25/3/2013, Joy Gordon, Foreign Policy In Focus
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Joy Gordon |
Quando
os EUA, o Reino Unido e a “coalizão de vontades” atacaram o Iraque em março de
2003, milhões protestaram em todo o mundo. Mas a guerra de “choque e pavor” foi
só o começo. A subsequente ocupação do Iraque pela Autoridade Provisória da
Coalizão comandada pelos EUA reduziu a infraestrutura a ruínas e acabou de levar
o país à bancarrota.
Não
é só questão de segurança. Embora a violência que converteu o Iraque em pesadelo
de sectarismos já esteja bem documentada em inúmeras “retrospectivas”
jornalísticas dessa guerra que já dura uma década, poucos são os jornalistas e
“especialistas” que cuidam de noticiar, por padrões bem mais objetivos, que os
EUA fizeram serviço sujíssimo, de incompetência realmente espetacular, quando
lhes coube governar o Iraque invadido e ocupado.
Não
que, antes da invasão e ocupação norte-americana, o Iraque estivesse
“florescendo”. De 1990 a 2003, o Conselho de Segurança da
ONU impusera sanções econômicas ao Iraque, as mais violentas de toda a história
da governança global. Mas, daquela vez chegava, pelo menos, com as sanções,
também um elaborado sistema de supervisão e prestação de contas que mobilizava o
Conselho de Segurança, nove agências da ONU e o próprio secretário-geral.
O
sistema tinha muitos defeitos, e os efeitos das sanções sobre o povo iraquiano
foram devastadores. Mas o principal problema foi que, quando chegaram as forças
norte-americanas de invasão e ocupação, sumiram do Iraque todas as instituições
e mecanismos de supervisão internacional.
Sob
violenta pressão de Washington, em maio de 2003 o Conselho de Segurança da ONU
reconheceu formalmente a ocupação do Iraque pela Autoridade Provisória da
Coalizão, pela Resolução n. 1.483. Essa Resolução, dentre outras coisas, dava à
Autoridade Provisória da Coalizão controle completo sobre todos os bens e
patrimônio do estado iraquiano.
O tacão dos EUA assassinando a população civil do Iraque |
Simultaneamente,
o Conselho de Segurança da ONU removeu todos os mecanismos e estruturas de
monitoramento, fiscalização e cobrança de contas que haviam sido implantados
para fiscalizar o governo iraquiano: e nunca mais a ONU fez qualquer relatório
sobre a situação humanitária no país. Também se extinguiram as comissões do
Conselho de Segurança encarregadas, até ali, de monitorar a ocupação
norte-americana.
Previam-se
algumas poucas e limitadas auditorias do que tivesse a ver com o uso do
dinheiro, mas sempre depois de gasto; mas nenhum mecanismo ou estrutura da ONU
cuidaria de supervisionar diretamente os negócios do petróleo. E nenhuma agência
de atenção humanitária haveria, encarregada de garantir que o dinheiro iraquiano
estivesse sendo consumido em benefício do povo iraniano, mais do que das
autoridades da ocupação, das grandes empresas de petróleo e em outras
finalidades menos decentes.
Preocupações
humanitárias
Em
janeiro de 2003,
a ONU preparou um plano de trabalho, no
qual antecipava o impacto de uma possível guerra no Iraque. Trabalhando ainda
sob a hipótese de que a invasão e a ocupação pelos EUA viessem a ter apenas
“médio impacto”, a ONU já previa consequências catastróficas, no plano
humanitário..
Resultado do uso de urânio empobrecido pelos EUA nos nascituros iranianos |
Dado
que a população iraquiana dependia pesadamente do sistema estatal de
distribuição de comida (uma das consequências das furiosas sanções
internacionais impostas ao país), a ONU previa que, com a derrubada do regime, a
própria segurança alimentar da população ficaria sob risco. E, dado que a
população já padecia de má nutrição, com grande número de atingidos, a
interrupção do sistema estatal de distribuição de alimentos teria consequências
rapidamente letais e punha sob risco de morte cerca de 30% das crianças
iraquianas com menos de cinco anos.
O
mesmo relatório da ONU observava também que, se as usinas de tratamento de
esgotos e água fossem atingidas nos ataques, ou se o sistema de distribuição de
energia elétrica não pudesse operar, os iraquianos perderiam completamente o
acesso a água potável – o que precipitaria o país em ondas de epidemias de
doenças causadas por contato com ou ingestão de água não tratada. E se
eletricidade, transportes e equipamentos médicos fossem comprometidos nos
ataques, o sistema de assistência médica e à saúde perderia até as condições
mínimas necessárias para fazer frente às epidemias.
Com
a invasão e ocupação norte-americana, aconteceu quase exatamente tudo o que a
ONU previra. Relatório da ONU de junho de
2003 observava que os sistemas de água e esgotos
que deveriam servir Bagdá e outros governorados no centro e no sul do país
estavam “em crise”.
Só em Bagdá, o relatório estimava que 40% da rede de
distribuição urbana de água sofrera ataques e apresentava danos, o que reduzia a
menos da metade a oferta de água potável na cidade, por efeito de vazamento e
destruição de tubulações do sistema. E, ainda pior: a ONU relatava que nenhuma
das duas usinas de tratamento de esgotos de Bagdá estava operante, o que levava
a uma descarga massiva de esgotos sem tratamento diretamente no rio Tigre.
Soldados dos EUA assassinam civis |
A
situação alimentar era semelhante. A ONU relatou que as plantações e criações de
animais estavam em colapso, dados “os saques e a insegurança generalizada, o
colapso total de ministérios e agências estatais – únicos agentes provedores de
serviços e insumos para aquele tipo de atividade econômica – e dado, também, o
fornecimento irregular ou inexistente de energia elétrica”.
Também
o sistema de assistência à saúde deteriorara-se já dramaticamente. Menos de 50%
da população do Iraque tinha acesso a atendimento médico, em parte pela
impossibilidade de as pessoas viajarem, pelos muitos riscos de qualquer
deslocamento por estrada. Além disso, a ONU estimava nesse relatório que 75% de
todas as instituições de atendimento a doentes do país haviam sido afetadas por
saques e pelos bombardeios, no caos que se seguiu ao início da guerra. Em junho
de 2003, estava em relativo funcionamento apenas 30-50% da capacidade que havia
antes da invasão e ocupação pelos EUA e da guerra. O impacto foi imediato. No
início do verão, haviam duplicado os caos de mal-nutrição aguda; havia
disenteria epidêmica, e praticamente não havia qualquer tipo de assistência
médica ou hospitalar. Em agosto, quando houve pane no sistema elétrico e falta
de luz em New York, circulou uma piada em Bagdá: “Tomara que ninguém chame os
norte-americanos para consertar a coisa por aqui!”.
A
Autoridade Provisória da Coalizão outorgou a responsabilidade pelo socorro
humanitário aos militares norte-americanos – não a agências com experiência em
graves crises humanitárias – e marginalizou todas as agências da ONU para
socorro humanitário. Ao longo dos 14 meses de governo da Autoridade Provisória
da Coalizão, a crise humanitária só se agravou. Doenças preveníveis, como
disenteria e tipo tornaram-se epidêmicas. A má nutrição aprofundou-se, com
número crescente de mortes de mães e recém-nascidos e de crianças pequenas. No
total, estima-se em
100,000 o número de
“mortes evitáveis” durante os anos de invasão e ocupação norte-americana no
Iraque, número muitíssimo superior às taxas de mortalidade que havia durante o
governo de Saddam Hussein, mesmo com o país sob fortes sanções
internacionais.
Famílias inteiras assassinadas pelo soldados dos EUA |
As
prioridades da Autoridade Provisória da Coalizão eram bem evidentes. Depois da
invasão, quando os saques e assaltos aconteciam sem qualquer controle, as
autoridades da ocupação nada fizeram para proteger as usinas de tratamento de
água e esgotos, nem os hospitais, sequer os hospitais pediátricos. Mas deram,
isso sim, integral proteção aos prédios onde funcionavam os ministérios do
petróleo; contrataram empresa norte-americana para apagar incêndios em poços de
petróleo; e garantiram ampla e reforçada proteção às instalações para extração
de petróleo.
Corrupção
Como
se não bastasse, a Autoridade Provisória da Coalizão comandada pelos EUA sempre
esteve profundamente corrompida. Grande parte do que caberia ao Iraque receber,
das vendas de petróleos e de outras fontes, foi entregue, sob contrato comercial
a empresas dos EUA. Dos contratos de mais de $5 bilhões, 74% foram passados a
empresas norte-americanas; o restante foi todo, praticamente, a empresas de
países aliados dos EUA. Apenas 2% foram passados a empresas iraquianas.
Durante
os anos de ocupação norte-americana no Iraque, quantidades imensas de dinheiro
simplesmente desapareceram. Kellogg, Brown & Root (KBR), empresa subsidiária
da Halliburton, recebeu 60% dos contratos pagos com fundos iraquianos, apesar de
repetidamente denunciados por auditores, por déficit de seriedade e competência
comprovadas. Nas últimas seis semanas da ocupação norte-americana no Iraque, os
EUA embarcaram $5 bilhões de fundos iraquianos, em dinheiro, para dentro do
Iraque, para serem gastos antes de que o novo governo de iraquianos tomasse
posse. Relatório de auditor contratado indicavam que os fundos iraquianos
repatriados eram sistematicamente partilhados ilegalmente em funcionários
da Autoridade Provisória da Coalizão:
“Uma
empresa contratada recebeu pagamento de $2 milhões, em notas de dinheiro
amarradas em pequenos pacotes, metidos num saco de papel pardo” – disse um dos
auditores em relatório
oficial apresentado à Comissão de Supervisão e Reforma do
Governo, do Senado dos EUA, em 2007: “Funcionário do governo dos EUA recebeu
$6,75 milhões em dinheiro, com ordens para gastar em uma semana, antes de o
governo iraquiano assumir o controle dos fundos do país”.
Os
funcionários dos EUA, ao que já se sabe, faziam vistas grossas para o desvio de
fundos, cuja guarda era responsabilidade deles, como força de ocupação. Numa das
operações, a Autoridade Provisória da Coalizão controlada pelos EUA transferiu
cerca de $8,8 bilhões de dinheiro iraquiano, sem qualquer documentação sobre
como foi gasto o dinheiro. Questionado sobre como o dinheiro havia sido gasto, o
almirante David
Oliver , vice-ministro da Autoridade Provisória da Coalizão
encarregado de questões financeiras, respondeu que “não tenho
ideia”
de como o dinheiro foi gasto; e acrescentou que a informação não lhe
parecia importante. “Bilhões de dólares deles?” – perguntou ao interlocutor.
– “Que diferença fariam?”
Afinal
de contas, nada disso deve nos surpreender muito – a corrupção, a indiferença às
necessidades humanas, a obsessão, única, com controlar o petróleo iraquiano.
Tudo podia ser previsto a partir do instante em que o Conselho de Segurança da
ONU, sob terrível pressão dos EUA, aprovou a Resolução n. 1.483.
No
movimento de remover sistematicamente todas as estruturas e mecanismos de
supervisão dos gastos e das ações do governo-fantoche que impuseram ao Iraque,
os EUA e seus aliados deram o passo inaugural do que seria assalto incontrolado
à riqueza do Iraque.
Os EUA e aliados autorizaram-se, eles mesmos, a
absolutamente não tomar conhecimento dos padecimentos que infligiam ao povo
iraquiano e a saqueá-lo irrestritamente.
Dez
anos depois de iniciada a guerra, o governo-desastre da Autoridade Provisória da
Coalizão e os EUA ainda insistem em não ver a descida do Iraque aos infernos da
violência mais ensandecida. A violência também é legado da invasão e ocupação
norte-americanas.
Quem são os terroristas? Tenham coragem e me respondam, por favor, quem são os terroristas?
ResponderExcluirVocê pode escolher... Depende do que você entende por terrorismo...
ExcluirAbraço
Castor
Maravilha de entendimento. E saber que nosso (?) Brasil participa da farsa no Haiti.. Abraço
ResponderExcluirE os EUA dizem que os "outros" é que são terroristas...
ExcluirCastor