domingo, 7 de novembro de 2010

Querem nos vender outra vez a Ponte do Brooklyn!


Traduzido pelo coletivo da Vila Vudu

Some tales of the Middle East can be as convincing as hearing about the sale of Brooklyn Bridge

Certas lendas do Oriente Médio tanta credibilidade quanto a venda da Ponte do Brooklyn


Embora sempre me recuse a pagar para ler o Wall Street Journal, vez ou outra dou uma espiada, se encontro um jornal esquecido por aí.

Aconteceu mês passado, quando um casal deixou o jornal no banco do trem à minha frente. E bingo! Jornalismo ruim, como sempre. “Funcionários da Defesa prevêem longo progresso no Afeganistão”. Fontes, para essa manchete absolutamente previsível, sem novidade? “Militares norte-americanos de alto escalão”, “funcionários do Pentágono”, “veterano militar de alta patente”, “assessores militares do governo Obama”, “funcionários da Defesa”, “os militares”, “inúmeros militares”, “militares norte-americanos de alta patente” (outra vez), “militares” (outra vez), “funcionários do Pentágono” (outra vez) e “militares” (de novo).

Por que, diabos, escrevem esse monte de esterco? Meu velho camarada Alexander Cockburn chama esse jornalismo de “vender a Ponte do Brooklyn” e diz que Michael Gordon, principal correspondente militar do New York Times, sempre compra (a ponte). É verdade.

Em 2002, Mike batia o tambor incansável: repetia e repetia que canos de alumínio, no Iraque, seriam provas de que Saddam tinha “programa nuclear”. Depois, em 2007, “militares norte-americanos” – claro! – disseram a Mike que o Irã estaria abastecendo guerrilheiros iraquianos com “explosivos em dispositivos de penetração (uns tais penetrators)” a serem usados contra soldados dos EUA no Iraque. Mike não se incomodou com o fato de que a maioria dos guerrilheiros que atacam soldados dos EUA é sunita. Oh Yes! Os iranianos também abasteciam seus aliados do Hizbollah no Líbano, com armas a serem usadas contra Israel. Bom, pelo menos o Hizbollah, partido xiita, está bem armado pelo Irã. Mas será preciso esperar a próxima guerra do Líbano, para saber se os tais misteriosos “penetradores” penetrarão mesmo.

O verdadeiro problema, é claro, é que não fazem outra coisa além de nos vender a Ponte do Brooklyn, outra vez, outra vez. Aqui, um caso claro: “O Irã é o centro do terrorismo, do fundamentalismo e da subversão e, em minha opinião, é mais perigoso que o nazismo, porque Hitler não tinha bomba atômica, e os iranianos estão aperfeiçoando uma opção nuclear.” Essa predição não saiu da boca de Benjamin Netanyahu, mas – e, graças a Deus, Roger Cohen detectou esse especial caso de vendedor querendo nos vender a Ponte do Brooklyn – pelo então primeiro ministro Shimon Peres, hoje presidente de Israel, em 1996. E quatro anos antes, o mesmo Peres previra que o Irã teria uma bomba atômica em 1999.

Em outras palavras, o Irã – se a previsão alucinada de Peres se confirmou – já tem bomba atômica há 11 anos. Em 2007, “militares norte-americanos” disseram que em seis anos o Irã já teria a bomba atômica. E, ano passado, Israel disse que demorará menos de dois anos. Não podemos esquecer: será em 2013. Ou 2011. Ou 1999, e pouco me importa.

O mesmo Peres jurou que o Hizbollah comprara mísseis Scud da Síria – provavelmente adaptados para disparar os tais penetrators de Mike do New York Times – para penetrar em Israel. Acho, isso sim, que o Hizbollah tem armas muito mais sofisticadas que aqueles velhos, antiquados foguetes russos que Saddam usou contra Israel na Guerra do Golfo de 1991. O Hizbollah já brinca com aviões-robôs não tripulados e até despachou um desses, em voo experimental, que sobrevoou Israel – e voltou, são e salvo, para o Líbano. Isso, sim. Mas... Scuds lata velha?!

Claro, claro, esse caso pegou fogo. Os EUA meteram-se na conversa, com ameaças veladas à Síria, apesar de não haver nem um fio de prova de que algum Scud lata velha entrara no Líbano. Mas venderam, outra vez, a Ponte do Brooklyn. Agora, essa semana, foi a vez de Netanyahu. “O problema da segurança”, disse ele, “não está só nos novos (palavras dele!) foguetes que entrarão (estou citando!) na área e ameaçarão centros urbanos. Não sei se estão informados, mas hoje já mal conseguimos sobrevoar áreas próximas de Gaza, porque eles mantêm ali equipamentos antiaéreos.” Calma. Só falta, então, o Hamás ser tão ineficiente e corrupto, a ponto de já ter encontrado meio para trazer “equipamentos antiaéreos” do Egito, pelos túneis. Ou quem sabe, já têm lá os lança - mísseis portáteis que se provaram tão militarmente inúteis quando os palestinos tentaram usá-los contra Beirute em 1982.

Não faz diferença. Já venderam e já compramos, outra vez, a Ponte do Brooklyn.

A Associated Press escreveu, da sucursal em Jerusalém, que o “pronunciamento” de Netanyahu teria sido “desenvolvimento com potencial para virar o jogo, que informa sobre o risco real de a força aérea israelense já estar incapacitada de atacar o grupo militante islâmico”. Muito engraçado.

Fosse assim, por que o Hamás não usou essas armas-maravilha em janeiro do ano passado, quando Israel destruiu o que ainda havia, em pé, na Gaza ocupada? Ou por que os israelenses não encontraram as tais armas-maravilha quando ocuparam Gaza? Oh! Ia esquecendo! Por que Israel ainda não localizou, sequer, seu soldado capturado, Gilad Shalit (que o Hamás capturou há mais de quatro anos!), quando Israel tentou entrar em Gaza, abrindo caminho a ferro e fogo?

Claro que não são só norte-americanos e israelenses empenhados em nos vender a Ponte do Brooklyn. Quando o ridículo presidente do Irã, em visita ao sul do Líbano, semana passada, informou aos israelenses que Israel “já era” – há 33 anos, Yasser Arafat costumava vender essa mesma ponte, praticamente no mesmo lugar em que se viu Ahmadinejad, semana passada, no sul do Líbano –, jornais de todo o mundo repercutiram a “nova” ameaça contra Israel, como se Ahmadinejad tivesse trazido, na bagagem, na visita ao Líbano, uma de suas afamadas bombas atômicas.

Imediatamente, BINGO!, Israel decretou que o Líbano seria “um novo centro do terror regional”. Imediatamente, a “notícia” correu o mundo!

Vivo há 34 anos no Líbano, e já ouvi exatamente a mesma frase, vinda de Israel, em 1978, 1981, 1982, 1993, 1996 e 2006. Vai-se ver, os perigosos libaneses não fazem outra coisa na vida além de reconstruir novos centros de terror regional, cada vez que uma extraordinariamente bem-sucedida força de elite do exército de Israel ataca e devasta território libanês.

Novas promoções à vista, para nos vender a Ponte do Brooklyn? Claro que sim!

Afinal, faz pouco tempo que aquele grande, emérito vendedor de pontes, Daniel Pipes, aconselhou o governo dos EUA, pelo Jerusalem Post, em manchete: “Única salvação para o governo Obama: bombardear o Irã”. Pode-se supor que, dado o crescimento da oposição interna no Irã, logo se lerá também por lá: “Única salvação para o governo Ahmadinejad: bombardear Israel”. Sempre haverá jornalistas otários que compram ponte.

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