Publicado em 10/11/2010 por Urariano Mota
A realidade brasileira continua a surpreender, e de tal maneira, que a vista acostumada à vida de ontem não a reconhece mais. Diria Camões, se atualizado, que afora a mudança de todos os dias, outra mudança se faz de maior espanto: é que o mundo não muda mais como era seu costume antes. Ou como soía, brilhante rima do poeta para a palavra dia. Isso quer dizer, adaptando Camões para o Brasil mais recente: depois da espantosa edição da revista Veja para Dilma Roussef, eis que chegou a noite e a hora da sobrevivência para Sílvio Santos.
Pois desde ontem, o mundo na web ficou sabendo:
“Grupo Silvio Santos faz aporte de R$ 2,5 bi no PanAmericano
O PanAmericano informou nesta terça-feira que o Grupo Silvio Santos fará um aporte de R$ 2,5 bilhões no banco, do qual é o principal acionista. A empresa justifica a medida ao informar que foram "constatadas inconsistências contábeis...
‘O aporte destina-se a restabelecer o pleno equilíbrio patrimonial e ampliar a liquidez operacional da instituição, de modo a preservar o atual nível de capitalização, em virtude de terem sido constatadas inconsistências contábeis que não permitem que as demonstrações financeiras reflitam a real situação patrimonial da entidade. Assim, os ajustes que estão sendo realizados nesta data não resultarão em perda patrimonial, vez que estão sendo cobertos integralmente pelo citado aporte’, informou o banco.
O PanAmericano destacou ainda que:
“... a decisão reflete o compromisso do controlador com a higidez da instituição, sua responsabilidade com o mercado e com a preservação dos interesses dos seus clientes, depositantes, fornecedores e colaboradores, além de preservar a integridade da atual participação dos demais acionistas”.
A notícia acima, ainda assim, por espelhar o comunicado do Panamericano, reproduziu sem crítica a sua lábia: primeiro, o grupo Silvio Santos não fez “aporte” (contribuição financeira) nenhum, pois quem faz alguma coisa é agente, e no caso o “aportador” foi o FGC, Fundo Garantidor de Créditos, que reúne contribuições dos bancos, a grana para que não comam grama. Segundo, chamar de “inconsistências contábeis” o que os senhores panamericanos fizeram é o mesmo que chamar furtos sistemáticos de inconsciência cleptomaníaca. Ou seja: inconsistências aí significam apenas que o banco vendeu carteiras de crédito para cerca de dez grandes instituições bancárias, mas esqueceu de contabilizar essas vendas no seu balanço. Ou dizendo de outra maneira, o Panamericano vendeu seus créditos a terceiros, usou e gozou a grana, mas fez de conta, em suas “inconsistências”, que ainda tinha direitos a receber.
O interessante é que, diante do valor da fraude bilionária, do tamanho do aporte e da fama de Sílvio Santos, foi praticamente nula a repercussão da notícia na televisão. No Jornal Nacional, nada. No Bom dia Brasil, nada. Na Globo News, nada (quantos debates inteligentíssimos daria?). No Jornal da Globo, isto: “A Caixa Econômica Federal, por meio da Caixa Participações, fechou nesta terça-feira a compra de 35,5% do capital do Banco Panamericano. O valor do negócio é de pouco mais de R$ 739 milhões”. E fim. Querem notícia mais enigmática? Por que tal silêncio cortês, educado, ante um rombo de tamanha magnitude? A hipótese mais provável é que a televisão de Sílvio Santos, o SBT, com esse “aporte” subiu o telhado. E vamos ter nova arrumação de emissoras. Em dúvida, acompanhem.
O empresário, maneira de dizer, Silvio Santos pôs as 44 empresas do grupo como garantia do empréstimo do FGC. Das 44 empresas, cinco – o banco, o SBT, a Jequiti, o Baú da Felicidade e a Liderança – foram colocadas como garantias diretas. O valor contábil de todas elas é de R$ 2,7 bilhões. E agora, por fim, adaptando uma pergunta de Groucho Marx, deveria ser perguntado aos credores do empresário: está certo, Sílvio Santos garante 2,5 bilhões com suas empresas, mas quem garante os bens de Sílvio Santos?
Silvio, que todos os domingos vinha aí, agora parece ir para sempre, com aquele sorriso fixo, incansável, que Aguinaldo Batista, humorista pernambucano, dizia que pelo número de horas exposto só podia ser câimbra. O Senhor Abravanel, perto dos oitenta anos, foi ali, e como todo camelô de boa lábia garante, promete, mas não volta.
Enviado por Direto da Redação
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