhos de distribuição de produtos culturais (museus, bibliotecas, teatros, grandes cinemas). Defendemos a valorização e a ocupação dos ambientes comuns com a produção e distribuição de cultura em rede, pela internet, nas ruas e praças das grandes cidades, nos assentamentos rurais etc. Uma visão de cultura para além da propriedade intelectual, da cultura como negócio, do trabalho e produção como subordinação e do lazer como consumo.
São muitos os exemplos de políticas inovadoras no campo da cultura desenvolvidas nos últimos anos, entre elas as que acreditamos se destacarem e serem de suma importância para um Brasil Banda Larga que acredita que mudanças são possíveis estão:
  • Os Pontos de Cultura por expressarem a pluralidade da cultura por não se restringirem em formas já pré-estabelecidas de centro culturais ou aparelhos culturais do Estado. Célio Turino, diz que "Os Pontos de Cultura são nem eruditos nem populares e também não se reduzem à dimensão da “cultura e cidadania” ou “cultura e inclusão social”. Ponto de Cultura é um conceito. Um conceito de autonomia e protagonismo sociocultural. Na dimensão da arte, vai além da louvação de uma arte ingênua e simples, como se ao povo coubesse apenas o lugar do artesanato e do não elaborado nos cânones do bom gosto. Pelo contrário, busca sofisticar o olhar, apurar os ouvidos, ouvir o silêncio e ver o que não é mostrado. Os Pontos de Cultura têm o que mostrar e querem fazê-lo a partir de seu próprio ponto de vista". A proposta desta ação não é o de criar iniciativas governamentais novas, mas sim apoiar e valorizar atividades já existentes que geravam comprovadamente resultados positivos e benefícios nos locais onde são realizadas.
  • A Ação Cultura Digital por ser um dos catalizadores da rede formada pelos Pontos de Cultura. Dentre suas atividades destacam-se o papel de facilitadora da apropriação das ferramentas multimídia em software livre pelos Pontos de Cultura, assim como o caráter experimental desta ação, quanto a pesquisa em torno das possibilidades das novas tecnologias para usos sociais e culturais e a elaboração de estudos sobre novas formas de colaboração e cooperação, calcadas na generosidade intelectual. Sobre a Cultura Digital, o Ex-Ministro da Cultura Gilberto Gil diz: “Cultura digital é um conceito novo. Parte da idéia de que a revolução das tecnologias digitais é, em essência, cultural. O que está implicado aqui é que o uso de tecnologia digital muda os comportamentos. O uso pleno da Internet e do software livre cria fantásticas possibilidades de democratizar os acessos à informação e ao conhecimento, maximizar os potenciais dos bens e serviços culturais, amplificar os valores que formam o nosso repertório comum e, portanto, a nossa cultura, e potencializar também a produção cultural, criando inclusive novas formas de arte”.
  • A Política do Edital pois durante o Governo Lula o Ministério da Cultura estabeleceu uma política do Edital, evitando assim as velhas articulações e dando lugar para novos olhares sobre o Brasil e a cultura. Segundo Gilberto Gil: “É preciso descentralizar o que está centralizado nas mãos de poucos. As matrizes da indústria cultural não deixaram nada para as periferias. Por isso, hoje, o papel do Estado brasileiro na formulação de políticas públicas é empoderar as micro manifestações, para que eles se apropriem cada vez mais dos espaços públicos e que sejam protagonistas na proteção e promoção da diversidade.” Há ainda muito a se avançar nesse sentido, os editais ainda são muito burocráticos, as diligências ainda são muito lentas e as exigências aos grupos e aos indivíduos não condizem com a forma de trabalhar da cultura e imprimem um ritmo artificial à criação. Contudo, acreditamos que esse caminho melhorou bastante a gestão das políticas da cultura sendo necessário seu aprimoramento.
  • A Reforma da Lei do Direito Autoral pois a lei brasileira de direitos autorais (Lei 9.610/98) está entre as mais rígidas do mundo no que diz respeito ao acesso a produções culturais e se apresenta discrepante diante da realidade social gerada pelas novas tecnologias. O MinC lançou em 2010 uma chamada pública para mudanças no texto do projeto de lei. Assim, a sociedade através da internet debateu ponto por ponto o projeto de lei. Desde 2007 o MinC vem fomentando o debate sobre temas como cópia privada, uso educacional de obras protegidas, proteção ao autor e cessão de direitos. Acreditamos ser necessário avançar muito nessa área pois o acesso à produções culturais é essencial para a produção de cultura e para a diversificação de olhares. Alguns avanços significativos que o Governo Dilma pode conquistar nessa área são a descriminalização de algumas das práticas ditas de "pirataria", a possibilidade de cópia privada, a criação de um sistema de supervisão estatal dos órgãos coletores de direitos autorais, a questão da fotocópia para uso educacional e o aumento das possibilidades de usos “justos” das obras protegidas. 
  • As Conferências de Cultura por estabelecerem uma participação direta da população no encaminhamento da política da cultura no Brasil. A participação da população brasileira na política nacional muitas vezes se restringe somente a eleição de seus representantes (políticos). Contudo, a democracia brasileira em sua constituição também prevê a participação direta da população na política, sendo as conferências importantes instrumentos para tal participação. Outro aspecto importante das conferências é fazer com que a política da cultura não se restrinja somente a visão de política da cultura como financiamento de grandes espetáculos. O que muitas vezes se limita a atuação de secretarias de cultura municipais e as vezes até estaduais. A participação direta da população na condução da política da cultura contribui para uma "abertura" uma "abrangência" da visão de cultura, tornando o debate sobre a cultura mais plural e conectado com as espectativas da população brasileira.
  • A Ação Griô por valorizar os griôs, que são entendido na Ação Griô como todos aqueles que se reconheça ou seja reconhecido por uma comunidade como um(a) mestre das artes, da cura e dos ofícios tradicionais, um(a) líder religioso(a) de tradição oral, um(a) brincante, um(a) cantador(a), tocador(a) de instrumentos tradicionais, contador(a) de histórias, um(a) poeta popular. A valorização dos griôs é de suma importância para uma compressão mais abrangente de cultura, uma visão de cultura não como um mero produto e sim como um processo, como valorização da vida, reconhecendo outros saberes além dos científicos e técnicos. A Ação também fomenta e fortalece o ingresso da sociedade civil através dos griôs e griôs-aprendizes na educação pública formal, colocando num mesmo caldeirão, velho, adulto, criança, saberes locais e comunitários com saberes formais e globais, pedagogia oral com escrita e misturando técnica com magia, fortalecendo a visão de que só tem tradição quem inventa, noção essencial para o desenvolvimento no contexto global atual de grandes fluxos econômicos, políticos, sociais e culturais.
  • A Reforma da Lei Rouanet pois o Brasil é um país imenso e plural e a lei de renúncia fiscal destinada a cultura como esta desenhada hoje não consegue abranger tal pluralidade. Atualmente a grande maioria dos recursos aplicados na cultura provenientes da Lei Rouanet são destinados ao Sudeste. Números recentes demonstram que 80% do que foi arrecado para a cultura pela Lei Rouanet ficaram em 3 estados do Sudeste e quase sempre para os mesmo produtores culturais. Outro fato importante de se ressaltar é que as empresas que financiam cultura através da Lei Rouanet atualmente utilizam-se desse recurso para expandir seus setores de Marketing, através da divulgação de suas marcas. A Reforma da Lei Rouanet é necessária para que possamos passar do estágio atual de financiamento da cultura pelas empresas somente para projetos culturais "rentáveis" imediatamente para uma visão que vá além somente da questão financeira, e que seja comprometida com a cultura como espaço de questionamento e de soluções para as estruturas políticas, sociais e econômicas atuais. Entre algumas das reformas sugeridas, destacamos como primordiais para um sistema mais justo e igualitário de financiamento da cultura o aprimoramento do sistema de avaliação de projetos e a diminuição da burocracia; melhor distribuição regional dos recursos; transparência nos processos de financiamento e diversificação das formas de financiamento, buscando formas de financiamento a longo prazo e não somente a projetos de resultados imediatos. Contudo, não é uma lei que irá mudar a questão da centralização dos recursos, pois uma maior participação do Estado nos processos de financiamento de projetos culturais não garante a priori um melhor repartimento e destinamento aos recursos. O Estado também pode ser bastante centralizador. Assim, nos parece necessário realizar muito mais que uma lei, é necessário a mobilização e o debate junto as empresas e as pessoas envolvidas com produção cultural sobre um sistema mais igualitário de distribuição dos recursos.
  • Os Pontos de Mídia livre realizados pelo MinC abriram perspectivas para a comunicacão que contrastam consideravelmente com a postura do Ministério das Comunicações que manteve sua política de garantir monopólios de produtores por um lado e currais de consumidores por outro. Com a implementação de Pontos de Mídia Livre, não se trata apenas de escolher o que "consumir" na grande mídia, mas de sermos todos mídia: uma multidão de comunicadores autônomos dispostos a cooperar e a trocar palavras e experiências. A valorização de uma centena de iniciativas (de televisão, rádio, publicações impressas e formatos eletrônicos diversos na internet) já existentes pelo Brasil abriu a possibilidade de uma democratização radical da autoria, da gestão, da produção e de um consumo que não é reduzido ao “acesso” à informação e sim aberto a todas as formas de compartilhamento e usos comuns da expressão livre de todos e de cada um. O resultado é uma comunicação inserida na polifonia da vida e não mais restrita a um mercado monofônico. 
Diante da possibilidade de mudança nos rumos da Política da Cultura realizada nos últimos 8 anos ou mesmo o engavetamento e sucateamento das políticas citadas que já estão em prática, faz-se necessário a mobilização e cooperação dos movimentos culturais e de todos os interessados nos rumos da política da cultura. 
"Acreditar no mundo significa principalmente suscitar acontecimentos, mesmo que pequenos, que escapem ao controle, ou engendrar novos espaços-tempos, mesmo de superfície ou volumes reduzidos. É ao nível de cada tentativa que se avaliam a capacidade de resistência ou, ao contrário, a submissão a um controle." Gilles Deleuze 
Fazemos das palavras de Deleuze as nossas, acreditando que é necessário suscitar acontecimentos de qualquer natureza que demonstrem nossa capacidade de resistência e de mobilização, para a consolidação, permanência e ampliação de ações e iniciativas que vêm mudando e tornando possível uma aproximação da sociedade civil e do governo brasileiro para uma radicalização democrática através de uma cultura potente e inovadora.
Texto escrito por Bruno Tarin com colaboração de Bárbara Szaniecki e Cristina Lar
Imagem de Banksy

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