25/4/2013, Ramzy Baroud- Palestine
Chronicle
Traduzido por Baby Siqueira
Abrão
Ramzy
Baroud,
palestino da diáspora, é colunista internacional e editor do site Palestine Chronicle.
Seu mais recente livro é My
Father Was a Freedom Fighter: Gaza’s Untold History
[Meu
pai era um revolucionário: a história não contada de Gaza], publicado pela Pluto
Press.
No
início de abril os palestinos do mundo inteiro relembraram o massacre de Deir
Yassin,
ocorrido em 9 de abril de 1948. Na consciência palestina, o massacre, que tirou
a vida de mais de 100 pessoas inocentes, representou a face cruel do sionismo –
a base ideológica sobre a qual o Estado de Israel foi fundado. Ao longo dos
anos, as lembranças aterradoras associadas a Deir Yassin transformaram-se em
algo mais do que sua representação imediata como ato criminoso deliberado, com
objetivos políticos, e sobreviveram como uma cicatriz permanente no centro de
uma memória coletiva carregada de muitos massacres como o de Deir
Yassin.
Deir Yassin, o genocídio praticado pelos sionistas em 9/4/1948 contra mulheres e crianças |
Deir
Yassin, como acontecimento e como representação política, permanece como
componente decisivo da luta palestina por liberdade, mas a história da qual o
massacre faz parte continua a sujeitar-se ao preconceito – ou, mais
especificamente, ao racismo – da academia e da mídia.
O
massacre de Deir Yassin é amplamente aceito no pensamento israelense e ocidental
porque os líderes sionistas da época desejavam destacá-lo como uma tática
terrorista bem-sucedida para tirar centenas de milhares de palestinos das terras
que lhes pertenciam.
Crianças assassinadas pelos judeus durante a Nakba (catástrofe) |
Entretanto, outros massacres cometidos pelas forças
sionistas durante a Nakba (catástrofe)
palestina passam ao largo do conhecimento israelense e ocidental sobre a
Palestina e sua história encharcada de sangue, e isso porque esses massacres
foram contados, em sua maioria, apenas pelos
palestinos.
Trata-se
de uma tragédia na qual nem a vítima obtém justiça nem sua vitimização é
admitida por aquilo que foi e é. Muitos massacres cometidos contra palestinos
estão ocultos porque, a menos que sejam reconhecidos por historiadores
israelenses, para as audiências ocidentais é como se eles nunca tivessem
acontecido.
Somente
quando o jornalista israelense Amir Gilat decidiu publicar um artigo, alguns
anos atrás, no jornal israelense
Ma’ariv, citando a pesquisa de Theodore Katz, estudante de
pós-graduação de Israel, foi que a mídia ocidental reconheceu, ou ao menos
concordou em debater, o massacre de
Tantura. Pouco
lhes importou que descendentes e familiares das 240 vítimas dessa vila
destroçada, assassinadas a sangue-frio pelas tropas da Brigada Alexandroni,
nunca cessassem de relembrar seus entes queridos.
Massacre de Tantura |
Ao
longo dos 65 anos da conquista sionista da Palestina e do início do “problema
dos refugiados palestinos” – que também pode ser lido como “genocídio” por quem
ousa enfrentar as sensibilidades israelenses-ocidentais – a história da
Palestina vem sendo filtrada pelos mesmos mecanismos de décadas atrás. No
entanto, é hora de o direito à narrativa verossímil, até agora reservado aos
historiadores israelenses, ser assumidamente desafiado.
Quem
cavar fundo o texto histórico palestino ficará admirado com a história
verdadeira de seu povo, suas muitas tragédias e suas volumosas, fascinantes
narrativas de uma civilização profundamente arraigada, insuperável em suas
singularidade e continuidade históricas. A representação – ou falsificação – da
narrativa palestina, porém, existe na academia, na mídia e até mesmo na
imaginação popular ocidentais, tecida por um “conhecimento” cuidadosamente
fabricado com o qual os narradores israelenses gentilmente decidiram revesti-la.
Remova-se o vínculo israelense com a compreensão ocidental sobre tudo o que diz
respeito à Palestina e ter-se-á um espaço vazio de textos desconexos que têm
muito pouco de um discurso alternativo.
Benny Morris |
O
caso de Deir Yassim foi largamente aceito como massacre porque historiadores
israelenses como Benny Morris – um pesquisador razoavelmente honesto que
permaneceu comprometido com o sionismo, a despeito da história macabra que ele
mesmo descobriu – admitiram sua existência como fato histórico.
Famílias
palestinas inteiras foram perfuradas por balas [...]
homens, mulheres e crianças foram
chacinados à medida que saíam de suas casas; indivíduos eram postos de lado e
assassinados. A inteligência da Haganah relatou: ‘Havia pilhas de mortos. Alguns
dos detidos, levados a locais de encarceramento, incluindo mulheres e crianças,
eram cruelmente assassinados por seus captores
[...].
Foram
as milícias sionistas do Irgun, de Menachem Begin, e da Stern Gang, lideradas
por Yitzhak Shamir, que receberam o crédito pela infâmia cometida naquele dia –
e ambos os líderes foram generosamente recompensados pela atrocidade de seus
atos. Anos depois, esses homens passaram da condição de criminosos procurados
para a de primeiros-ministros.
O
massacre de Tantura tem uma boa chance de deixar de ser mera ficção palestina e
tornar-se história verdadeira porque um estudante israelense resolveu desafiar o
discurso oficial de seu país, que insiste em retratar Israel como um oásis de
democracia e de pureza histórica.
Numerosas
vilas palestinas e seus habitantes, submetidos ao genocídio de 1948 (conhecido,
nos círculos polidos, como “limpeza étnica”), não conseguiram fazer o corte
histórico, como se continuassem a esperar que um historiador israelense
validasse a afirmação de que esse genocídio realmente
ocorreu.
Dr. Salman Abu Sitta |
Numa
comunicação recente, o dr. Salman Abu Sitta, um dos principais historiadores
palestinos da Nakba, disse:
A
ironia é que aquilo que o suspeito Benny Morris e o respeitado Ilan Pappé
escreveram é o que os palestinos vêm dizendo há mais de seis décadas. A mídia
dominada pelo sionismo é surda e muda. Trata-se do orientalismo em sua pior
forma.
Sem
dúvida.
O
assunto, entretanto, é tão relevante hoje como era há 65 anos. Os descendentes
dos que sobreviveram à Nakba e às subsequentes guerras e massacres são, em sua
maioria, refugiados na própria Palestina ou em outros países do Oriente Médio e
do mundo. Nem seus ancestrais receberam justiça, nem a geração atual obteve a
restituição do que pertencia a seus ascendentes. De Deir Yassim a Tantura, de Ain Al
Hilweh a Yarmouk e Jabalya, a
escala de sofrimento é a mesma, e permanente.
Ilan Pappé |
Mas
isso precisa mudar. Sem uma narrativa palestina autêntica, isenta de
adulterações, nenhum entendimento verdadeiro da Palestina e de seu povo – até
mesmo por aqueles considerados simpáticos à causa palestina – pode ser
alcançado. Uma narrativa centrada em relatos que reflitam a história, a
realidade e as aspirações da gente comum permitirá uma compreensão genuína da
verdadeira dinâmica que move o conflito. Essa narrativa, que faz justiça a toda
uma geração de palestinos, é poderosa o bastante para desafiar a parcialidade e
a polarização atuais.
Deir
Yassin deve ser tão relevante para o presente como essencial para revelar o
passado. Não apenas existiram muitos massacres como Deir Yassin, de variadas
formas, como Deir Yassim é o microcosmo de um drama muito maior, que continua
acontecendo na Palestina. Se o Deir Yassin original, e outros massacres, forem
desprezados, considerados anomalias históricas irrelevantes, então o presente
permanecerá contaminado e incompreendido.
É
tempo de os historiadores palestinos darem um passo adiante e reivindicarem o
que é, essencialmente, a sua narrativa, desafiando os preconceitos da
mídia e avançando, com coragem, além dos limites permitidos por Israel,
desafiando também, portanto, o controle intelectual sobre o discurso
palestino.
salve, castor,
ResponderExcluirpor que cargas d'água o livro de ilan pappé que trata do genocídio palestino - The Ethnic Cleansing of Palestine, não tem tradução pro português? só queria entender ...
abçs
carlos-fort-ce
Eu também queria entender...
ExcluirAbraço
Castor