quarta-feira, 24 de abril de 2013

Guerras Sujas: Washington enche de alvos o campo de batalha


cria seus próprios inimigos para a era pós 11/9 

23/4/2013, Tom Engelhardt, Tom Dispatch
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu


O livro Blowback [tiro pela culatra/revide]: The Costs and Consequences of American Empire [Os Custos e Consequências do Império Americano] de Chalmers Johnson foi publicado em março de 2000 – praticamente sem ser percebido. Até então, “tiro pela culatra” era uma expressão obscura cunhada pela CIA, que Johnson definiu como “as consequências não desejadas de políticas que foram mantidas secretas, ignoradas pelo povo norte-americano”. No prólogo, o ex-consultor da CIA e especialista em Mao Tse Tung (revolução camponesa) e em Japão moderno, apresentava-se, como personagem da Guerra Fria, como “ator coadjuvante do Império”.

Depois que desapareceu a União Soviética em 1991, Johnson surpreendeu-se ao descobrir que a estrutura global essencial do outro colosso da Guerra Fria, a superpotência norte-americana, com suas muitas bases militares, permanecia absolutamente intocada, como se o fim da URSS nada tivesse modificado. Quase uma década adiante, quando o Império do Mal já não passava de memória histórica, Johnson novamente correu os olhos pelo planeta e descobriu um “império norte-americano informal” de imenso alcance e grande poder. Convenceu-se então de que, na ambição planetária, Washington cultivava o terreno “em todo o planeta (...) para futuras novas modalidades de tiros pela culatra-revides”.

Johnson observou “sinais muito claros de uma crise do século XXI”. No primeiro capítulo de Tiro pela Culatra, o livro, o autor concentra-se na análise de “um ex-protégé dos EUA”, de nome Osama bin Laden, e na Guerra Afegã contra os soviéticos, da qual emergiram o próprio Osama e uma organização chamada al-Qaeda. Naquela guerra, Washington apoiara ao máximo possível – e a CIA forneceu dinheiro e armas – aos mais extremistas dos fundamentalistas islamistas, o que abriu caminho para que, adiante, os Talibã tomassem o Afeganistão.

Em matéria de “consequência não desejada”, difícil achar melhor exemplo! O objetivo daquela guerra fora aplicar uma sova à União Soviética, de arrasar, estilo Vietnam. O que foi feito. Mas o que ali se fez plantou as sementes do que... Em 1999, quando Johnson escreveu, ainda não se sabia o que viria. Mas ali estava uma pista, uma intuição, um palpite que, dia 12/9/2001 já convertera em “profético” o livro de Johnson. E ele falava também de outro fenômeno: os norte-americanos, ao que lhe parecia, “separamo-nos de qualquer consciência genuína de como outros povos do mundo nos veem e olham para nós”. 

Com o livro “Tiro pela Culatra” [Blowback], Johnson almejava corrigir esse vício; pintar um quadro de como aquele império informal e sua gigantesca rede de bases militares distribuídas por todo o mundo, maior que qualquer outra que o mundo jamais conhecera, viam os outros; assim, planejava explicar por que o antiamericanismo crescia; e por que os tiros pela culatra e os revides estavam, de fato, em gestação, pelo planeta. Depois do 11/9/2001, o livro de Johnson saltou imediatamente para o topo de todas as listas de livros mais vendidos nos EUA; e as expressões “tiro pela culatra”, “revide” e “consequências não desejadas” entraram para a linguagem diária. Pode-se dizer que Chalmers Johnson foi o primeiro intelectual norte-americano especialista em tiros pela culatra e revides.

Agora, mais de dez anos depois, surge outro livro. Dessa vez, o autor é o primeiro repórter norte-americano especialista em tiros pela culatra e revides. Chama-se Jeremy Scahill.

Jeremy Scahill
Em 2007, Scahill já publicara um best-seller “surpresa”: Blackwater: The Rise of the World's Most Powerful Mercenary Army [Blackwater: Ascensão do mais poderoso exército mundial de mercenários] [1]. Beneficiou-se de um momento quando o governo Bush, preparando-se para suas guerras longínquas, trabalhava como maníaco para “privatizar” a segurança nacional e os militares norte-americanos, contratando espiões-de-aluguel, pistoleiros-de-aluguel e empresas de aluguel para suas guerras que proliferavam feito praga.

Nos anos seguintes, foi como se Scahill tivesse tomado a peito, como desafio pessoal, a observação de Johnson – que os norte-americanos não sabem ver o mundo como ele é. E nem chegava a surpreender, porque grande parte do “modo norte-americano de guerrear” já mergulhara nas sombras. Dois governos em Washington  já se haviam arrogado cada vez mais poderes para fazer guerras e arrochar a (in)segurança interna; começaram então a desenvolver novos, clandestinos, ocultados métodos de guerra. No processo, transformaram uma CIA cada vez mais militarizada e uma equipe “técnica” conhecida como Comando Conjunto de Operações Especiais [orig. Joint Special Operations Command (JSOC)] e uma sua “arma perfeita”, nova em folha, um objeto de desejos e delírios high-tech, o drone [veículo aéreo pilotado à distância, por joystick], no exército privado, privatizado, do próprio presidente.
 
Naqueles anos, a guerra e o caminho para produzir mais guerras já se haviam convertido em assunto privado e propriedade da Casa Branca e do estado de segurança nacional – e de mais ninguém. Praticamente nada disso, claro, era segredo para os que operavam na ponta rumo à qual o dinheiro andava. Só os norte-americanos nada sabiam e nada deveriam saber do que era feito em seu nome. Resultado disso tudo, havia ali uma história da guerra secreta produzida nos EUA para o século 21, que bradava aos céus para ser narrada.  

Agora, essa história já aí está, na forma do novo livro de Scahill: Dirty Wars: The World Is a Battlefield [Guerras Sujas: o mundo é um campo de batalha].

Scahill rastreou, com especial detalhe, a ascensão do Comando Conjunto das Forças Especiais. No Iraque, assumiu as feições de uma espécie de Assassinatos Inc., “um ramo empresarial-executivo, para assassinatos”, como disse Seymour Hersh, que operava a partir do gabinete do vice-presidente Dick Cheney. Em seguida a mesma unidade militar/empresa serviu-se dos seus métodos de caça/assassinato contra o Afeganistão e, dali, para o planeta, à medida em que as próprias forças especiais iam-se convertendo em exército secreto caro, cevado entre os militares norte-americanos. Naqueles anos, Scahill começou a seguir as pegadas de tipos das forças especiais em campo, sem deixar de acompanhar fontes dentro daquela comunidade e em outros pontos do mundo militar e da inteligência.
 
No novo livro, retraça as guerras burocráticas de inteligência em Washington, enquanto o Pentágono, a CIA e o resto da comunidade de inteligência nos EUA ia ganhando músculos e ordens secretas, diretamente da presidência, davam ao Comando Conjunto das Forças Especiais, principalmente, autoridade sem precedentes para converter o planeta em área de tiro livre.

Finalmente, como repórter, viajou a vários “cenários” perigosos – Somália, Iêmen, Paquistão – aos quais os norte-americanos absolutamente não davam qualquer atenção, e onde militares norte-americanos e a CIA (trabalhando lado a lado com empresas privadas de segurança contratadas) faziam testes e desenvolviam novos métodos para fazer avançar o alastramento das guerras secretas de Washington.

Como Scahill escreve nos “Agradecimentos”, agradecendo a colaboração de outro repórter que viajou com ele, “Estávamos juntos quando atiravam contra nós, em telhados de Mogadishu, dormimos lado a lado no chão úmido no interior do Afeganistão e atravessamos juntos terras do sul do Iêmen”. Aí se vê algo do espírito do livro, produzido por repórter dedicado, independente - nunca “incorporado” às forças militares – trabalho impressionante, inspirador, às vezes assustador.

No processo, Scahill, o qual, naqueles anos, publicou várias reportagens impressionantes, como correspondente de segurança nacional da revista The Nation, descortina para nós aqueles esquadrões norte-americanos da morte operantes no Iraque; raids noturnos, coisa de pesadelo, no Afeganistão (nos quais morriam alvos “errados”; entrega secreta de suspeitos de terrorismo a uma prisão que a CIA mantém na Somália (e já depois de o presidente Obama ter proibido a “entrega extraordinária” de prisioneiros); o uso de drones e mísseis Cruisers em ataques desastrados contra civis no Iêmen; a caçada, até o assassinato de cidadãos norte-americanos (ditos “suspeitos de atos terroristas”, embora Abdulrahman Awlaki, de 16 anos, um dos assassinados, com certeza absoluta jamais tenha praticado qualquer ato terrorista) também no Iêmen e ordenados pelo presidente; o complexo mundo das operações do Comando Conjunto das Forças Especiais/CIA/Blackwater no Paquistão – e muito mais, incluindo uma indicação de que o Comando Conjunto das Forças Especiais chegou a iniciar operações em solo, também no Uzbequistão. (Quem ouvira falar disso?!).

Ann Jones
Dirty Wars [Guerras Sujas] é também, nos termos de Johnson, uma história do futuro; uma história de tiros pela culatra/revides potenciais; uma mensagem na garrafa que nos é enviada de dentro das linhas ocultas dos campos de combate secretos globais dos EUA – e aí há uma história dos EUA, que desconhecemos.

Preparando o campo de batalha

Há poucos anos, Ann Jones, correspondente de Tom Dispatch, contou-me algo que nunca esqueci. Tendo passado algum tempo incorporada às tropas dos EUA no Afeganistão, ela assim descreveu as patrulhas que faziam pelo interior do país: sim, há perigo, principalmente as bombas nas estradas [orig. IEDs (roadside bombs)], mas no geral as áreas patrulhadas diariamente, dia após dia, eram estranhamente desertas, “vazias”. Em certo sentido, era quase como se não houvesse ninguém, como se combatessem uma guerra fantasma num – palavras dela – campo de batalha vazio.

Essas palavras têm um análogo planetário, no notável novo livro de Scahill. Como tantos lembram, imediatamente depois dos ataques de 11/9, Bush e seus assessores logo se puseram a pensar grande. Inesquecível, o Secretário da Defesa Donald Rumsfeld pôs-se a exigir que seus assessores lhe apresentassem um plano contra Saddam Hussein do Iraque, apenas cinco horas depois que o avião do voo 77 da American Airlines se espatifasse contra o Pentágono. Em semanas, já altos funcionários do governo falavam com firmeza sobre a necessidade de a OTAN drenar o pântano dos terroristas e dos inimigos dos EUA em escala global. Sabe-se que houve planos para atacar entre 60 e 80 países, entre um terço e metade dos países do planeta. Em outras palavras, quando rapidamente declararam uma Guerra Global ao Terror, não estavam brincando. Tratava-se disso, bem literalmente, e, como Scahill relata, imediatamente se puseram também a construir o tipo de exército – secreto, que só obedeceria a eles – capaz de combater em qualquer canto do mundo.

Rumsfeld
Enquanto aquelas forças eram despachadas globalmente, para recolher inteligência, treinar forças estrangeiras (quase sempre ditas “especiais” e secretas), e especialmente para caçar e matar terroristas, uma nova expressão construída entrou rapidamente em circulação, expressão tão crucialmente importante para o livro de Scahill, quanto “tiro pela culatra/revide” foi importante para o livro de Johnson. Estava, como diziam, começando a “preparar o campo de batalha” (ou, como também se dizia, “o espaço de combate” ou “o ambiente de confronto”). Essa preparação não poderia ter sido mais apavorantemente enlouquecida. O Secretário de Defesa Rumsfeld assim resumiu o quadro: “Hoje, todo o mundo é o espaço de combate”.

Aqui, o mais estranho: quando aquelas forças secretas partiram para fazer seu serviço sujo, aquele espaço de combate global era, nas palavras de Jones, espantosa, estranhamente vazio. Não se via ninguém. Talvez algumas centenas, no máximo alguns milhares de jihadis espalhados pelas áreas mais remotas do planeta. Se “preparar o campo de batalha” converteu-se em palavra chave daquele momento, nunca foi expressão descritiva acurada.  Mais preciso seria dizer “criar o campo de batalha” ou, então, “povoar o campo de batalha”.

Campo do Sonhos
O padrão que Scahill traça brilhantemente, bem se pode entender no subtítulo do filme Campo dos Sonhos:se você construir, eles virão. O resultado não foi tanto uma guerra contra o terror: foi, muito mais, uma guerra de terror e pelo terror. Washington, simultaneamente, produzia uma máquina de matar e uma máquina para gerar terror. “Guerras Sujas”, Dirty Wars, de Scahill captura o modo como os altos oficiais convenceram-se de que a única superpotência restante no planeta, a última, com a melhor força de combate que o mundo jamais conheceu (como, hoje, os presidentes dos EUA nunca se cansam de repetir), podia simplesmente abrir caminho à bala e à morte, até a vitória global.

Scahill mostra também que eles são frequentemente bem-sucedidos no processo de matar as pessoas que haja em sua lista de matar [orig. kill list], de Osama bin Laden para baixo: o próprio Bin Laden no Paquistão; Abu Musab al-Zarqawi no Iraque; Aden Hashi Ayro na Somália; Anwar al-Awlaki no Iêmen, além de vários “tenentes” entre altas figuras da al-Qaeda e grupos aliados. E, enquanto vão sendo assassinados os “listados”, com os drones da CIA e os voos do Comando Conjunto das Forças Especiais, assassinam-se também quem esteja por perto. Não raras vezes, foram civis inocentes – e em grande quantidade.

Gente que de modo algum poderia ter tido a porta de casa arrombada, os filhos presos, a esposa grávida assassinada a tiros, gente que para sempre sentirá o horror daqueles momentos. E assim, antes que Washington percebesse, a lista de matar inchava, nunca diminuía; e suas guerras tornavam-se mais, nunca menos, intensas e vastas, já chegando a outras terras. O campo de combate, tão atentamente preparado, começava a encher-se de inimigos.

Uma máquina de moto perpétuo para desestabilizar o planeta

Enquanto Washington lançava suas aventuras pós 11/9, os aliados neoconservadores do governo Bush, acreditando que o vento lhes enchia as velas, punham os olhos no mundo, do Norte da África à fronteira da China na Ásia Central (o chamado “Oriente Médio Expandido”) que gostavam de chamar de “arco de instabilidade”. O serviço dos EUA, imaginavam eles, seria estabilizar o tal “arco” empregando o gigantesco poder militar dos EUA para criar uma Pax Americana na região. Eram, em outras palavras, fundamentalistas, e os militares dos EUA eram sua religião original. Acreditaram que esse tecno-poder derrotaria, forçaria à rendição, qualquer outra forma de poder no mundo.

Em tempos de retirada dos EUA do Iraque e à luz do desastre da guerra no Afeganistão, se se examina o Oriente Médio Expandido hoje – do Paquistão à Síria, do Afeganistão ao Mali – vê-se, agora sim, o que é instabilidade. 12 anos depois, grande parte da região já foi desestabilizada em maior ou menor grau, o que bem se pode tomar como definição do sucesso de Washington no curto prazo; e fragoroso fracasso, no longo prazo.

Na realidade, estiveram errados desde o início. Afinal, por trás da guerra lançada pelo governo Bush e mantida e ampliada pelo governo Obama, sempre esteve uma “remontagem”, para o século XXI, da mesma brutal estratégia com a qual Washington já falhara no Vietnã. A expressão que entrou em moda então foi “o ponto da virada”, um suposto momento crucial no que então já se pensava, declaradamente, como “guerra de atrito”.

A ideia era bem simples. O aterrador poder de fogo ao qual Washington tinha acesso imporia ao inimigo vietnamita o resultado esperado, óbvio: mais cedo ou mais tarde, chegaria o momento em que os EUA estariam matando mais inimigos do que o inimigo conseguiria recrutar no Vietnã do Sul; ou se infiltrariam reforços, vindos do norte. Naquele momento, Washington “viraria” rumo à vitória. Todos sabemos no que deu aquilo – da infame contagem de cadáveres (que o governo Bush tentou desesperadamente evitar no Iraque e no Afeganistão), à carnificina em escala jamais vista e à derrota, quando nem o prodigioso número de inimigos mortos resultou em os EUA conseguirem “virar” rumo à vitória.

E aqui está a ironia. Como seu pai, o qual, no final da primeira Guerra do Golfo, em 1991, discursou, em êxtase,  que “acabamos com a síndrome do Vietnã, de uma vez por todas”, George W. Bush, o filho, e seus principais oficiais padeciam de alergia mortal à memória do Vietnã. Mesmo assim, ainda deram jeito de lançar uma guerra global de atrito contra vários grupos que definiram como “terroristas”. Estavam bem visivelmente planejando assassiná-los, um a um se possível, ou sem nem identificá-los, em  Grupos de assinatura [orig. “signature groups”], se necessário, até alcançar algum ponto onde conseguissem “virar”, quando o inimigo esteja perdendo tantos braços que não possa repô-los, e a vitória raie no horizonte. Como no Vietnã, claro, esse ponto de ‘virada’ jamais chegou e é cada dia mais claro que jamais chegará. Quanto a isso, o livro-reportagem de Scahill é incisivo.

“Guerras Sujas” [Dirty Wars] é realmente a história secreta de como Washington lançou uma série de guerras não declaradas nos confins do planeta e abriu, a fogo e morte, o próprio caminho para algo que cada dia mais se aproxima de total guerra global: criou um oceano de inimigos, a partir de praticamente nenhum inimigo. Pode-se dizer que foi a realização de um desejo inconsciente de morte, e os resultados – sim, alcançados! – chegaram como um campo de pesadelos.

O que se criou naquele processo parece hoje uma máquina de moto perpétuo para desestabilizar do planeta. Basta acompanhar o aumento do número de bases de drones  e  dos raids dos grupos do Comando Conjunto das Forças Especiais, e logo se veem, diante dos olhos e em ação, o processo em andamento de desestabilização do planeta. Ou que se leia o livro de Scahill, para conhecer o relato, golpe a golpe, de como aconteceu. O processo está agora em andamento, já bem avançado, na África,  onde a desestabilização parece tomar rumo sul, da Líbia via Mali.

Reli “Tiro pela culatra/revide” [Blowback] 13 anos depois da primeira leitura, e é difícil acreditar que alguém tenha conseguido ver tão à frente no tempo, dada a preferência, entre os humanos, por jamais tentar ver muito adiante de coisa alguma. O mais triste de tudo que se possa dizer sobre “Guerras Sujas” [Dirty Wars] é que, pelo que já se vê hoje, dentro de outros 13 anos também o livro de Scahill voltará às manchetes, tão atual quanto o noticiário de ontem. Scahill desmascarou um modo de fazer guerras que parece destinado à perpetuidade, não importa que governo os norte-americanos elejamos para nos governar.

Ainda há muito que todos ignoramos sobre as atuais “não guerras” que os EUA estamos guerreando. Daqui a 13 anos talvez saibamos muito mais sobre o que o Comando Conjunto das Forças Especiais, a CIA e outros realmente fizeram nesses anos iniciais do processo. Mas nada disso modificará o padrão que Scahill conseguiu traçar e exibir para todos.

Assim sendo, não hesitemos: “missão cumprida!” Talvez o mundo ainda não fosse um campo de batalha quando começaram a trabalhar. Mas, sim, aquela gente preparou o espaço global de batalha, e fez bem feito: hoje já estamos bem adiantados naquele mesmo processo então iniciado.

E, quase sem que ninguém percebesse, as guerras imperiais encontraram via para também voltarem para casa.  Consideremos a reação às explosões na Maratona de Boston.

A resposta foi sem dúvida a maior, mais militarizada caçada humana de toda a história dos EUA. A seu modo, também foi exemplo de campo de batalha deserto, vazio. Uma área metropolitana de 217 km2  foi quase completamente esvaziada e cercada. Pelo menos 9 mil policiais pesadamente fardados e armados, da Polícia local, da Polícia estadual, policiais federais e centenas de soldados da Guarda Nacional, equipes da SWAT, veículos blindados, helicópteros e sabe-se lá o que mais tomaram as ruas de Boston e arredores, à caça de dois perigosos, enlouquecidos jovens, um dos quais terminou ensanguentado num barco num fundo de quintal, nas fronteiras da zona que a Polícia fechara, em Watertown. Esse espetáculo seria inimaginável nos EUA de antes do 11/9.

O custo dessa operação tem de ter sido estratosférico (sobretudo se se somam os prejuízos a todos os comerciantes da cidade, impedidos de abrir as lojas). No final, claro, um dos suspeitos foi assassinado e o outro foi capturado – e as celebrações  por mais esse sucesso de curtíssimo prazo começaram imediatamente nas ruas de Boston e nos veículos da imprensa-empresa. Mas nem assim se conseguiu provar que abrir caminho a fogo e à morte para o sucesso seria estratégia vencedora. De fato, continuamos no mundo dos tiros pela culatra/revides do livro de Scahill, no qual, não importa o número de mortos, nada sugere que estejamos mais próximo do ponto “da virada”, na guerra.

Depois que Dzhokhar Tsarnaev, o segundo suspeito de autor dos ataques em Boston, foi capturado, o senador Republicano Lindsey Graham tuitou uma nova frase, que se integrou ao discurso norte-americano: exigindo que o rapaz de 19 anos fosse considerado “inimigo não combatente” (como são os detidos sem julgamento e sem acusação formal na prisão de Guantánamo), Lindsey Graham escreveu: “A pátria é o campo de batalha”. Leitores de “Guerras Suja” [Dirty Wars] de Scahill, devem ter estremecido de pavor.

Enquanto o mundo queima e arde e derrete-seWashington se autodeterminou uma missão global crucial: despachar suas forças secretas para aquele campo de batalha global, à caça de jihadis.

Foi o pior erro imperial de avaliação, desde que Nero tomou da harpa e tocou, enquanto Roma queimava.




Nota dos tradutores

[1]  Sobre a empresa, ver 21/10/2010, redecastorphoto, Jeremy Scahill, em: Blackwater & Co. - A “negabilidade total , The Nation, em português.



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