terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Sauditas, Síria e a tal “volta do chicote”

19/12/2013, [*] Gary Brecher - The War Nerd  
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu


Sauditas financiam o terrorismo no Oriente Médio, principalmente na Síria
Muita gente anda dizendo que os sauditas estão-se expondo ao risco de grandes calamidades, que desabariam sobre eles por apoiarem uma jihad contra o presidente Assad da Síria.

Segundo o [blog] Daily Beast: [1]

A Arábia Saudita está jogando perigoso jogo duplo – fingindo que não vê as levas de jihadistas que partem de Riad para a Síria, ao mesmo tempo em que repete, para o ocidente, o seu compromisso na luta contra o terror.

É a famosa teoria da “volta do chicote sobre o lombo do chicoteador” [orig. “blowback” theory]: a própria Arábia Saudita será o alvo, quando os sauditas que estão hoje na Síria voltarem para casa. Teria havido grave “volta do chicote”, nos dizem tantos, depois que uma geração de sauditas, o mais famoso dos quais, aquele cara magro e alto chamado Osama, partiu para sua jihad no Afeganistão; e pode acontecer outra vez.

Fácil ver que essa historia carrega implícita uma espécie de “justiça poética”: os sauditas colherão o que semearam, e o terror que infligem a outros recairá sobre eles. Eis uma dica para quem lê histórias de guerra: sempre que alguém falar dessa “justiça poética”, desconfie. Não há justiça poética; só muita, sempre, prosaica injustiça. Nem tudo que vai, volta. O Karma não é “injusto”: é mito. O único chicote que volta sobre os sauditas tem a ver com aqueles feijões gigantes (favas) que eles comem sem parar.

A teoria da “volta do chicote” repousa sobre o pressuposto de que os sauditas não passam de idiotas ricos, brincando com coisas poderosas demais para que saibam controlá-las. É fácil vê-los como tolos que, por pura sorte, encontraram a maior reserva de petróleo do mundo, ali sob a superfície do deserto deles. Sauditas tolos, é? Que nem sabe(ria)m com o que estão mexendo? Bom. É o que se lê na matéria de Daily Beast:

O governo saudita nada está fazendo para deter os [jihadistas sauditas] que partem do aeroporto de Riad – mais um sinal, dizem diplomatas ocidentais, de que o Reino jogou ao lixo qualquer cautela, no que tenha a ver com a guerra civil síria.

Terroristas sauditas combatendo na Síria
Examinemos outra ideia, uma outra teoria: de que os sauditas sabem exatamente o que estão fazendo. Que são gênios, no que tenha a ver com exportar o problema, ao mesmo tempo em que mantêm a calma em casa. Que outra facção no Oriente Médio mantém-se o poder há tanto tempo quanto a Casa de Saud? Estão no comando do “núcleo duro” da Península Arábica há um século, e durante esse século enterraram vários grupos que aspiravam a país e estado melhores, a começar pelos Al Rashidi, mais cosmopolitas, tolerantes e adaptáveis que os Sauds. Os Sauds logo os esmagaram.

Depois, vieram os comunistas. Já quase ninguém lembra do Oriente Médio, há 50 anos, cheio de marxistas árabes cultos, formados em universidades, que varreriam de lá as velhas monarquias retrógradas. Hoje, marxistas, na Síria, são só uma pequena milícia [guevarista] que combate ao lado de Assad, contra uma tsunami de jihadismo sunita.

O partido Ba’ath, que ia secularizar e modernizar o mundo árabe, viu sua ideologia evanescer completamente, e já nem Assad combate pelo socialismo pan-árabe.

O Oriente Médio foi sauditizado, enquanto nós olhávamos e ríamos dos ridículos sauditas que não compreendiam o progresso. Não surpreende que eles não se incomodem por parecerem idiotas. Se olhássemos a sério para eles, aí sim, os veríamos como são: aterradores.

E, de todas as suas muitas habilidades, a habilidade que os sauditas desenvolveram em mais alto grau é a habilidade para dividir, partir, rachar. Não as divisões, cortes, rachaduras bonitinhas à moda dos doidos por tecnologias, mas a coisa a sério, a própria coisa, a feia, a horrenda. 

Não estão “fingindo que não vêem” os jovens sauditas que embarcam em levas para fazer sua jihad: os sauditas os estimulam a fazê-la. É estratégia brilhante, que mata dois perigosos pássaros, só com uma passagem de avião. Ao exportar os seus jovens irados mais violentos, os sauditas livram-se de criadores potenciais de problemas, ao mesmo tempo em que minam por dentro e causam muita dor aos povos para onde voam aqueles homens jovens.

Os sauditas embarcaram dinheiro, sermões e voluntários para o Afeganistão, a Bósnia e o Cáucaso no norte da Rússia, precisamente como agora fazem na Síria. É um pacote: para receber o dinheiro, vocês têm de aceitar o wahhabismo e os voluntários. E funciona. O pacote saudita é duro de engolir, no começo, como foi para os afegãos ultrajados ao ouvir que seriam “maus muçulmanos”, como lhes diziam os voluntários sauditas.

Mas, com o tempo, o Islã afegão foi wahhabizado. O mesmo aconteceu, muito mais dramaticamente, na Chechênia, onde voluntários sauditas mostraram que não estavam brincando em matéria de guerra e religião, mudança bem recebida, depois dos imãs quase-soviéticos cooptados, que os chechenos conheceram antes. Sauditas como Ibn al-Khattab, Abu al-Walid e Muhannad (codinomes) ofereciam os únicos empregos reais que havia para homens jovens na Chechênia, e, no mesmo processo, faziam o serviço completo de envolver os chechenos naquela guerra sem fim, que matou coisa como 160 mil pessoas, ao mesmo tempo em que forçava as mulheres chechenas para o estilo de isolamento saudita, e que pôs a Chechênia sob controle de Ramzan Kadyrov, comandante de esquadrão da morte, já de segunda geração, que se encarregou da matança. É resultado típico da ajuda saudita: desastre para os “ajudados”, os chechenos; e também para os inimigos deles, os russos; mas grande vitória para os sauditas. O mesmo está acontecendo no resto do norte do Cáucaso russo, especialmente no Daguestão, onde vivem os pais dos bombardeadores da Maratona de Boston. 

Ramzam Kadyrov de chefe de "Esquadrão da Morte" a presidente da Chechênia
E um dos aspectos dessa vitória é a eliminação de homens jovens potencialmente criadores de problemas, que criariam problemas dentro da Arábia Saudita. A Jihad é como a princesa daqueles contos de fada: atrai em direção a ela todos os jovens príncipes mais audazes, que ali se põem a enfrentar testes e mais testes de seleção, na disputa por um prêmio que ninguém lhes pode garantir, o que, no processo, os mantém bem longe de casa, durante os anos mais ativos (e agressivos) da juventude. E, melhor ainda, do ponto de vista da Casa de Saud: muitos deles morrem. Os três maiores jihadistas sauditas na Chechênia, Khattab, Walid e Muhannad, todos tiveram morte violenta. A morte de Khattab, de fato, foi tecida com o mesmo material de que se tecem histórias de fada: os russos afinal o mataram com uma carta envenenada, impregnada com uma toxina absorvida pela pele. Umberto Eco roubou o método e fez dele seu O Nome da Rosa, pedante romance medieval “de suspense”.

Toda a agressividade desses jovens machos alfa sauditas despeja-se longe de casa – método que funcionou muito bem para os europeus durante o século 19. Exportaram a ameaça, a testosterona; e alguém, longe de casa, que desse conta delas. Hoje, a Síria é, para a Arábia Saudita, uma espécie de quarto de despejo para homens jovens incontroláveis, que contribuem para destruir um dos últimos regimes seculares que ainda sobrevive no mundo árabe.

Se se examina o modo como operam em Riad, converter a Síria em algo como a Europa Central durante a Guerra dos 30 Anos é política externa de manual acadêmico: despache a guerra para o território de qualquer outro país. Grã-Bretanha e EUA têm longa prática nesse tipo de exportação de guerras, mas operam de modo muito mais silencioso; os sauditas têm usado dinheiro e religião para incendiar a casa de seus rivais regionais. A Síria é a vítima mais recente, e já arde de modo bem satisfatório, do ponto de vista dos sunitas. Não só atrai e distrai os jovens sauditas mais agressivos e engajados; também contribui a favor do principal objetivo estratégico dos sauditas: destruir o Irã. A Síria de Assad é o único estado árabe em aliança com o Irã; quebrar essa aliança já seria, em si, imensa vitória – do modo como Riad vê as coisas. 

Os sauditas, como os israelenses, vivem perfeitamente confortáveis com o caos jihadista. O que eles não admitem é estado inimigo coeso.

Voltemos algumas décadas, e os sauditas enfrentavam invasão armada por um desses estados coesos: o Iraque de Saddam Hussein. Khafji, cidade saudita próxima à fronteira do Iraque, foi capturada por tropas de Saddam, em 1991, num ataque direto, com tanques.

Cidade de Khafji na Arábia Saudita
Naquele momento, as coisas estavam realmente feias para aqueles pobres, desamparados velhos sauditas, e não só porque seus soldados não lutavam: é que eles estavam do lado errado da história. O secularismo! Essa a grande onda do futuro! E os infelizes velhos wahhabistas não haviam entendido! 

Como sempre, o mundo não levou a sério a ameaça saudita. 22 anos depois que as tropas sauditas fugiram de Khafji, tudo está virando saudita. Ninguém, no Oriente Médio admite ser secularista. Todos aqueles baathistas inteligentes estão mortos, ou em fuga. Saddam jaz em sua tumba. Assad luta pela vida numa faixa montanhosa de território, junto ao litoral. São dois dos três regimes que preocupavam os sauditas. E podem estar-se acabando, sem guerra contra a Arábia Saudita.

O Iraque e a Síria foram, e continuam a ser, vitórias estratégicas de baixo custo – para a Arábia Saudita. De altíssimo custo para os povos que vivem no Iraque e na Síria, mas isso, de fato, não incomoda os rapazes em Riad.

Ah, mas o chicote não tardará a voltar sobre as costas deles, diz Daily Beast:

Um funcionário da inteligência dos EUA que não quis identificar-se, disse que os sauditas correm o risco de repetir a história. “Houve revide, contra os sauditas, dos jihadistas que lutaram no Afeganistão nos anos 1980s, e pode acontecer outra vez”.

Nonsense. Só bobagens. Os sauditas que combateram no Afeganistão não causaram problema algum para os seus concidadãos sauditas. Causaram muitos problemas em muito outros locais, e para estrangeiros dentro da Arábia Saudita – mas não para os seus concidadãos sauditas. Para ver o quanto o “revide” foi pequeno, de fato insignificante, contra sauditas, depois da missão no Afeganistão, é preciso examinar atentamente as datas. 

Qualquer “volta do chicote” contra sauditas, por conta de terem exportado jihadistas para o Afeganistão, teria de ter acontecido em algum momento entre a invasão russa (24/12/1979) e a década posterior à retirada dos russos, completada dia 15/2/1989. Fala-se, pois, de “volta do chicote”, de 1980 a 2000. E simplesmente não aconteceu coisa alguma, nada – aos sauditas.

Afeganistão: invasão soviética em 1979
Muitos relembram o massacre, quando a Grande Mesquita foi atacada, mas isso aconteceu dia 20/11/1979, um mês antes de o Exército Soviético invadir o Afeganistão. 


Há um aspecto, no ataque à Grande Mesquita, que foi exemplar, das técnicas sauditas: conseguiram convencer quase o mundo inteiro, de que xiitas iranianos estavam por trás daquele ataque, embora tenha sido obra de Juhayman al-Otaybi, descendente de um miliciano wahhabista, que ascendeu com o próprio Ibn Saud.

Entre a invasão russa e a virada do milênio, não houve, de fato, nenhum ataque terrorista contra sauditas, dentro do Reino da Arábia Saudita. Em toda a década dos 1980s, só encontrei um incidente – e foi triste tentativa de explodir alguns tanques de petróleo em Jubail, empreendida por xiitas sauditas em 1988. Quatro xiitas foram decapitados, e um tanque de petróleo queimou durante uns poucos dias. Nenhum saudita sunita foi ferido. Nada que permita ver aí alguma “volta do chicote sobre o lombo do chicoteador saudita”. O grande ataque seguinte dentro da Arábia Saudita só aconteceria em 1995 e, outra vez, só feriu estrangeiros, nenhum saudita: cinco cidadãos dos EUA, dois indianos, mortos em Riad. Nenhum saudita foi ferido.

Khobar Towers - vista em planta (legendada) e marcando o local da explosão em frente ao edifício 131 e bem distante da área ocupada por sauditas
Um ano depois, dia 25/6/1996, alguém detonou um caminhão carregado de explosivos nas Khobar Towers, complexo habitacional cheio de soldados dos EUA. 19 norte-americanos foram mortos, e centenas de outros, feridos. Foi um grande ataque, mas nenhum dos Mortos em Ação era saudita. E o que torna o evento ainda mais exemplar das técnicas sauditas de desorientação e dissimulação, é que os EUA imediatamente decidiram que não podia ser ação de seus amigos e aliados sauditas, que nunca teriam feito tal coisa. Só podia ser coisa dos iranianos do mal e de seus fantoches xiitas, um grupo que (supostamente) se chamaria Hezbollah Saudita – gente que nunca, nem antes, nem até hoje, fez qualquer coisa sequer comparável à operação gigante que resultou no ataque em Khobar.

Todo mundo “que contava” queria meter-se no Irã: os sauditas, Israel e o Departamento de Defesa. Apesar de todas as provas apontarem cada dia mais claramente na direção dos velhos bons sauditas sunitas do tipo Al-Qaeda, toda a Washington oficial continuou agarrada à teoria dos persas-do-mal. Quem queira conhecer a confusão que se seguiu, basta ler matéria de 2003 publicada no New York Times, que diz, primeiro, que a Al-Qaeda é suspeita nos ataques de Khobar; e, logo depois, publica uma correção com pedido de desculpas: a culpa é toda, mesmo, dos iranianos.

Os sauditas devem ter ficado excitadíssimos por a história da culpa dos persas ter “colado”. Só há um país no mundo que trabalha mais duro que os sauditas, na demonização do Irã: Israel, inimigo público número 1 dos sauditas e amante secreto. Israel e os sauditas; romance, daqueles livrinhos de banca, em cuja capa a mocinha aparece desgrenhada, com as vestes derrubadas pelos ombros, aos pés de um sedutor-violentador gostosão, mas as vestes de ambos são à prova de fogo e de bala, e tapas e beijos são p’rá valer, como diria a propaganda na capa do livrinho:

Um usava um kippah, o outro, um thobe; e quanto mais falavam do ódio de um pelo outro, mais quente ardia o amor!

Willam Perry
Só em 2007 foi que William Perry, secretário de Defesa dos EUA à época do ataque, disse publicamente que quem explodira as Torres Khobar fora a Al-Qaeda, não o Irã.

Assim sendo, podemos somar o número de sauditas sunitas mortos na tal “volta do chicote” sobre o lombo deles, depois da jihad afegã. Não sou bom em matemática, mas acho que posso oferecer resposta bastante correta: zero, nenhum. 

Para resumir: não houve volta alguma, de chicote algum, sobre os sauditas. Que o chicote cantou no lombo de outros, manobrado pelos sauditas e por grupos mantidos pelos sauditas, santo deus, isso sim, e muito. Mas nenhum chicote voltou jamais para bater em lombos sauditas, dentro da Arábia Saudita, contra sauditas (sauditas verdadeiros, o que significa: sunitas), não, não. Nunca. 

William Sampson
Algumas das histórias que os sauditas contaram para encobrir seus ataques contra estrangeiros foram tão ridículas, que custa crer que algum governo ocidental as tenha levado a sério. Mas, sim, levaram, porque os sauditas são fregueses e dão boas gorjetas e o freguês tem sempre razão, mesmo quando conta deslavadas mentiras, como as que meteram na prisão William Sampson – especialista em química, que trabalhava em Riad – onde foi torturado, espancado, violentado. Sampson foi preso acusado de ter participado de uma série de explosões de carros-bombas que mataram ocidentais em Riad em 2000.

O ministro saudita do Interior, wahhabista linha dura, disse que os ocidentais estavam matando-se uns os outros numa guerra de quadrilhas que disputavam o mercado do tráfico de cerveja. A base dessa acusação foi que Sampson e amigos costumavam reunir-se em clubes privados para tomar umas cervejinhas, jogar dardos, sabe-se lá o que fazem os britânicos expatriados para passar o tempo até o fim de seus contratos de trabalho.

E puseram-se a torturar Sampson e seis outros estrangeiros, até que confessassem. Enquanto isso, continuavam as explosões de carros-bombas, as quais – se se tratasse de um clássico de Agatha Christie – bastariam para provar que os prisioneiros não eram os responsáveis, para pô-los em liberdade, com pedidos de desculpas. Nada disso. Sampson passou dois anos e meio numa cela solitária e morreu de amargura em 2012, amaldiçoando o governo canadense, que repetiu, até a morte de Sampson, que os sauditas diziam a verdade e que Sampson mentia. Os sauditas jamais admitiram responsabilidade pelas bombas. 

Mas em 2003 havia tanta violência jihadista ativa dentro do Reino, que já era óbvio que não fora alguma briga entre traficantes de cerveja que matara aqueles estrangeiros. Mas, sim! Os sauditas convenceram do contrário vários governos ocidentais. Qualquer álibi sempre explica tudo, se você é a Arábia Saudita.

Mapa completo dos primeiros dias da invasão do Iraque em 2003
(clique na imagem para aumentar)
O crescimento repentino de violência ideológica saudita-contra-saudita em 2003 nada tem a ver com veteranos do Afeganistão. Tem a ver, isso sim, muito claramente, com outra coisa, que começou em 2003. Levante a mão se alguém lembra um grande evento ocorrido em 2003 [os EUA invadiram o Iraque dia 20/3/2003 (NTs)]. E como, com o tal grande evento, a violência saudita-contra-saudita teve um pico em 2005-2006, depois desapareceu. E quase toda a violência naqueles três anos de aumento consistiu de muito adiado castigo a terroristas sunitas, pelas autoridades, que afinal agiram, porque vizinhos sunitas muito excitados, enfurecidos por causa da invasão dos EUA ao Iraque, estavam, pela primeira vez, atacando outros sunitas. Foi preciso uma gigantesca, descomunal provocação, logo ali, na casa ao lado, para abalar o tabu que proíbe o terror de sauditas contra sauditas.

Não é difícil compreender por que os sauditas são sempre tão rápidos em infligir violência a outros, e relutam tanto quando se cogita de atacar outros sauditas. Dei aulas de inglês a um capitão de Polícia saudita, e ele me dava algumas pistas de seus métodos de segurança. Um dia, chegou atrasado para a aula e explicou que o dia fora difícil: “Tivemos um caso de assassinato”. Perguntei se o assassino fora preso. “Não. Ele fugiu. Mas vamos prendê-lo logo”. Perguntei o que lhe dava tanta certeza. “Já prendemos o irmão dele. Ele não deixará o irmão apodrecer na prisão”.

É sistema muito simples: o clã todo é tomado como refém. Em casos extremos, como o que esse capitão de Polícia contava, significa que um dos parentes do acusado é realmente preso. Nem sempre implica coisa assim tão dramática, só o medo de que, por sua causa, as possibilidades de casamento de seus irmãos e primos fiquem gravemente prejudicadas.

Na vez seguinte em que encontrei meu amigo policial, ele já estava muito mais feliz. O assassino, ele contou, já se apresentara, voluntariamente, para salvar o irmão. Todos, na sociedade saudita – todos, exceto os empregados estrangeiros descartáveis e os xiitas – são interligados em vastas redes tribais e clânicas. Essas redes controlam a vida, do nascimento à morte. O que você faz reflete-se sobre o grupo e todo o grupo pode ser castigado por causa das ações de um dos membros. Mas isso, claro, só se você agredir a uma pessoa “de verdade”, quer dizer, um cidadão saudita sunita. 

Se você nasce em mundo assim, você naturalmente quererá produzir sua própria violência, tipo beber e encontrar prostitutas, do outro lado da fronteira. Por isso, as autoridades sauditas têm todas as razões para deixar que aqueles jovens irados e perigosos voem para longe de Riad, e vão fazer sua jihad na Síria.



[*] Gary Brecher é animador do blog The War Nerd e autor do coluna quinzenal do mesmo nome, onde discute guerras atuais e outros conflitos militares, publicado em The eXile e agora NSFWCorp. Uma coleção de suas colunas foi publicado pelo Soft Skull Press, em Junho de 2008 (ISBN 0979663687).
Analisa estratégias e táticas militares bem como contextos de conflitos atuais e passados. Brecher não tem experiência militar ou treinamento formal em guerra; creditou-se como autodidata por uma obsessão pessoal pela guerra, e dedicou sua vida e esse estudo. Também descreve a si mesmo como um gordo preguiçoso que passa cerca de oito horas por dia na internet em busca de notícias da guerra.





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