14/4/2013, Pepe Escobar,
Russia Today
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Pepe Escobar |
A
construção está quase completada: um gasoduto de gás natural que liga Irã e
Paquistão, projeto que faz antever mudança geopolítica gigantesca. As potências
regionais unem-se nesse mercado chave de energia, de olhos na China e de costas
para o ocidente.
Desde
o início dos anos 2000s, analistas e diplomatas em toda a Ásia sonham com uma
futura Grade Asiática de Segurança Energética.
Disso
se trata – dentre outros desenvolvimentos – da conclusão do trecho final do
gasoduto de 7,5 bilhões de dólares, 1.700 km de extensão, para transporte
de gás natural entre Irã-Paquistão, o gasoduto IP, que começa no campo iraniano
gigante de South Pars, no Golfo Pérsico, e deve estar plenamente operante no
final de 2014.
Iranianos trabalham em uma seção
do oleoduto ligando o Irã - Paquistão (IP) depois que o projeto foi lançado
durante uma cerimônia na cidade fronteiriça iraniana de Chah Bahar em 11 de
março de 2013.
|
Ninguém
perde dinheiro apostando na reação de Washington: se Islamabad insistir nesse
gasoduto IP, estará “violando as sanções da ONU contra o programa nuclear do
Irã”. Mas nada disso tem qualquer coisa a ver com a ONU: só tem a ver com
sanções inventadas pelo Congresso e pelo Departamento do Tesouro dos EUA.
Sanções?
Que sanções? Islamabad precisa desesperadamente de energia. A China precisa
desesperadamente de energia. E a Índia será furiosamente tentada a seguir a
mesma via, sobretudo quando o gasoduto IP alcançar Lahore, a apenas
100 km
da fronteira da Índia. A Índia, já que se falou dela, está importando petróleo
iraniano e não está sendo castigada por isso.
Todos
a bordo do trem ganha-ganha
Quando
o presidente Mahmoud Ahmadinejad e o presidente paquistanês Asif Zardari
encontraram-se no porto iraniano de Chabahar, no início de março, já
transcorrera muito tempo desde a primeira vez em que se falou de gasoduto
Irã-Paquistão, em 1994 – então chamado Irã-Paquistão-Índia (IPI), também
conhecido como “oleogasoduto da paz”. As pressões subsequentes, pelos dois
governos Bush, foram tão violentas, que a Índia abandonou a ideia em 2009.
Ahmadinejad e Zaradari em início de mar/2013. Abertura da construção do Olegasoduto IP. |
O
gasoduto Irã-Paquistão é o que os chineses chamam de “negócio ganha-ganha”. O
trecho iraniano já está concluído. Sabedora dos imensos problemas de fluxo de
caixa que Islamabad enfrenta, Teerã está emprestando $500 milhões; e Islamabad
entrará com $1 bilhão, para concluir o trecho paquistanês. Interessa anotar que
Teerã só concordou com emprestar o dinheiro, depois que Islamabad comprometeu-se
a não desistir (como fez a Índia), por mais que Washington a pressione.
O
gasoduto Irã-Paquistão, como cordão umbilical chave (de aço), zomba da divisão
artificial, estimulada pelos EUA, entre xiitas e sunitas. Teerã precisa desse
alívio, e de maior influência no sul da Ásia. Ahmadinejad até riu: “com gás
natural ninguém faz bomba atômica”.
Zardari,
por sua vez, melhorou as próprias chances para as eleições paquistanesas, dia 11
de maio. Com o gasoduto Irã-Paquistão bombeando 750 milhões de metros cúbicos de
gás natural para o coração da economia paquistanesa, terão fim os cortes de
energia e as fábricas não fecharão. O Paquistão não tem petróleo. Pode ter alto
potencial para energia solar ou eólica, mas não há, nem capitais de
investimento, nem know-how para desenvolvê-lo.
Dar
as costas a Washington é fórmula garantida de sucesso político-eleitoral no
Paquistão, sobretudo depois da invasão territorial, em 2011, para assassinar Bin
Laden; e, isso, sem falar dos ataques ininterruptos que Obama e a CIA mantêm,
dia e noite, sem descanso, com os seus drones, contra as áreas tribais.
Mais
importante que isso, Islamabad sabe que terá de manter íntima cooperação com
Teerã, para assegurar o controle do Afeganistão, depois de 2014. Se o Paquistão
não se aproximar de Teerã, a Índia lá chegará, e haverá uma aliança Índia-Irã na
cabine de pilotagem.
Um
tal Plano B sugerido por Washington não passou de algumas vagas promessas de
construir barragens hidrelétricas, que se encaixaria num oleogasodutostão
norte-americano, miragem
que o deserto inspira aos norte-americanos, sempre
só no papel, mas desde a era Bill Clinton.
Assentamento de tubos do Oleogasodutostão IP |
O Ministério de Relações
Exteriores em Islamabad argumentou que cabia a Washington,
no mínimo, tentar manifestar alguma compreensão. Quanto à vivaz imprensa
paquistanesa, está em campo. [1]
E
o grande vencedor é... a China
O gasoduto Irã-Paquistão já é protagonista estrela da(s) Nova(s) Rota(s) da
Seda – das que realmente contam, não as que só existem na imaginação de Hillary
Clinton. E há também a estratégica, ultra sumarenta questão
Gwadar.
Islamabad
decidiu entregar à China não só o controle operacional do porto de Gwadar no Mar
da Arábia, no ultra sensível sudoeste do Baloquistão; crucialmente importante,
Islamabad e Pequim também assinaram acordo de $4 bilhões para construir uma
refinaria de petróleo, que refinará 400 mil barris por dia e será a maior
refinaria do Paquistão.
Porto de Gwadar, operado pela China. Localização estratégica perto de fronteira Irã-Paquistão |
Gwadar,
porto de águas profundas, foi construído pela China, mas até recentemente era
administrado por Cingapura.
O
plano de longo prazo dos chineses é uma maravilha. O próximo passo, depois da
refinaria de petróleo, será implantar um oleoduto que ligue o porto de Gwadar a
Xinjiang, paralelo à rodovia Karakoram, o que configurará Gwadar como nó chave
de distribuição para todo o Oleogasodutostão, levando gás e petróleo do Golfo
Pérsico até o oeste da China. Assim estará afinal superado o “dilema de Ormuz”,
que Pequim ainda enfrenta.
Gwadar,
porto estrategicamente localizado na confluência entre o sudoeste e o sul da
Ásia, não distante da Ásia central, emergirá afinal como centro de distribuição
de gás, petróleo e petroquímicos – com o Paquistão como corredor de energia
crucial, unindo Irã e China. Isso tudo, é claro, desde que a CIA não ponha fogo
no Baloquistão.
Vista geral do Porto da Gwadar |
O
inevitável resultado de curto prazo de tudo isso é que a obsessão
norte-americana por sanções e mais sanções está prestes a ser despachada para o
fundo do Mar da Arábia, não muito longe de onde descansa o cadáver de Osama bin
Laden. E, com o gasoduto Irã-Paquistão, IP, convertido em IPC – com a adição da
China – talvez a Índia também acorde, fareje o cheiro de gás e tente ressuscitar
a ideia inicial de um gasoduto IPI, Irã-Paquistão-Índia.
O
ângulo sírio do Oleogasodutostão
Esse
claro, visível, grande sucesso dos iranianos no sul da Ásia contrasta com seus
padecimentos no sudoeste da Ásia.
Os
campos de gás de South Pars – o maior do mundo – são partilhados entre o Irã e o
Qatar. Teerã e Doha desenvolveram relação extremamente complexa, em que se
misturam cooperação e duríssima concorrência.
A
razão crucial (nunca declarada) pela qual o Qatar trabalha tão obcecadamente
pela “mudança de regime” na Síria, é matar ainda no berço o oleoduto de $10
bilhões que ligará Irã-Iraque-Síria, cuja construção foi acordada em julho de
2011. O mesmo se aplica à Turquia – porque esse oleoduto IIS passará longe de
Ancara... que sempre se apresenta como encruzilhada chave na distribuição de
energia entre ocidente e oriente.
É
claro que o oleoduto Irã-Iraque-Síria é tão amaldiçoado em Washington quanto o
outro, Irã-Paquistão. A diferença é que, no caso do oleoduto IIS, Washington
pode contar com os aliados Qatar e Turquia para que sabotem toda a iniciativa.
Isso
implica sabotar não só o Irã, mas também a estratégia dos “Quatro Mares” que o
presidente sírio Bashar al-Assad anunciou em 2009, pela qual Damasco se
converteria em um portal de acesso para o Oleogasodutostão, conectada ao Mar
Cáspio, ao Mar Negro, ao Golfo Pérsico e ao Mediterrâneo Leste.
É
estratégia que mostra uma Síria em íntima conexão com os fluxos de energia
iraniana – não com a energia qatari. O oleoduto Irã-Iraque-Síria, ISS, é
conhecido na região como o “oleoduto da amizade”. Como nunca deixaria de fazer,
a imprensa-empresa ocidental refere-se a ele como oleoduto “islâmico” (e os
oleodutos sauditas seriam o quê?! Católicos?!). O que torna tudo ainda mais
ridículo é que o gás que viaja por esse oleoduto corre para a Síria e dali para
o Líbano – e do Líbano escorre para mercados europeus próximos, todos carentes,
famintos, famélicos, de energia.
Erimtan Can |
Os jogos no Oleogasodutostão
complicam-se ainda mais se se soma aí o ultra complexo caso de amor “energético”
entre o Curdistão iraquiano e a Turquia, bem
detalhados por Erimtan Can –
e as recentes descobertas de gás no Mediterrâneo Leste, em águas territoriais de
Israel, Palestina, Chipre, Egito, Líbano e Síria; vários deles, talvez todos
esses atores, podem transformar-se, de importadores, em exportadores de energia.
Israel
terá a clara opção de enviar seu gás por gasoduto para a Turquia e dali
exportá-lo para a Europa. É o que explica o tal telefonema de “desculpas”
(conversa fiada) entre Erdogan, primeiro-ministro da Turquia, e o israelense
Netanyahu, que Obama agenciou.
As
fronteiras terrestres e marítimas entre Israel e Líbano continuam pendentes de
uma nebulosa “Linha Azul” da ONU, criada nos idos de 2000. Damasco – como Teerã
– apóiam Beirute, mais uma vez contra o desejo de Washington. E Damasco também
apóia a estratégia de Bagdá de diversificar os meios de distribuição, mais uma
vez na tentativa de escapar do Estreito de Ormuz. Daí a importância do oleoduto
Irã-Iraque-Síria.
Não
surpreende que a Síria seja a linha vermelha demarcada por Teerã. Agora, todo o
Oleogasodutostão está à espera: quer saber até que ponto o Qatar está disposto a
acompanhar a ensandecida obsessão de Washington.
Nota
de rodapé
[1]
“LAHORE:
Dois dias depois de EUA lançaram ameaça velada contra o Paquistão e os planos do
país para importar gás natural do Irã, o presidente Asif Ali Zardari disse, no
sábado, que o projeto multibilionário será completado, custe o que custar”.
“Ninguém
tem poder para fazer parar esse projeto” – disse o presidente Zardari a um grupo
de editores da imprensa escrita e âncoras de redes de televisão, em Bilawal
House, Lahore, no sábado. “Como estado soberano, o Paquistão pode firmar
qualquer acordo, com qualquer país, com vistas a equacionar nosso problema de
energia” – Zardari acrescentou (3/3/2013, The Express Tribune, Islamabad
em: “Iran
gas pipeline project: Unnerved by US threats, Pakistan stands
firm”)
________
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Registre seus comentários com seu nome ou apelido. Não utilize o anonimato. Não serão permitidos comentários com "links" ou que contenham o símbolo @.