quinta-feira, 11 de novembro de 2010

O NORDESTINO E HOMER SIMPSON

Laerte Braga

Nas décadas de 50 e 60 do século passado, mesmo em setores tidos como de esquerda, era comum ouvir que “éramos os Estados Unidos de cem anos atrás”. A idéia que estávamos numa época de faroeste caboclo, mas em breve chegaríamos ao estágio Broadway.

O rótulo subdesenvolvido conferia a países como o Brasil a condição de alguns degraus abaixo na escala de poder e presença, no que rotundos discursos de políticos pré-históricos chamavam de “concerto das nações do mundo”.

Era corriqueiro o exemplo de Rui Barbosa que, na Inglaterra, colocou à porta de sua residência em terras de sua majestade uma tabuleta com a inscrição ”ensina-se inglês”.

Os colunistas sociais quando alguma madame descia no aeroporto de Paris e era notada por sua beleza ou elegância (nos moldes pré FIESP/DASLU), costumavam escrever que “mais uma vez o Velho Mundo curvou-se ao Brasil”.

Uma espécie de compensação.

Tinha o outro lado. Quando Brigitte Bardot apareceu por aqui acompanhada de um marroquino chamado Bob Zaguri, mas brasileiro sei lá porque, o Brasil curvou-se à atriz francesa. O mérito de Brigitte foi o descobrir Búzios, então distrito da cidade de Cabo Frio, região dos lagos no estado do Rio de Janeiro e com o tempo permitir que a invasão de gafanhotos burgueses transformasse o lugar paradisíaco numa das mais altas concentrações de herdeiros e quetais; metro quadrado digno de qualquer grande metrópole do mundo.

Gafanhotos e burgueses são predadores.

As elites brasileiras (políticas e econômicas) compravam o modelo norte-americano, vendiam o Brasil às grandes preocupações democráticas dos EUA no período da guerra-fria, mas adoravam Paris apesar de Charles De Gaulle (que não era de esquerda).

Um passeio de Rolls Royce pela avenida Atlântica no Rio rendia manchete de jornal com tranqüilidade e paulista adorava exibir esses carros ingleses, alguns até com monogramas, uma espécie de heresia subdesenvolvida, mais ou menos como expor um Picasso no parque central de uma cidade enquanto fotógrafos se deliciavam com o apurado gosto artístico do barão de qualquer coisa, isso em plena república.

Picasso é só detalhe.

Conde italiano então tinha um prestígio desses de abrir salões do Catete. Ao contrário de nobres russos foragidos da revolução de 1917, via de regra estavam falidos e isso é sinônimo de problema.

Stefan Zweig, que vivia em Petrópolis, descreveu num dos seus livros que o Brasil era o País do futuro. Há uma biografia magnífica do escritor feita pelo jornalista Alberto Dines.

Àquela altura da nossa história, nordestino era “pau de arara” e nos versos de Vinicius de Moraes com música de Carlos Lyra, virou engolidor de giletes na crítica ferina à dor e à resignação de um povo sofrido que buscava nessas bandas, São Paulo principalmente, condições dignas de vida.

O canto, no duro, bem lá dentro da alma, era outro. “Estamos chegando daqui e dali/de todo lugar que se tem prá partir/trazendo na chegança a foice velha e mulher nova/e uma quadra de esperança..../todo mundo num tal de chegar...”

Chegaram.

O brasileiro não percebia como dito na Canção do Subdesenvolvido que era induzido a pensar como norte-americano, mas vivia como brasileiro, vale dizer, a imensa legião de excluídos vivendo de gilete.

A percepção que éramos diferentes e tínhamos pernas para caminhar começou no segundo período de Vargas com a PETROBRAS (hoje querem censurar Monteiro Lobato como nos velhos tempos do índex da Igreja Católica), aumentou no misto de desenvolvimento industrial e entreguismo de JK e começou a ganhar contornos de consciência no governo Goulart.

Aí, vieram os “patriotas” e em nome da liberdade varreram tudo, implantaram a tal ditadura, prenderam, exilaram, torturaram, estupraram, assassinaram e garantiram a “lei, a ordem” e o que um coronel desses que não tem a menor idéia de coisa alguma, chamou de “democracia à brasileira”.

Ouviu de Sobral Pinto que “democracia não é como peru, não existe à brasileira, à francesa, ou é democracia, ou não é”.

Deve continuar sem entender até hoje, sem ter noção do significado das palavras do notável jurista, já que entendiam muito de outro tipo de pau-de-arara. O das câmaras de tortura.

São baluartes e paladinos dos tempos do conde Drácula e teimam em espargir sangue que sugaram anos a fio na impunidade de uma anistia canhestra.

Na verdade, jogo de cena para o perdão da barbárie.

Quando o candidato José Serra aportou em terras cearenses e montou todo um cenário para ser visto pelo Brasil inteiro assistindo à missa de uma das festas religiosas mais importantes do estado, a de São Francisco, desafiando tradição e desrespeitando um povo, o “coronel” Tasso Jereissati, corrupto de quatro costados, encheu-se de indignação e partiu para cima do sacerdote, na velha crença que o Nordeste é deles, os paulistas, os do sul. Jereissati é nordestino por acidente, seus negócios são em São Paulo, por lá, só latifúndio e trabalho escravo.

O duro foi perceber que as pessoas não estavam mais dispostas a abaixar a cabeça, a aceitar o poder do chicote seguido de um pedaço de rapadura com farinha para que compreendessem as altas responsabilidades do senhor de terras, os barões da terra, versos fantásticos de Vinicius de Morais.

Imagine que de repente oferecem a você a perspectiva de matar todas as bactérias concentradas no vaso sanitário de sua casa com um único produto, sem aquela esfregação toda de água sanitária e a mulher passiva e espantada, extasiada é o termo exato, diante do miraculoso limpador de vasos sanitários. De quebra, para evitar maus cheiros, o cheiro capturado da natureza. E engarrafado, assim que nem a NESTLÉ faz nas estâncias hidrominerais de Minas Gerais, na privatização com destruição para o lucro tucano de cada dia. Enquanto Aécio viaja pela espaço sideral aguardando 2014.

E como é que nordestino vai entender um trem desses?

Nordestino entende de ser forte – “o sertanejo é antes de tudo um forte” –, da extraordinária beleza do Nordeste, da notável brasilidade de cidadãos que se cansaram de ser de segunda categoria e assomam impávidos como Muhammad Ali (registre-se que Caetano Veloso é nordestino de nascimento, mas paulista de coração e práticas e bobagens ditas ao longo da vida) assustando aquela elite que treina o dia inteiro para não esticar o mindinho à hora de tomar café.

Não é de bom-tom.

O grande problema é que o nordestino nessa eleição sinalizou que ao contrário de Ana Maria Braga (um padrão global do mundo civilizado) não vive de quatro. 

E tampouco se deixou iludir por aquela pose de sério de William Bonner porque não é, na verdade, um Homer Simpson. Sabe que o JORNAL NACIONAL é balela, mentira de ponta a ponta.

Produzido e sustentado pelo complexo que mata bactérias em vasos sanitários, armazena o perfume da natureza e tira todas as manchas, desde aquelas de conivência silenciosa e covarde com a ditadura militar.

Só não limpa a História, essa fica.

Não faz menor idéia do que seja FOLHA DE SÃO PAULO ou VEJA, duas bactérias que teimam em sobreviver ao antibiótico verdade, mesmo que já estejam em estado putrefato.

Mas tem certeza e consciência do que é ser nordestino e sabe que no resto do Brasil milhões de brasileiros são também nordestinos, já que somos Brasil.

Não somos nem Paris, nem Roma, muito menos Wall Street.

Em Santa Catarina, maior concentração de clones nazistas do País, os Bornhausen, por exemplo, nordestinos/catarinenses lutam contra um crime ambiental sem tamanho, o estaleiro OSX do tal Eike, aquele que recebeu declaração de amor numa peça de biquíni e trombou com um bombeiro.

Marcelo Madureira pensa que é humorista. Não deve nem ter idéia do que tenha sido PRK-30 ou BALANÇA, MAS NÃO CAI.

E no final de tudo São Paulo precisa explicar mais de um milhão e trezentos mil votos num nordestino, Tiririca.

Um simples movimento inverso, o retorno de todos os nordestinos que moram em São Paulo à suas terras de origens seria o bastante para a locomotiva parar. Pros lados dos bairros suntuosos da capital paulista ia ser divertido ver socialite se descabelando por falta de mucamas.

É o conceito que fazem do resto do Brasil, não é só do Nordeste não.

Imaginam que todos sejam iguais a Homer Simpson. O conceito de William Bonner para quem vê o JORNAL NACIONAL – idiota –.

E vem aí o BBB-11. No próximo ano a casa vai ter dois andares e um monte de surpresas.

Sabe como essa gente que adora pizza de frango (isso existe? É pizza?) com requeijão imagina o Brasil?

É só ler o ESTADO DE SÃO PAULO (pode procurar sem susto, ainda existe) e tomar conhecimento que D. Pedro II está em vilegiatura pela Europa cuidando dos interesses nacionais e breve iremos atacar o Paraguai, anexar o Uruguai e descansar em Paris que ninguém é de ferro.

O resto, é só privatizar tudo que Washington e Wall Street, com aplausos dos sobreviventes de 1964, toma conta.

“Vende borracha, compra chicletes”.

O que pior pode acontecer é essa turma cismar de trazer Regina Duarte de volta lá da Transilvânia e assombrar as criancinhas no papel de “namoradinha do Brasil”, fundo musical de Caetano Veloso.

Nesse negócio de baiano, gente boa, da melhor cepa, prefiro Dorival Caymmi.  

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