A “solução” golpista SEMPRE
aparece, mas...
17/4/2013, MK
Bhadrakumar*, Indian Punchline
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
“Documento lançado pela Fundação Carnegie recomenda que
Obama dê por encerradas as negociações do acordo SOFA, pelo menos por hora; e
concentre-se no agente de todos os padecimentos dos EUA, a saber, o presidente
Karzai; que deve arranjar as coisas de modo a livrar-se dele, varrê-lo da cena
política; isso feito, bastaria a Obama instalar lá, como presidente do
Afeganistão algum fantoche confiável, a ser eleito nas próximas eleições
presidenciais, o qual rapidamente entregaria o acordo SOFA aos EUA, de bandeja”
(15/4/2013, Carnegie Endowment for
International Peace em: “Take
the Bilateral Security Agreement Out of Afghan
Politics”)
Joseph Dunford |
O
depoimento do comandante dos EUA no Afeganistão general Joseph Dunford, ante a
Comissão das Forças Armadas do Senado, em Washington, na 3ª-feira, registra “crescente
incerteza” no
Afeganistão, no cenário da segurança, para o pós-2014. O general Dunford usou
essa incerteza como pano de fundo, para defender empenhadamente que os EUA não
retirem um único soldado do Afeganistão, no futuro próximo.
Mas só tinha, para argumentar, a
perspectiva segundo a qual, no final do verão, todos conhecerão a real
capacidade das forças afegãs para assumir a tarefa
de lutar contra os insurgentes; então, será mais fácil estimar a
presença militar dos EUA que será necessária, para o longo prazo. Mas Dunford
disse – para espanto universal – que os soldados norte-americanos devem ser
dispostos em Cabul e “nos quatro cantos” do país.
Sobretudo agora, imediatamente
depois dos eventos da Maratona de Boston, a opinião pública nos EUA não
resistirá muito contra a ideia de estabelecerem-se mais bases militares no
Afeganistão – desde que tenham o objetivo declarado de lutar
contra a al-Qaeda (?).
Hamid Karzai |
Mas
a verdadeira razão pela qual o Pentágono não pode aceitar nenhuma retirada no
momento é completamente outra. A questão crucial é que o Acordo do Estado das
Forças [State of Forces Agreement, SOFA] ainda não foi assinado; os EUA
não sabem ainda, sequer, quais e quantas bases militares e que número de
soldados serão autorizados a permanecer no Afeganistão. Os EUA ainda não sabem,
tampouco, que imunidade “diplomática” Cabul garantirá aos soldados
norte-americanos que fiquem.
Do
ponto de vista de Washington, a causa pela qual as negociações para o acordo
SOFA continuam emperradas é o presidente afegão, Hamid Karzai, que
insiste numa barganha duríssima. Como a rede Xinhua chinesa
comentou semana passada, Washington tem motivos para temer que Karzai
absolutamente não conceda o que lhe tem sido insistentemente pedido.
Funcionários
do governo dos EUA já disseram que, sem o acordo SOFA assinado nos termos
que os EUA tentam impor, acaba-se completamente qualquer acerto ou negociação
vigente – o que significa que Washington não mais se sentirá politicamente
obrigada a cumprir os compromissos de apoiar financeiramente e militarmente a
estabilização no Afeganistão.
Duncan Hunter |
O
conhecido deputado Republicano da Califórnia, Duncan Hunter, que é membro da
Comissão das Forças Armadas da Câmara de Deputados, disse em entrevista ao
Washington Post , essa semana, que “Se os EUA não
obtiverem um acordo SOFA satisfatório e não ganharmos as tropas (sic), o
Afeganistão não ganha o dinheiro”.
É
simples: sem SOFA, nem dinheiro, nem guerra contra a Al-Qaeda no
Afeganistão!
A
parte financeira é extremamente sensível, porque a economia afegã é frágil e,
sem apoio internacional, teremos um replay da queda do governo de
Najibullah, em 1992, quando acabou a ajuda que os soviéticos haviam garantido
até ali.
Mas
a chantagem de Washington não está, ao que parece, funcionando; a principal
preocupação de Karzai, hoje, é a difícil transição política em Cabul, depois das
eleições presidenciais de abril de 2014.
Nesse
contexto político altamente carregado, com Washington e Karzai andando em
círculos, que opções restam aos negociadores dos EUA, para apressar a assinatura
do acordo SOFA? De fato, nenhuma.
Documento
lançado pela Fundação Carnegie sugere
que Obama deve simplesmente dar por encerradas as negociações do
acordo SOFA, pelo menos por hora, e, em vez de pensar nelas,
concentrar-se no agente de todos os padecimentos dos EUA, a saber, o presidente
Karzai; que deve arranjar as coisas de modo a livrar-se dele, varrê-lo da cena
política; isso feito, bastaria a Obama instalar lá, como presidente do
Afeganistão algum fantoche confiável, a ser eleito nas próximas
eleições presidenciais, o qual rapidamente entregaria o acordo SOFA aos
EUA, de bandeja.
Dito de
outro modo: se suspender as negociações do acordo SOFA, os EUA abrirão
para si o espaço necessário para isolar Karzai e assegurar que não consiga atuar
como o fazedor-de-reis no Afeganistão.
Vladimir Putin |
É
quase como se estivéssemos de volta a 2009, quando o enviado especial dos EUA
Richard Holbrooke tentou impedir um segundo mandato de Karzai na presidência.
Karzai como se sabe riu por último, mas... que opções lhe restam hoje?
Hoje,
as circunstâncias são diferentes. Principalmente porque as potências regionais
já começaram a também jogar suas cartas no tabuleiro afegão – Rússia, China,
Paquistão, Índia, Irã, etc.. E prosseguem as conversações
entre russos e uzbeques, em Moscou, na 2ª-feira (e as conversas do
vice-presidente indiano M H Ansari em Dushanbe):
os
estados da Ásia Central não assistirão passivamente aos eventos no Afeganistão.
Islam Karimov |
O presidente russo Vladimir
Putin e o presidente uzbeque, Islam Karimov já
decidiram “continuar a monitorar bem de perto a questão [da retirada das tropas
dos EUA] e coordenar passos conjuntos futuros, sobretudo no que tenham a ver com
a possibilidade de prover a ajuda de que o governo do Afeganistão precise para
estabilizar sua situação política e militar”.
Interessante,
nesse contexto: Karimov chamou a atenção para os ventos geopolíticos que estão
soprando na região, vindos do norte da África, pelo Oriente Médio e Golfo Persa,
todos extremamente preocupantes, porque podem alcançar a Ásia Central,
atravessando um Afeganistão dominado pelos Talibã.
Não há
dúvidas de que, embora Karzai já seja um espinho a espetar a carne dos
interlocutores norte-americanos, não será fácil livrar-se dele.
Karzai
tem apoio regional, e sua
coalizão permanece intacta (por mais que os paquistaneses se esforcem para
desbaratá-la).
_________________
MK Bhadrakumar* foi diplomata de carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética, Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e Turquia. É especialista em questões do Afeganistão e Paquistão e escreve sobre temas de energia e segurança para várias publicações, dentre as quais The Hindu, Asia Online e Indian Punchline. É o filho mais velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista, tradutor e militante de Kerala.
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