26/4/2013, Robert Parry, Consortium News
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Robert Parry |
A
imprensa-empresa nos EUA jamais foi “liberal”. Na melhor das hipóteses, pode-se
dizer que houve períodos, em passado não muito distante, quando as grandes
empresas-imprensa faziam melhor serviço, ao apresentar os fatos. E havia alguma
imprensa “underground” que publicava algum material que a grande
imprensa-empresa evitava.
Entreouvido na Vila
Vudu: no Brasil, a imprensa-empresa jamais foi,
sequer, “de centro”: sempre foi da “direita udenista mais fascista”; depois
passou a ser “tucana-uspeana à moda Sorbonne & Chicago”; ultimamente, já é
sionista, “opusdeizista” e “danuzaleãosista”, sempre
fascista.
Segregação Racial nos EUA (anos 1950's e 1960's ) |
Assim,
houve jornalistas que revelaram os horrores da segregação racial nos anos 1950s
e 1960s; correspondentes de guerra expuseram parte da cruel violência da Guerra
do Vietnã no final dos anos 1960s; algumas grandes empresas-jornais desafiaram o
governo dos EUA e publicaram a história real, vazada, daquela guerra, em 1971; o
Washington Post revelou uma parte (embora evidentemente não todos) dos
crimes políticos de Richard Nixon em 1972-74; e o New York Times liderou
a divulgação de uma parte da imunda história da CIA em meados dos anos 1970s.
Apesar
de esse trabalho com certeza ofender a Direita e muitas alas do
Establishment, todas aquelas matérias tiveram um elemento comum: todas
eram histórias verdadeiras. Nesse sentido, não eram nem “liberais”, nem
“conservadoras”, nem “centristas”. Eram jornalismo simplesmente acurado, bem
feito – e contribuíram para trazer à vida outras instituições democráticas dos
EUA, dos protestos nas ruas a pressão, pelos tribunais, contra quem chantageava
e pressionava, com lobbies, funcionários do Estado.
História suja da CIA - Central Intelligence Agency (Serviço Secreto dos EUA) |
Essa
ressurgência da democracia participativa era o que os entrincheirados no poder
mais temiam, fosse no sul segregacionista ou nos salões de painéis de carvalho
nas paredes dos bancos de Wall Street
e grandes empresas. E eles organizaram uma poderosa contra-ação, para
simultaneamente (a) impedir novas “revelações” (provavelmente mais ameaçadoras a cada dia) de crimes e erros e
vícios, e (b) para reassumir o
controle dos canais de informação que influenciam o modo como o povo
norte-americano vê o mundo.
Naquele
contexto, uma das estratégias mais efetivas de propaganda sempre foi apresentar
o jornalismo decente como “de esquerda” e desqualificar os jornalistas decentes
como “antiamericanos”. Assim, muitos norte-americanos passariam a duvidar de
qualquer informação de boa qualidade; ao mesmo tempo em que passariam a
descartar a informação acurada, acusada de ter “viés político”.
Como
jornalista empregado da Associated
Press e da revista Newsweek nos anos 1980s, conheci várias dessas
táticas de jogo duro, quando cobria o governo Reagan, e o governo Reagan tentava
manipular a percepção dos cidadãos, inflando o mais possível inúmeras “ameaças
externas” (de Manágua a Moscou) e demonizando alguns grupos nacionais (das
“rainhas do bem-estar social” aos sindicatos em geral).
Os
homens de Reagan referiam-se às suas principais metas como “chutar para bem
longe a Síndrome do Vietnã”, quer dizer: apagar, na população dos EUA, qualquer
resistência a qualquer movimento para nos arrastar, todos, outra vez, para
guerras em países longínquos, empurrados por mentiras. Assista a seguir:
A guerra nas ondas do
éter
A
chave para o sucesso sempre foi conseguir controlar a maior quantidade possível
de veículos de mídia noticiosa – fosse pela propriedade, nesse caso com empresas
cujos proprietários fossem da Direita ativa; ou com pressão sobre os executivos
dos veículos de notícias para que adotassem postura mais “patriótica”; ou por
intimidação direta contra qualquer um que não se alinhasse.
As
táticas deram certo, funcionaram como feitiço. Foram ajudadas por uma mudança na
Esquerda, que vendeu ou fechou e, no geral, desistiu, de vários dos veículos da
imprensa “underground” da era Vietnã, para concentrar-se “no local”, em questões
locais: “pensar globalmente e agir localmente”, dizia a palavra-de-ordem daquele
momento.
Essa
combinação de fatores deu à Direita e aos conservadores do Establishment
domínio completo sobre a imprensa de notícias. Como um exército que controlasse
os céus, a Direita e os conservadores passaram a poder fazer o que bem
entendessem, para detonar qualquer um que se interpusesse, fosse político,
jornalista ou cidadão. Nenhum ser humano atento mais ao fato que à versão nunca
mais estaria a salvo, na noite escura que desceu sobre o jornalismo-empresa.
O
sucesso da Direita pode ser aferido em diferentes momentos do processo: quando
os Republicanos conseguiram esconder o escândalo dos “Contra” do Irã, em 1987 e
quando o presidente George H.W. Bush disse, depois de destruir o já destroçado
exército iraquiano, em 1991: “chutamos para bem longe, de uma vez por todas, a
Síndrome do Vietnã”.
Síndrome do Vietnã - os EUA saíram corridos da guerra provocada por eles mesmos |
A
realidade da imprensa-empresa de notícias – que só fez ampliar-se durante os
anos 1990s e no início do novo século – já era, então, que a Direita podia
inventar qualquer tema de propaganda, convertê-lo em noticiário e ter certeza de
que milhões de norte-americanos engoliriam qualquer coisa. Assim, o presidente
George W. Bush conseguiu inventar mentiras para invadir o Iraque em 2003 e os
jornais, proprietários e jornalistas das empresas-imprensa não apenas nada
fizeram para estabelecer a verdade como, até, o ajudaram a mentir.
Vez
ou outra algumas vozes emergiam na Internet e em alguns veículos de baixa
circulação e audiência, para desmentir as mentiras de Bush sobre a guerra do
Iraque; mas não era difícil para a grande empresa-imprensa desqualificá-los ou
ignorá-los. Foi preciso que se acumulasssem os erros e fracassos de Bush na
Guerra do Iraque e outras crises locais e internacionais, para que, afinal,
aquela potentíssima máquina de propaganda da direita começasse a engripar.
Mas
a dinâmica geral nunca mudou. Sim, a rede MSNBC – depois de fracassar na tentativa
de posicionar-se tão à extrema direita quanto a rede Fox News – moveu-se um pouco à esquerda,
chegou quase ao centro, e conseguiu algum sucesso de audiência com
interpretações “liberais” da política doméstica (mas sem jamais desafiar
abertamente e seriamente o que o Establishment mandava dizer sobre
política externa).
Há
também alguns sites na Internet que desafiam a sabedoria convencional e
apoiam ativamente o intervencionismo dos EUA em vários pontos do mundo, mas mal
sobrevivem, do ponto de vista financeiro, e tem alcance limitado na população em
geral.
Comprar as empresas, para escrever
as notícias
Agora,
tudo leva a crer que, nos próximos anos, a Direita norte-americana consolidará
sua dominação sobre a imprensa-empresa de notícias. Em futuro próximo, algumas
das mais conhecidas e influentes redes regionais de noticiário poderão já estar
sob controle direto de ideólogos ativos da extrema direita nos EUA, como Rupert
Murdoch ou os Irmãos Koch.
David e Charles Koch |
As
Koch Industries, gigante de petróleo
e gás, de propriedade privada, que oferece todos os recursos necessários para
que Charles e David Koch financiem fartamente inúmeros think tanks
libertaristas e organizações do movimento Tea Party, começam a testar a mão em
ofertas para comprarem oito veículos regionais da Tribune Company, incluídos aí o Los
Angeles Times, o Baltimore Sun, o Orlando Sentinel, o
Hartford Courant e o Chicago Tribune, como se lê em matéria
publicada no New York Times domingo passado.
Se
comprarem os veículos do grupo Tribune, os Irmãos Koch Brothers
ter-se-ão presenteado, eles mesmos, com mais uma importante plataforma para
distribuir propaganda de extrema direita e fazer da vida política (e,
provavelmente, também privada) dos adversários políticos, um perfeito inferno.
Lembro, dos meus dias de repórter, cobrindo o Capitólio, do que todos os
jornalistas sabiam: nada assusta mais um deputado ou senador, que a oposição
obcecada do jornal regional de sua base eleitoral.
Rupert Murdoch |
Outro
que também deve apresentar-se para esse negócio, ou para comprar, pelo menos, o
Los Angeles Times, é o magnata sionista Rupert Murdoch, que já é
proprietário da rede Fox News e de
poderosos jornais diários no Reino Unido e nos EUA, dentre os quais o Wall
Street Journal.
Do
outro lado, concorrendo com esses pesos-pesados, há empresários um pouco mais
liberais, de olho no Los Angeles Times, mas não se sabe se têm condições
de competir com as gordas carteiras dos Irmãos Koch e Murdoch. O New York
Times diz que as Indústrias Koch podem ter grande vantagem no negócio,
porque comprariam, de uma vez, os oito jornais do grupo.
Alguns,
no campo da Esquerda, zombam da ideia de investir na indústria “dinossauro” do
jornalismo impresso e questionam o interesse, para a Esquerda, de contar com –
que fosse! – pelo menos alguns desses títulos de prestígio no jornalismo dos
EUA. Não há dúvidas de que, sim, muitos daqueles jornais estão em decadência, em
quase todos os casos por erros de administração, de política empresarial e pela
volatilidade dos dólares da publicidade.
Mas
ainda são vozes influentes, que falam às populações das áreas metropolitanas
interessadas em saber sobre o mundo. Os jornais também definem a pauta de
discussão das TV locais e de muitos blogueiros, sobretudo dos blogueiros
jornalistas. O Baltimore Sun, por exemplo, produziu a mais importante
peça de jornalismo sobre os crimes contra direitos humanos no governo Reagan, na
América Central; e publicou inúmeros importantes furos de bom jornalismo sobre
espionagem praticada pelo governo Bush contra cidadãos norte-americanos.
Gary Webb |
É
verdade, sim, que vários dos grandes jornais desgraçaram-se, eles mesmo, nas
últimas décadas, como o Los Angeles Times e a vergonhosa campanha que
moveu contra o jornalista assassinado Gary Webb, depois que ele trouxe à tona o escândalo de “Contras” e cocaína, do governo Reagan, no final dos anos 1990s.
Mas
páginas de Internet – mesmo as páginas, como este nosso
Consortiumnews.com que tem declarado e forte interesse em fazer
jornalismo investigativo – vivem sob a pressão da falta de recursos financeiros
e de material humano para produzir esse tipo de projetos de investigação, que
são caros, pelo menos com alguma regularidade.
Se
não se organizarem maiores investimentos, de cidadãos e empresas honestas – seja
na Velha Mídia impressa ou na Nova Mídia eletrônica, para que se produza
jornalismo de melhor qualidade – os EUA continuarão a navegar para o fundo do
poço, num mundo de ficção, interesses escusos, paranoia de Direita e fatos
falsificados. E isso é grave risco para todo o planeta.
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