Adriano
Benayon*
- 15.04.2013
Empresas desnacionalizadas Clique na figura para vizualizar |
01.
Em artigo recente, assinalei que, no Brasil, os déficits nas
transações correntes com o exterior se vêm avolumando. Somaram US$ 204,1 bilhões
de 2008 a 2012 (US$ 54,2 bilhões só em
2012).
02.
Em janeiro/fevereiro de 2013 houve espantosa aceleração: US$ 18 bilhões, ou
seja, 83% a mais que no mesmo período de 2012.
03.
Escrevi naquele artigo: “os déficits fazem acelerar ainda
mais a desnacionalização e o endividamento”. E citei Carlos Lopes (HP 24.01.2013): “de 2004 a 2011, foram desnacionalizadas
1.296 empresas brasileiras, e as remessas oficiais de
lucros ao exterior montaram a US$ 405 bilhões”. As remessas de lucros disfarçadas em
outras contas são um múltiplo disso.
06.
Os IEDs são considerados remédio para “equilibrar” o Balanço de Pagamentos – BP,
mas na realidade agravam enormemente a doença: o desequilíbrio do BP, decorrente
dos próprios IEDs.
07.
Incrível, mas verdade: desde agosto de 1954, a desnacionalização foi
promovida por governos do País. Mas não tão incrível, porque o foi por governos
militares e civis, egressos de golpes militares sob direção estrangeira, ou de
eleições comandadas pela pecúnia, no quadro de instituições políticas adrede
constituídas.
08.
Isso se deu por meio de cooptação e de corrupção e também por efeito da
dependência cultural, formada através da mídia e de universidades, reforçada
pelo deslumbramento diante dos requintes da “civilização” dos países imperiais e
através da difusão das realizações destes, sem cogitar que muito de tais
“maravilhas” resultou do saqueio das periferias.
09.
O governo militar-udenista, egresso do golpe de 1954, regido por serviços
secretos estrangeiros, instituiu vantagens absurdas em favor do capital
estrangeiro, inauguradas com a Instrução 113 de 17.01.1955, da SUMOC
(Superintendência da Moeda e do Crédito).
10.
Essa Instrução propiciou às multinacionais importar máquinas e equipamentos
usados, sem cobertura cambial, registrando o valor a eles atribuído pela
multinacional, como investimento estrangeiro direto, em moeda. Nada menos que
1.545 licenças para esses “investimentos” foram concedidas pela Carteira de
Comércio Exterior (CACEX), entre 1955 e 1963, mantidas e ampliadas que foram as
vantagens no governo de JK.
11.
Desse modo, os bens de capital entraram no Brasil, mais que amortizados com as
vendas em vários mercados de dimensões, cada um dos quais dezenas de vezes maior
que o brasileiro.
12.
Em consequência, as promissoras indústrias de capital nacional, formadas na 1ª
metade do Século XX, foram sendo dizimadas, impossível que era concorrer com
grandes empresas transnacionais, ainda por cima operando no Brasil com capital e
tecnologia a custo zero.
13.
Assim, a Volkswagen apossou-se de mais de 50% do mercado de automóveis, com o
Fusca, de tecnologia desenvolvida nos anos 30, produzido para o mercado europeu,
vinte anos antes de o ser no Brasil. Ora, a amortização dos equipamentos ocorre
em cerca de cinco anos.
15.
Desde os anos 90 com Collor e FHC - ademais da desnacionalização efetuada
através de privatizações, em que a União , em vez de receber,
gastou centenas de bilhões de reais para entregar estatais de grande porte - a
esbórnia entreguista tornou-se ainda mais desenfreada, com mais subsídios
federais, estaduais e municipais concedidos às montadoras estrangeiras, como, de
resto, a transnacionais de outros setores.
Desnacionalização, um buraco na cidadania |
16.
Deu-se devastadora guerra fiscal para atrair investimentos estrangeiros, na qual
governadores entreguistas oferecem vantagens cada vez mais desmedidas, às custas
dos contribuintes e da economia brasileira.
17.
O engenheiro Glauco Arbix, da USP, em estudo de 2011, apontou que isso foi
"puro desperdício de dinheiro público": nos EUA os incentivos para gerar
um emprego seriam de US$ 4 mil, enquanto no Brasil chegaram, em média, a US$
174,3 mil (sem contar os subsídios e benefícios fiscais
federais).
18.
Arbix verificou que a fábrica da Ford em Guaíba (RS ), cujo projeto foi
transferido para a Bahia, sairia para Estado e município por US$ 180,3 mil por
emprego dos 1.500 previstos. O Rio Grande do Sul, entretanto, concedeu
incentivos de US$ 174,3 mil por emprego nos 1.300 da fábrica da General Motors
em Gravataí. Na
Mercedes , em Juiz de Fora (MG), Estado e
município investiram US$ 152 mil por emprego.
19.
Até os anos 80, o capital estrangeiro predominou no setor industrial, além do
comércio exterior. Depois, estendeu-se nos serviços privados e públicos e no
setor financeiro. Tornou-se dominante na mineração, tem adquirido grande parte
do setor sucroalcooleiro e penetrou na agricultura, condenando seu futuro, ao
introduzir as sementes transgênicas e os agrotóxicos
complementares.
20.
Além dos subsídios fiscais e outros, nos últimos anos, os bancos públicos
elevaram seu financiamento aos concentradores e transnacionais. Empreiteiras,
grupos siderúrgicos, processadores de alimentos, agronegócio e até bancos
estrangeiros têm sido subsidiados pelos juros favorecidos nos empréstimos do
BNDES.
21
Mauro
Santayana assinala que quem está colocando o dinheiro somos nós mesmos. Diz em
resumo:
A
Telefónica da Espanha recebeu do BNDES mais de 4 bilhões de reais em
financiamento nos últimos anos e mandou mais de 1,6 bilhão de dólares para seus
acionistas espanhóis, que controlam 75% da Vivo, nos sete primeiros meses do ano
passado.”
“A
OI, que também recebeu dinheiro do BNDES, emprestado, e era a última esperança
de termos um "player" de capital majoritariamente nacional, corre o risco de se
tornar portuguesa, com a entrega de seu controle à Portugal Telecom
...
22.
Evaristo Almeida
( Economia & Política) aponta que, desde a privatização do
sistema Telebrás, em 1998, as empresas tiveram receita de dois trilhões de reais
e dizem ter investido só 390 bilhões, grande parte dos quais financiados pelo
BNDES “a juros de mãe amorosa”.
23.
Santayana anota:
Empresas
estatais estrangeiras,
como a francesa ADP (Aeroportos de Paris) ou a DNCS, que montará os submarinos
comprados à França, pertencem a consórcios financiados com dinheiro público
brasileiro. Esse será também emprestado às multinacionais que vierem participar
das concessões de rodovias (com cinco anos de carência para começar a pagar) e
de ferrovias, incluindo o trem-bala Rio-São
Paulo.
A
Caixa Econômica Federal, adquiriu, por sete mil reais, em julho, pequena empresa
de informática e depois nela se associou minoritariamente à IBM. No mês seguinte
celebrou com a IBM, sem licitação, contrato de mais de um bilhão e meio de
reais...
24.
O esquema das PPPs (parcerias público-privadas) faz que o poder público banque
investimentos que se transformam em patrimônio privado, tanto das empresas
privadas, inclusive as privatizadas, como das que estão sendo objeto de novas
privatizações, rotuladas pelo nome de concessões. Quase sempre privatização
implica desnacionalização.
25.
Os portos são objeto da recente medida provisória (MP 595), a qual,
segundo o Senador Roberto Requião, inventa novo marco regulatório inexistente em
qualquer lugar do mundo e provocará enfraquecimento e quebras dos portos
públicos, entregando seu controle a armadores
transnacionais.
26.
Além disso, o Estado terá de arcar com a infra-estrutura de transportes até os
portos, de acordo com as exigências destes, e as obras portuárias serão
realizadas por empresas privadas contratadas mediante licitação. O Estado
esbanja capital para privatizar, embora digam que a ele falta capital e por isso
precisaria privatizar.
27.
Ao mesmo tempo, o Estado incrementa as renúncias fiscais, mas só em favor de
concentradores e transnacionais, jamais de contribuintes comuns. Dilma
prorrogou, até o fim do ano, a isenção de IPI para automóveis e
caminhões.
28.
Já liberou 67 setores da contribuição previdenciária de 20% sobre a folha de
pagamento, substituída pelo recolhimento de 1% a 2% do faturamento. O setor
automotivo e o da linha branca já se beneficiavam disso, e a presidente incluiu
na lista (MP 612): serviços aeroportuários; transporte aéreo de passageiros;
transporte metroviário; engenharia e arquitetura; construtoras de obras de
infraestrutura; transportes marítimos e rodoviários de
cargas.
29.
Governadores e prefeitos entreguistas, com aval do governo federal, têm projetos
de privatizar a água e o saneamento. As grandes transnacionais do setor
prometem investir, mas, em geral, só o fazem na água, pois o investimento é
menor e os lucros maiores. Esse bem estratégico passa a ser explorado em função
dos lucros e sem cuidado com preservação e
qualidade.
30.
Até mesmo o petróleo - que, em todo país soberano, tem de estar sob
controle nacional está sendo entregue às companhias estrangeiras. Desde a
campanha do “petróleo é nosso” e a criação da Petrobrás, em 1953, o monopólio
estatal ficou intocado, enquanto a Nação manteve algum resquício de
independência, até ter ele sido derrogado, de fato, por FHC, com a Lei 9.478, de
1997.
31.
Como alertam os engenheiros Paulo Metri e Ricardo Maranhão, o Brasil
sofrerá perda colossal no leilão que a Agência Nacional do Petróleo marcou para
14/15.05.2013. Poderão ser arrematadas áreas totalizando de 20 a 30 bilhões de barris, ou
seja, de 1,8
a 2,7 trilhões dólares aos preços
atuais.
32.
Os royalties determinados pela legislação são de 10% do valor da produção, e as
transnacionais ficam donas do petróleo, podendo exportá-lo sem qualquer
limitação, como atender prioritariamente as necessidades internas ou restringir
a exploração por razões de estratégia política ou
econômica.
33.
Os royalties são baixíssimos, e o Brasil se coloca, assim, em situação rebaixada
não só em relação aos países soberanos - cujas companhias exploram o petróleo -
mas até em relação a pequenos países, protetorados das potências hegemônicas
desprovidos de tecnologia de exploração, os quais obtêm royalties muito acima
daquele percentual.
35.
Fomentada que é a ignorância quanto a tudo que seja de grande interesse
nacional, o que suscitou intensa polêmica política foi o repasse dos royalties
para Estados e municípios, uma bagatela diante do que o Brasil está
perdendo.
36.
Tão estúpida, ou desonesta, é a atitude de governadores e parlamentares, que nem
falam em revogar a
Lei Kandir , o que lhes proporcionaria mais que o dobro das
receitas dos royalties, em disputa das quais se engalfinham. Essa lei isenta as
exportações do ICMS.
*Adriano
Benayon
é doutor em economia e autor do livro Globalização versus
Desenvolvimento.
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