28/11/2013, [*] Chris Nineham, Counterfire, Stop the War Coalition (UK)
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
A marcha belicista da OTAN |
Políticos
britânicos estão celebrando o anúncio de que a conferência da OTAN de 2014
acontecerá em South Wales. Sem nenhum
pudor ou ironia, dizem que a conferência estimulará o turismo e os empregos,
além da chance de divulgar o país.
Antes das
platitudes e das celebrações, deveriam considerar exatamente que tipo de
organização será hospedada no “resort” e clube de golfe de Celtic Manor, perto de Newport,
em setembro de 2014.
Nesse
momento, a OTAN tenta lidar com uma crise de dupla identidade, porque seu
princípio básico sempre foi assegurar que os EUA continuassem a controlar a
política externa europeia, para mais facilmente projetar o poder mortífero dos
EUA na região.
A OTAN foi
criada em 1949, no início da Guerra Fria. À primeira vista, foi um pacto de
mútua defesa que uniu os EUA e a Europa Ocidental, contra a ameaça de uma
invasão soviética. A realidade sempre foi bem diferente.
Em primeiro lugar, foi parte de uma
estratégia mais ampla para cercar, intimidar e “conter” a URSS, para levá-la à
ruína. A corrida nuclear que a OTAN ajudou a montar e operar impôs tal pressão
contra o estado soviético, que acelerou o colapso, no início dos anos 1990s. [1]
Segundo, unir militarmente os países
ocidentais sob controle dos EUA, assegurou o domínio dos EUA sobre a Europa.
Amarrou os europeus no apoio a uma política externa pós-2ª Guerra Mundial que
se apresentava como pró-democracia e anticolonialista, mas, de fato, era uma
política letalmente agressiva.
Até o ano
2000, os EUA bombardearam pelo menos 27 países, assassinaram ou tentaram
assassinar governantes do Terceiro Mundo e tentaram derrubar 40 governos.
Esses
esforços incluíram guerras abertas na Coreia de 1950-3, no Vietnã e depois no
Camboja de meados dos anos 1960s até 1973 e uma das campanhas mais prolongadas
de bombardeio aéreo sustentado de toda a história do mundo, pela própria OTAN,
contra a Sérvia, em 1999.
Massacre de Bolonha, um dos atentados da Operação Gladio |
Terceiro, a OTAN coordenou operações secretas
de forças especiais por toda a Europa para subverter a esquerda e preparar
ações contra qualquer possível governo de esquerda que aparecesse. A “Operação Gladio”
na Itália, a mais afamada dessas redes comandadas pela OTAN, foi exposta em
1990. Essa operação
Gladio parece ter tido papel importante na destruição da esquerda
italiana nos anos 1970s e 80s, mas depois se soube que operações semelhantes
foram também montadas na Bélgica, Dinamarca, França, Alemanha, Grécia, Itália,
Luxemburgo, Países Baixos, Noruega, Portugal, Espanha e Turquia.
A
destruição dos satélites soviéticos e, na sequência, da própria União Soviética
em 1989 foi momento agridoce para a inflada burocracia da OTAN: por um lado,
marcou seu triunfo sobre o principal inimigo; por outro lado gerou problemas
existenciais. A OTAN ficou em perigo de tornar-se vítima da própria propaganda.
Durante décadas, o “Bloco Comunista” havia sido pintado como a maior ameaça à
paz e ao mundo livre. Sem ele, surgia a ameaça de já não ser necessária
qualquer liderança militar norte-americana na Europa, nem a gigantesca produção
de armas e exércitos que a OTAN estimulara na Europa nas décadas que se
seguiram à guerra.
David Rothkopf |
O fato de a
OTAN ter-se mantido – de fato, até cresceu – no mundo pós-Guerra Fria provou
que jamais se tratara exclusivamente de “conter” a URSS. David Rothkopf,
um dos arquitetos de uma nova política para a OTAN no governo do presidente
Clinton, explicou a verdadeira dinâmica por trás do intervencionismo
norte-americano pós-guerra:
A Pax
Americana veio com um preço implícito a ser pago pelas nações que
aceitaram o guarda-chuva de segurança dos EUA. Se um país dependia dos EUA para
proteger sua segurança, tinha de aceitar os EUA nas questões do comércio em geral. [2]
A rápida
expansão da OTAN para a Europa Oriental depois do colapso da União Soviética
confirmou que a OTAN era elemento chave do projeto imperial dos EUA. Em parte,
foi concebida para garantir que os estados soviéticos olhassem para o oeste, à
procura de ajuda, de mercados e de investimentos. Mas foi meio também para
bloquear preventivamente qualquer possível aliança entre as potências da Europa
Ocidental e a Rússia, que se debatiam no vendaval do “livre mercado”. A
ampliação da OTAN para a Polônia, a República Tcheca e a Hungria deu aos EUA o
papel de leão-de-chácara entre Rússia e Alemanha. Como se lê num documento de
planejamento do Departamento de Defesa de 1992, “nosso primeiro objetivo e
impedir a emergência de um novo rival”.
Em termos
mais amplos, a OTAN foi a principal plataforma nos planos dos EUA para
reorganizar a economia mundial – para abrir o mundo inteiro para as empresas
norte-americanas e para atá-las, o mais possível, politicamente. O slogan da OTAN era “fora da área, fora
dos negócios”.
Na ausência
da ameaça comunista, os EUA tiveram de arrastar os europeus para guerras de
agressão, para aumentar o poder de fogo dos europeus e manter a liderança da
Aliança Ocidental. Não é surpresa, pois, que a OTAN tenha feito suas primeiras
guerras nos Bálcãs nos anos 1990s, primeiro contra os sérvios na Bósnia, depois
na campanha ainda mais mortífera contra os sérvios na guerra do Kosovo de 1999.
Nesse momento, inauguraram-se também novos discursos: as guerras ocidentais
passaram a ser apresentadas como “intervenções humanitárias”.
Atentado do World Trade Center, 11 de setembro de 2001 |
O 11/9
inaugurou um período de unilateralismo norte-americano. Em parte, os ataques às
torres gêmeas e ao Pentágono davam aos falcões de Washington a chance de irem à
guerra sozinhos. Em parte também, várias potências da OTAN sentiam-se mal ante
um ataque ao Iraque. Mas logo se achou nova utilidade para a OTAN, quando a
pequena coalizão “de vontades” começou a dar-se muito mal no Iraque. Em 2006, a OTAN assumiu o
controle conjunto das operações na desastrada ocupação do Afeganistão, e assim
assumiu o papel central na mais longa aventura colonial do planeta, desde a
grande onda de descolonização que começara no final da 2ª Guerra Mundial.
Serviu
também como guarda-chuva-comando para a Operação “Protetor Unificado” – a
campanha de bombardeamento da Líbia, em 2011. A ideia “unificante” era falsa, e a
campanha logo se viu minada por ações de França, Alemanha, Grã-Bretanha e EUA,
todos tentando maximizar suas “taxas” de bombardeamento, aspirando a – como
supunham que conseguiriam – aumentar a capacidade de influir na Líbia
pós-Gaddafi. Essa disputa feroz levou à morte de dezenas de milhares de líbios e
à total destruição do estado líbio.
As derrotas
ocidentais no Iraque e no Afeganistão, combinadas ao humilhante fracasso de
Obama, Cameron e Hollande, que não conseguiram consumar uma nova intervenção
ocidental na Síria criaram novas e mais graves dúvidas sobre o papel da OTAN, o
que só faz aumentar a incerteza nos estertores da Guerra Fria.
Robert Kaplan |
Especialistas
norte-americanos reclamam que os gastos militares europeus são hoje 20% do
orçamento da OTAN; e eram 40% em 1980. Muitos estão indignados com o crescimento
do antimilitarismo na Europa. Robert Kaplan reclama que:
(...) os europeus tendem a ver suas forças armadas
como funcionários públicos metidos em uniformes ridículos. A ideia de que os
militares existam para defender suas liberdades democráticas soa como piada aos
ouvidos europeus.
São dúvidas
que os beligerantes intelectuais de Washington muito se dedicam a dissipar,
porque os EUA ainda precisam da OTAN. O próprio Kaplan insiste que “a OTAN é a hegemonia norte-americana no
varejo”. A OTAN ajuda a manter a coerência na Europa, sob controle dos EUA.
Diminui o risco de a Alemanha “pivotear-se” rumo a uma aliança com a Rússia; e
fornece um quadro organizacional para o projeto de encurralar a riqueza mineral
recentemente descoberta no continente africano. Mais importante que isso, os
EUA emergiram da euforia do momento unipolar tomados de terrível ressaca.
Acordaram, dia seguinte, numa nova ordem mundial de competição intensa.
Uma Rússia
reenergizada cuida de reafirmar sua influência na Ásia Central, na Europa
Oriental e no Oriente Médio. Mas, muito pior que isso: a China ameaça
ultrapassar economicamente os EUA em poucas décadas e está construindo a
própria influência política em todo o planeta. Nesse novo ambiente apavorante,
a OTAN será instrumento essencial para promover o poder dos EUA. Logo se
ouvirão, cada vez mais veementes, exigências de que a Europa aumente o gasto
para compra de armas, para lidar com a África e o Oriente Médio – enquanto os
EUA “pivoteiam-se” rumo ao leste. O ataque à Líbia e a loucura de Cameron e
Hollande no esforço para fazer guerra à Síria sugerem que várias capitais
ocidentais logo verão tudo isso não como ônus, mas como oportunidade para
reviver gloriosas tradições colonialistas.
O pior
cenário possível é que a OTAN seja usada para arrastar países europeus para
guerras contra as novas forças que emergem para confrontar os EUA.
O principal
objetivo estratégico de nosso grupo “Stop the War Coalition” [lit. “Parar
a Coalizão de Guerra”, com sede na Grã-Bretanha] é quebrar o vínculo entre a
política externa britânica e o “Projeto para o Novo Século Americano”. Para
tanto, é crucialmente importante quebrar, antes, o vínculo entre a Grã-Bretanha
e a OTAN.
Notas dos tradutores
[1] Sobre esse sempre
dito “colapso”, ver, imperdível: 16/10/2013, redecastorphoto em: “O
longo (20 anos!) pas de deux de Rússia e EUA está chegando ao fim?”,
The Saker (traduzido).
[2] Apud GOWAN, Peter, The Global Gamble:
Washington’s Faustian Bid for World Dominance; 1999, New York: Verso.
______________________
[*] Chris Nineham é um dos fundadores e um dos Diretores Nacionais da Stop the War Coalition no Reino
Unido. Foi um dos principais organizadores do protesto anti-guerra 15
Fevereiro 2003 contra a invasão ao Iraque. Foi um dos principais membros Globalise Resistence, a rede
anti-globalização, que mobilizou milhares de protestos em Gênova e em outros lugares;
desempenhou um papel importante nos Fóruns Sociais Europeus e Mundiais. Foi
membro do Partido Socialista
dos Trabalhadores até que renunciar em 2010.
Escreve extensamente sobre o
movimento antiguerra e do movimento antineoliberal, bem como sobre os meios de
comunicação, modernismo e teoria cultural.
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