19/12/2013, [*] Gary Brecher - The War Nerd
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Sauditas financiam o terrorismo no Oriente Médio, principalmente na Síria |
Muita gente anda dizendo que os sauditas estão-se
expondo ao risco de grandes calamidades, que desabariam sobre eles por apoiarem
uma jihad contra o presidente Assad da Síria.
Segundo o [blog] Daily
Beast: [1]
A Arábia
Saudita está jogando perigoso jogo duplo – fingindo que não vê as levas de
jihadistas que partem de Riad para a Síria, ao mesmo tempo em que repete, para
o ocidente, o seu compromisso na luta contra o terror.
É a famosa teoria da “volta do chicote sobre o lombo
do chicoteador” [orig. “blowback” theory]: a própria Arábia Saudita será
o alvo, quando os sauditas que estão hoje na Síria voltarem para casa. Teria
havido grave “volta do chicote”, nos dizem tantos, depois que uma geração de
sauditas, o mais famoso dos quais, aquele cara magro e alto chamado Osama,
partiu para sua jihad no Afeganistão; e pode acontecer outra vez.
Fácil ver que essa historia carrega implícita uma
espécie de “justiça poética”: os sauditas colherão o que semearam, e o terror
que infligem a outros recairá sobre eles. Eis uma dica para quem lê histórias
de guerra: sempre que alguém falar dessa “justiça poética”, desconfie. Não há
justiça poética; só muita, sempre, prosaica injustiça. Nem tudo que vai, volta.
O Karma não é “injusto”: é mito. O único chicote que volta sobre os
sauditas tem a ver com aqueles feijões gigantes (favas)
que eles comem sem parar.
A teoria da “volta do chicote” repousa sobre o
pressuposto de que os sauditas não passam de idiotas ricos, brincando com
coisas poderosas demais para que saibam controlá-las. É fácil vê-los como tolos
que, por pura sorte, encontraram a maior reserva de petróleo do mundo, ali sob
a superfície do deserto deles. Sauditas tolos, é? Que nem sabe(ria)m com o que
estão mexendo? Bom. É o que se lê na matéria de Daily Beast:
O governo saudita
nada está fazendo para deter os [jihadistas
sauditas] que partem do aeroporto de Riad – mais um sinal, dizem diplomatas
ocidentais, de que o Reino jogou ao lixo qualquer cautela, no que tenha a ver com
a guerra civil síria.
Terroristas sauditas combatendo na Síria |
Examinemos outra ideia, uma outra teoria: de que os
sauditas sabem exatamente o que estão fazendo. Que são gênios, no que tenha a
ver com exportar o problema, ao mesmo tempo em que mantêm a calma em casa. Que
outra facção no Oriente Médio mantém-se o poder há tanto tempo quanto a Casa de
Saud? Estão no comando do “núcleo duro” da Península Arábica há um século, e
durante esse século enterraram vários grupos que aspiravam a país e estado
melhores, a começar pelos Al Rashidi, mais cosmopolitas, tolerantes e
adaptáveis que os Sauds. Os Sauds logo os esmagaram.
Depois, vieram os comunistas. Já quase ninguém lembra
do Oriente Médio, há 50 anos, cheio de marxistas árabes cultos, formados em
universidades, que varreriam de lá as velhas monarquias retrógradas. Hoje,
marxistas, na Síria, são só uma pequena milícia [guevarista] que combate ao
lado de Assad, contra uma tsunami de jihadismo sunita.
O partido Ba’ath, que ia secularizar e modernizar o
mundo árabe, viu sua ideologia evanescer completamente, e já nem Assad combate
pelo socialismo pan-árabe.
O Oriente Médio foi sauditizado, enquanto nós
olhávamos e ríamos dos ridículos sauditas que não compreendiam o progresso. Não
surpreende que eles não se incomodem por parecerem idiotas. Se olhássemos a
sério para eles, aí sim, os veríamos como são: aterradores.
E, de todas as suas muitas habilidades, a habilidade
que os sauditas desenvolveram em mais alto grau é a habilidade para dividir,
partir, rachar. Não as divisões, cortes, rachaduras bonitinhas à moda dos
doidos por tecnologias, mas a coisa a sério, a própria coisa, a feia, a
horrenda.
Não estão “fingindo que não vêem” os jovens sauditas
que embarcam em levas para fazer sua jihad: os sauditas os estimulam a
fazê-la. É estratégia brilhante, que mata dois perigosos pássaros, só com uma
passagem de avião. Ao exportar os seus jovens irados mais violentos, os
sauditas livram-se de criadores potenciais de problemas, ao mesmo tempo em que
minam por dentro e causam muita dor aos povos para onde voam aqueles homens
jovens.
Os sauditas embarcaram dinheiro, sermões e
voluntários para o Afeganistão, a Bósnia e o Cáucaso no norte da Rússia,
precisamente como agora fazem na Síria. É um pacote: para receber o dinheiro,
vocês têm de aceitar o wahhabismo e os voluntários. E funciona. O pacote
saudita é duro de engolir, no começo, como foi para os afegãos ultrajados ao
ouvir que seriam “maus muçulmanos”, como lhes diziam os voluntários sauditas.
Mas, com o tempo, o Islã afegão foi wahhabizado. O
mesmo aconteceu, muito mais dramaticamente, na Chechênia, onde voluntários
sauditas mostraram que não estavam brincando em matéria de guerra e religião,
mudança bem recebida, depois dos imãs quase-soviéticos cooptados, que os
chechenos conheceram antes. Sauditas como Ibn al-Khattab, Abu al-Walid e
Muhannad (codinomes) ofereciam os únicos empregos reais que havia para homens
jovens na Chechênia, e, no mesmo processo, faziam o serviço completo de
envolver os chechenos naquela guerra sem fim, que matou coisa como 160
mil pessoas, ao mesmo tempo em
que forçava as mulheres chechenas para o estilo de isolamento saudita, e que
pôs a Chechênia sob controle de Ramzan Kadyrov, comandante de esquadrão da
morte, já de segunda geração, que se encarregou da matança. É resultado típico
da ajuda saudita: desastre para os “ajudados”, os chechenos; e também para os
inimigos deles, os russos; mas grande vitória para os sauditas. O mesmo está
acontecendo no resto do norte do Cáucaso russo, especialmente no Daguestão,
onde vivem os pais dos bombardeadores da Maratona de Boston.
Ramzam Kadyrov de chefe de "Esquadrão da Morte" a presidente da Chechênia |
E um dos aspectos dessa vitória é a eliminação de
homens jovens potencialmente criadores de problemas, que criariam problemas
dentro da Arábia Saudita. A Jihad é como a princesa daqueles contos de
fada: atrai em direção a ela todos os jovens príncipes mais audazes, que ali se
põem a enfrentar testes e mais testes de seleção, na disputa por um prêmio que
ninguém lhes pode garantir, o que, no processo, os mantém bem longe de casa,
durante os anos mais ativos (e agressivos) da juventude. E, melhor ainda, do
ponto de vista da Casa de Saud: muitos deles morrem. Os três maiores jihadistas
sauditas na Chechênia, Khattab, Walid e Muhannad, todos tiveram morte violenta.
A morte de Khattab, de fato, foi tecida com o mesmo material de que se tecem
histórias de fada: os russos afinal o mataram com uma carta
envenenada, impregnada com uma toxina absorvida pela pele. Umberto Eco
roubou o método e fez dele seu O Nome da Rosa, pedante romance medieval “de
suspense”.
Toda a agressividade desses jovens machos alfa
sauditas despeja-se longe de casa – método que funcionou muito bem para os
europeus durante o século 19. Exportaram a ameaça, a testosterona; e alguém,
longe de casa, que desse conta delas. Hoje, a Síria é, para a Arábia Saudita,
uma espécie de quarto de despejo para homens jovens incontroláveis, que
contribuem para destruir um dos últimos regimes seculares que ainda sobrevive
no mundo árabe.
Se se examina o modo como operam em Riad, converter a
Síria em algo como a Europa Central durante a Guerra dos 30 Anos é política
externa de manual acadêmico: despache a guerra para o território de qualquer
outro país. Grã-Bretanha e EUA têm longa prática nesse tipo de exportação de
guerras, mas operam de modo muito mais silencioso; os sauditas têm usado
dinheiro e religião para incendiar a casa de seus rivais regionais. A Síria é a
vítima mais recente, e já arde de modo bem satisfatório, do ponto de vista dos
sunitas. Não só atrai e distrai os jovens sauditas mais agressivos e engajados;
também contribui a favor do principal objetivo estratégico dos sauditas:
destruir o Irã. A Síria de Assad é o único estado árabe em aliança com o Irã;
quebrar essa aliança já seria, em si, imensa vitória – do modo como Riad vê as
coisas.
Os sauditas, como os israelenses, vivem perfeitamente
confortáveis com o caos jihadista. O que eles não admitem é estado
inimigo coeso.
Voltemos algumas décadas, e os sauditas enfrentavam
invasão armada por um desses estados coesos: o Iraque de Saddam Hussein. Khafji,
cidade saudita próxima à fronteira do Iraque, foi capturada por tropas
de Saddam, em 1991, num ataque direto,
com tanques.
Cidade de Khafji na Arábia Saudita |
Naquele momento, as coisas estavam realmente feias
para aqueles pobres, desamparados velhos sauditas, e não só porque seus soldados
não lutavam: é que eles estavam do lado errado da história. O secularismo! Essa
a grande onda do futuro! E os infelizes velhos wahhabistas não haviam
entendido!
Como sempre, o mundo não levou a sério a ameaça
saudita. 22 anos depois que as tropas sauditas fugiram de Khafji, tudo está
virando saudita. Ninguém, no Oriente Médio admite ser secularista. Todos
aqueles baathistas inteligentes estão mortos, ou em fuga. Saddam jaz em sua
tumba. Assad luta pela vida numa faixa montanhosa de território, junto ao
litoral. São dois dos três regimes que preocupavam os sauditas. E podem
estar-se acabando, sem guerra contra a Arábia Saudita.
O Iraque e a Síria foram, e continuam a ser, vitórias
estratégicas de baixo custo – para a Arábia Saudita. De altíssimo custo para os
povos que vivem no Iraque e na Síria, mas isso, de fato, não incomoda os
rapazes em Riad.
Ah, mas o chicote não tardará a voltar sobre as
costas deles, diz Daily
Beast:
Um funcionário da
inteligência dos EUA que não quis identificar-se, disse que os sauditas correm o
risco de repetir a história. “Houve revide, contra os sauditas, dos jihadistas
que lutaram no Afeganistão nos anos 1980s, e pode acontecer outra vez”.
Nonsense. Só bobagens. Os sauditas que combateram no
Afeganistão não causaram problema algum para os seus concidadãos sauditas.
Causaram muitos problemas em muito outros locais, e para estrangeiros dentro da
Arábia Saudita – mas não para os seus concidadãos sauditas. Para ver o quanto o
“revide” foi pequeno, de fato insignificante, contra sauditas, depois da missão
no Afeganistão, é preciso examinar atentamente as datas.
Qualquer “volta do chicote” contra sauditas, por
conta de terem exportado jihadistas para o Afeganistão, teria de ter acontecido
em algum momento entre a invasão russa (24/12/1979) e a década posterior à
retirada dos russos, completada dia 15/2/1989. Fala-se, pois, de “volta do
chicote”, de 1980 a
2000. E simplesmente não aconteceu coisa alguma, nada – aos sauditas.
Afeganistão: invasão soviética em 1979 |
Muitos relembram o massacre, quando a Grande Mesquita foi atacada, mas isso
aconteceu dia 20/11/1979, um mês antes de o Exército Soviético invadir o
Afeganistão.
Há um aspecto, no ataque à Grande Mesquita, que foi
exemplar, das técnicas sauditas: conseguiram convencer quase o mundo inteiro,
de que xiitas iranianos estavam por trás daquele ataque, embora tenha sido obra
de Juhayman al-Otaybi, descendente de um miliciano wahhabista, que ascendeu com
o próprio Ibn Saud.
Entre a invasão russa e a virada do milênio, não
houve, de fato, nenhum ataque terrorista contra sauditas, dentro do Reino da
Arábia Saudita. Em toda a década dos 1980s, só encontrei um incidente – e foi
triste tentativa de explodir
alguns tanques de petróleo em Jubail, empreendida por xiitas sauditas
em 1988. Quatro xiitas foram decapitados,
e um tanque de petróleo queimou durante uns poucos dias. Nenhum saudita sunita
foi ferido. Nada que permita ver aí alguma “volta do chicote sobre o lombo do
chicoteador saudita”. O grande ataque seguinte
dentro da Arábia Saudita só aconteceria em 1995 e, outra vez, só feriu estrangeiros,
nenhum saudita: cinco cidadãos dos EUA, dois indianos, mortos em Riad. Nenhum
saudita foi ferido.
Khobar Towers - vista em planta (legendada) e marcando o local da explosão em frente ao edifício 131 e bem distante da área ocupada por sauditas |
Um ano depois, dia 25/6/1996, alguém detonou um
caminhão carregado de explosivos nas Khobar
Towers, complexo habitacional cheio de soldados dos EUA. 19
norte-americanos foram mortos, e centenas de outros, feridos. Foi um grande
ataque, mas nenhum dos Mortos em Ação era saudita. E o que torna o evento ainda
mais exemplar das técnicas sauditas de desorientação e dissimulação, é que os
EUA imediatamente decidiram que não podia ser ação de seus amigos e aliados
sauditas, que nunca teriam feito tal coisa. Só podia ser coisa dos iranianos do
mal e de seus fantoches xiitas, um grupo que (supostamente) se chamaria “Hezbollah
Saudita” – gente que nunca, nem antes, nem até hoje, fez qualquer coisa
sequer comparável à operação gigante que resultou no ataque em Khobar.
Todo mundo “que contava” queria meter-se no Irã: os
sauditas, Israel e o Departamento de Defesa. Apesar de todas as provas
apontarem cada dia mais claramente na direção dos velhos bons sauditas sunitas
do tipo Al-Qaeda, toda a Washington oficial continuou agarrada à teoria dos
persas-do-mal. Quem queira conhecer a confusão que se seguiu, basta ler matéria
de 2003 publicada no New
York Times, que diz,
primeiro, que a Al-Qaeda é suspeita nos ataques de Khobar; e, logo depois,
publica uma correção com pedido de desculpas: a culpa é toda, mesmo, dos
iranianos.
Os sauditas devem ter ficado excitadíssimos por a história
da culpa dos persas ter “colado”. Só há um país no mundo que trabalha mais duro
que os sauditas, na demonização do Irã: Israel, inimigo público número 1 dos
sauditas e amante secreto. Israel e os sauditas; romance, daqueles livrinhos de
banca, em cuja capa a mocinha aparece desgrenhada, com as vestes derrubadas
pelos ombros, aos pés de um sedutor-violentador gostosão, mas as vestes de
ambos são à prova de fogo e de bala, e tapas e beijos são p’rá valer, como
diria a propaganda na capa do livrinho:
Um usava um kippah, o outro, um thobe; e quanto
mais falavam do ódio de um pelo outro, mais quente ardia o amor!
Willam Perry |
Só em 2007 foi que William Perry, secretário de
Defesa dos EUA à época do ataque, disse
publicamente que quem explodira as Torres Khobar fora a
Al-Qaeda, não o Irã.
Assim sendo, podemos somar o número de sauditas
sunitas mortos na tal “volta do chicote” sobre o lombo deles, depois da jihad
afegã. Não sou bom em matemática, mas acho que posso oferecer resposta
bastante correta: zero, nenhum.
Para resumir: não houve volta alguma, de chicote
algum, sobre os sauditas. Que o chicote cantou no lombo de outros, manobrado
pelos sauditas e por grupos mantidos pelos sauditas, santo deus, isso sim, e
muito. Mas nenhum chicote voltou jamais para bater em lombos sauditas, dentro
da Arábia Saudita, contra sauditas (sauditas verdadeiros, o que significa:
sunitas), não, não. Nunca.
William Sampson |
Algumas das histórias que os sauditas contaram para
encobrir seus ataques contra estrangeiros foram tão ridículas, que custa crer
que algum governo ocidental as tenha levado a sério. Mas, sim, levaram, porque
os sauditas são fregueses e dão boas gorjetas e o freguês tem sempre razão,
mesmo quando conta deslavadas mentiras, como as que meteram na
prisão William Sampson – especialista em química, que trabalhava
em Riad – onde foi torturado, espancado, violentado. Sampson foi preso acusado
de ter participado de uma série de explosões de carros-bombas que mataram
ocidentais em Riad em 2000.
O ministro saudita do Interior, wahhabista linha
dura, disse que os ocidentais estavam matando-se uns os outros numa guerra de
quadrilhas que disputavam o mercado do tráfico de cerveja. A base dessa
acusação foi que Sampson e amigos costumavam reunir-se em clubes privados para
tomar umas cervejinhas, jogar dardos, sabe-se lá o que fazem os britânicos
expatriados para passar o tempo até o fim de seus contratos de trabalho.
E puseram-se a torturar Sampson e seis outros
estrangeiros, até que confessassem. Enquanto isso, continuavam as explosões de
carros-bombas, as quais – se se tratasse de um clássico de Agatha Christie –
bastariam para provar que os prisioneiros não eram os responsáveis, para pô-los
em liberdade, com pedidos de desculpas. Nada disso. Sampson passou dois anos e
meio numa cela solitária e morreu de amargura em 2012, amaldiçoando o governo
canadense, que repetiu, até a morte de Sampson, que os sauditas diziam a
verdade e que Sampson mentia. Os sauditas jamais admitiram responsabilidade
pelas bombas.
Mas em 2003 havia tanta violência jihadista ativa
dentro do Reino, que já era óbvio que não fora alguma briga entre traficantes
de cerveja que matara aqueles estrangeiros. Mas, sim! Os sauditas convenceram
do contrário vários governos ocidentais. Qualquer álibi sempre explica tudo, se
você é a Arábia Saudita.
Mapa completo dos primeiros dias da invasão do Iraque em 2003 (clique na imagem para aumentar) |
O crescimento repentino de violência ideológica
saudita-contra-saudita em 2003 nada tem a ver com veteranos do Afeganistão. Tem
a ver, isso sim, muito claramente, com outra coisa, que começou em 2003.
Levante a mão se alguém lembra um grande evento ocorrido em 2003 [os EUA invadiram o Iraque dia 20/3/2003
(NTs)]. E como, com o tal grande evento, a violência
saudita-contra-saudita teve um pico em 2005-2006, depois desapareceu. E
quase toda a violência naqueles três anos de aumento consistiu de muito adiado
castigo a terroristas sunitas, pelas autoridades, que afinal agiram, porque
vizinhos sunitas muito excitados, enfurecidos por causa da invasão dos EUA ao
Iraque, estavam, pela primeira vez, atacando outros sunitas. Foi preciso uma
gigantesca, descomunal provocação, logo ali, na casa ao lado, para abalar o
tabu que proíbe o terror de sauditas contra sauditas.
Não é difícil compreender por que os sauditas são
sempre tão rápidos em infligir violência a outros, e relutam tanto quando se
cogita de atacar outros sauditas. Dei aulas de inglês a um capitão de Polícia
saudita, e ele me dava algumas pistas de seus métodos de segurança. Um dia,
chegou atrasado para a aula e explicou que o dia fora difícil: “Tivemos um caso
de assassinato”. Perguntei se o assassino fora preso. “Não. Ele fugiu. Mas
vamos prendê-lo logo”. Perguntei o que lhe dava tanta certeza. “Já prendemos o
irmão dele. Ele não deixará o irmão apodrecer na prisão”.
É sistema muito simples: o clã todo é tomado como
refém. Em casos extremos, como o que esse capitão de Polícia contava, significa
que um dos parentes do acusado é realmente preso. Nem sempre implica coisa
assim tão dramática, só o medo de que, por sua causa, as possibilidades de
casamento de seus irmãos e primos fiquem gravemente prejudicadas.
Na vez seguinte em que encontrei meu amigo policial,
ele já estava muito mais feliz. O assassino, ele contou, já se apresentara,
voluntariamente, para salvar o irmão. Todos, na sociedade saudita – todos,
exceto os empregados estrangeiros descartáveis e os xiitas – são interligados
em vastas redes tribais e clânicas. Essas redes controlam a vida, do nascimento
à morte. O que você faz reflete-se sobre o grupo e todo o grupo pode ser
castigado por causa das ações de um dos membros. Mas isso, claro, só se você
agredir a uma pessoa “de verdade”, quer dizer, um cidadão saudita sunita.
Se você nasce em mundo assim, você naturalmente
quererá produzir sua própria violência, tipo beber e encontrar prostitutas, do
outro lado da fronteira. Por isso, as autoridades sauditas têm todas as razões
para deixar que aqueles jovens irados e perigosos voem para longe de Riad, e
vão fazer sua jihad na Síria.
[*] Gary Brecher é animador do blog The War Nerd
e autor do coluna quinzenal do mesmo nome, onde discute guerras atuais e outros
conflitos militares, publicado em The eXile e agora NSFWCorp. Uma coleção de suas colunas
foi publicado pelo Soft Skull Press,
em Junho de 2008 (ISBN
0979663687).
Analisa estratégias e táticas
militares bem como contextos de conflitos atuais e passados. Brecher não tem
experiência militar ou treinamento formal em guerra; creditou-se como
autodidata por uma obsessão pessoal pela guerra, e dedicou sua vida e esse
estudo. Também descreve a si mesmo como um gordo preguiçoso que passa cerca de
oito horas por dia na internet em busca de notícias da guerra.
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