18/12/2013, [*] Lars Schall, Asia Times Online.
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu e João Aroldo
Essa entrevista foi transcrita e editada exclusivamente para Asia Times
Online. Um áudio da entrevista foi publicado na página alemã de finanças “Die
Metallwoche” [1].
Thomas Drake, nascido em 1957,
é o ex-executivo sênior da Agência de Segurança Nacional dos EUA (ASN-EUA), que
denunciou um programa de fraude e ocultação da fraude, de vários bilhões de
dólares, e o programa secreto de vigilância ilegal generalizada daquela
Agência. Em abril de 2010, o Departamento de Justiça dos EUA processou-o e
condenou-o nos termos da Lei Antiespionagem [orig. Espionage Act] do
tempo da 1ª Guerra Mundial, acusado de dez crimes, inclusive “manipulação indevida
de documentos”.
Por fim, o caso construído contra ele foi arquivado. Acabou
sendo julgado por transgressão menor, por uso não autorizado de um computador.
Drake é criptolinguista e ex-supervisor de equipe em missão
de guerra eletrônica. De 1991
a 1998, trabalhou para a empresa Booz Allen Hamilton como consultor de gestão, estratégia e
tecnologia e engenheiro de qualidade de software. Em 2011, Drake recebeu
o Prêmio Ridenhour (para os que contam a verdade ao povo) e o Prêmio Sam Adams.
É graduado em várias áreas e tem dois diplomas de pós-graduação.
Thomas Drake |
Lars Schall
(LS): Thomas, minha
primeira pergunta é por que você (a) foi trabalhar no Diretorado de Inteligência
de Sinais da Agência de Segurança Nacional dos EUA no final do verão de 2001; e
(b) por que saiu da ASN-EUA em 2008?
Thomas
Drake (TD): Entre essas duas datas, muita coisa aconteceu. Comecei a
trabalhar na ASN em 2001, como resultado de um programa de recrutamento externo
conduzido por Michael Hayden (que dirigiu a ASN-EUA durante os anos 2000).
Tinha havido muita pressão, mesmo no final dos anos 90s. A ASN-EUA estava-se
tornando cada vez mais irrelevante e encontrando grandes dificuldades para
enfrentar os desafios da era tecnológica, e muitos – especialmente no
Congresso, começaram a pressionar a ASN-EUA para contratar gente ‘de fora’ –
gente que não crescera dentro da ASN-EUA, não fora promovida ali, gente que
viesse de outras partes do governo, mas, sobretudo, de for a do governo, mesmo
que tivessem experiência de governo, mas gente que não estivesse embedded [ap.
integrada, incorporada], como se diz, na cultura. Assim fomos contratados,
cerca de uma dúzia, depois de passarmos por processo formal de seleção para o
emprego, a partir de um anúncio publicado em vários dos principais jornais em
todo o país.
Pessoalmente,
respondi a um anúncio que vi no Washington Post, em fevereiro de 2001.
Embora não fosse o cargo para o qual me candidatara, fiquei numa posição em que
reportava à 3ª pessoa na hierarquia da Agência: o diretor do Diretorado da
Inteligência de Sinais, que chamamos “Diretor SIGINT”. Comecei a trabalhar no
final de agosto no processamento. E meu primeiro dia de trabalho oficial no
novo emprego foi 11/9/2001. Recebi o cargo de “Senior Change Leader” e
era responsável por comunicações e novas lideranças. Era 2001.
Renunciei
em abril de 2008, porque havia sido acusado criminalmente e estava sendo
investigado – era a acusação contra mim – por ter causado grave dano à
segurança dos EUA. Naquele momento, eu enfrentava os desdobramentos de uma
acusação que fora feita contra mim alguns anos antes. Essa é a versão curta.
Entre uma data e a outra, muitas coisas aconteceram.
LS: Depois que você deixou a ASN-EUA em 2008, o
que aconteceu com você? Quero dizer: dentre outras coisas, você é um dos quatro
indivíduos, na história dos EUA, que foi especificamente acusado por prática de
“manipulação errônea premeditada” de “informação de defesa nacional”.
TD: Bem… A
acusação foi essa, nos termos do Código Criminal dos EUA, título 18 793e da Lei
Antiespionagem de 1917, que foi aprovada para lidar com espiões não com
“vazadores alertadores” [orig. whistleblowers]. A primeira pessoa
acusada por atividades que não eram de espião, pelos mesmos termos da Lei
Antiespionagem e esse específico parágrafo foi Daniel Ellsberg dos Papéis do
Pentágono; e eu fui o segundo, acusado pela mesma via. Há alguns outros
casos anteriores, de pessoas acusadas nos termos do mesmo título 18. São
raríssimos os casos, na história dos EUA, de cidadão norte-americano ser acusado
como espião, por “manipulação errônea premeditada de informação da defesa
nacional”. É muito incomum e é uma das piores coisas de que um norte-americano
pode ser acusado. Põem você na mesma categoria dos espiões que espionaram
contra os EUA, sobretudo no pós 2ª Guerra Mundial – os Alder James, Alger
Hisses e Robert Hanssens do mundo. Põem você num canto muito escuro, pintam
sobre você a faixa e o rótulo de espião, o que significa que você fez algo
realmente terrível; no mínimo, você é traidor; no máximo, é inimigo do Estado.
Estávamos
em 2008 e no outono anterior eu já havia sido perseguido pelo FBI, como parte
de investigação muito mais ampla sobre a segurança nacional, uma espécie de
‘esquadrão da morte’ das investigações criminais; e me incluíram entre seus
alvos. De fato, há estava posto como alvo desde 2006, e sabia que o pesadelo
estava só começando. Minha carreira estava acabada para sempre, e eu teria de
enfrentar qualquer coisa que o governo conseguisse no intuito de me castigar
severamente… o que significa a real possibilidade de… me acusarem de qualquer
coisa. Foi precisamente o que aconteceu poucos anos depois. Para encurtar a
história, acabei acusado de dez crimes e pena de 35 anos de cadeia. Cinco, eram
acusações de espionagem; uma por obstrução da justiça; e quatro outras
acusações por ter feito declarações falsas a agentes do FBI.
LS: Qual a atitude da comunidade de inteligência
nacional nos EUA, em relação aos “vazadores-alertadores” em geral?
TD: Digamos
que eles não engolem bem essa atividade de “vazar-alertar” informação,
sobretudo na arena da segurança nacional. Mesmo em termos culturais, a
atividade de “tocar o alarme” tende a ter conotação negativa. Você é visto como
um rato, dedo-duro ou fofoqueiro, você faz a instituição aparecer em papel
ridículo, ainda que você toque o apito para alertar contra malfeitos do
governo, atos ilegais ou, mesmo, ameaças contra a segurança ou a saúde pública
– que é a definição essencial do “tocador de alarme”, do “vazador-alertador” –
e tudo seja feito com vistas ao interesse público.
Na arena da
segurança nacional, você existe para guardar segredos. Há uma infinidade de
declarações de confidencialidade que assinei e que me obrigavam a proteger informação
legitimamente sigilosa. “Vazar” informação, nesse espaço de segurança é visto
como violação, culturalmente, é violar as normas do grupo, que pregam que você
nada diga, ainda que tome conhecimento de crimes. Por isso, sobretudo no
governo Obama, a atitude dos vazadores-alertadores é extremamente arriscada,
cercada de perigos. Tocar o apito de alarme na arena de segurança nacional dos
EUA é visto como ato criminoso que exige punição severa. E virou norma que, se
você vazar informação no espaço da segurança nacional dos EUA, é praticamente
certo que você será ameaçado e pode ser acusado de crime de espionagem.
Por raro
que fosse, então, na história dos EUA, o meu caso, de ter sido acusado nos
termos da Lei Antiespionagem, foi só o começo. Depois, aconteceram vários
outros casos e virou rotina – acho que hoje já são oito; oito caos em que o
governo fez acusação formal, com os termos da Lei Antiespionagem sempre no
centro da definição dos crimes e da acusação.
Edward Snowden |
LS: Hoje, temos o caso de Edward Snowden, também
“vazador-alertador”. Você teve algum envolvimento nisso?
TD: “Envolvimento”,
no sentido de conhecer Edward Snowden antes, não. Como você sabe, ele apareceu
com destaque agora, há cerca de seis meses, começando no início de junho desse
ano, com revelações dramáticas sobre a ASN-EUA e o aparelho de vigilância, além
de outras partes do aparelho do estado, também com os britânicos etc.. Meu
envolvimento com Edward Snowden resulta do contato que tive com ele, quando lhe
entreguei, com Colleen Rowley, o Prêmio “Integridade e Inteligência”. Fomos à
Rússia (Colleen Rowley, Jesselyn Radack e Ray McGovern, fundadores de Sam Adams Associates) no início de
outubro, para entregar aquele prêmio a Edward Snowden. Meu envolvimento é esse.
Vejo-o como
companheiro “vazador” de malfeitos da ASN-EUA. Ele conhecia os fatos de tudo
que passei e do que outros passaram. Aproveitar a experiência de outros e
reconhecer que ele divulgou informação crítica, de interesse público, sobre até
que ponto o estado de vigilância já invadiu o próprio tecido da sociedade em
que vivemos, em escala extraordinária, realmente extraordinária. Escala jamais
vista na história da humanidade e que faz outros regimes da história do século
20 pareceram quase suaves, se comparados aos EUA, em termos do alcance e da
profundidade do estado de vigilância e controle. (...)
LS: Na sua opinião, Edward Snowden fez a coisa
certa?
TD: Sim,
realmente sim. Se as discussões, o debate e as conversas são prova de alguma
coisa, basta ver o que houve nos EUA nos últimos 5,6 meses. Nunca antes
havíamos tido chance de discutir o que está em jogo, quando as pessoas vivem
cercadas por um aparato de vigilância tão profundo e tão amplo. Sei muito bem
que a espionagem entre nações é parte da experiência humana. Há quem a chame de
“a segunda profissão mais antiga do mundo”.
Dwight Eisenhower |
Saber o que
outros estão fazendo, ou querer saber, é, sim parte da herança comum de toda a
humanidade, mas isso não é o mesmo que vigiar a vida pessoal de todas as
pessoas de um país, um risco para o qual muitos nos alertaram ao longo dos
anos. Está no discurso de despedida de Dwight D. Eisenhower, em 1961, quando
alertou o país sobre o complexo industrial-militar; ou os graves abusos de que
tantos esquecem, de quando os instrumentos do poder nacional dos EUA foram de
fato lançados contra milhares de norte-americanos, nos anos 60s e 70s,
culminando em tudo que veio a público dos feitos do governo Nixon. Ali, a
história não foi generosa com os EUA.
Sem dúvida,
sim, acredito firmemente que Snowden fez o que fez pensando no interesse
público e que sabia que revelar a extensão do estado de vigilância já em
metástase nesses 12 anos depois do 11/9, poria sua vida em risco, que criaria
para ele mesmo um perigo extraordinário. Que tinha de sair dos EUA, se quisesse
ter alguma chance de permanecer livre e, igualmente, de prosseguir nas suas
revelações, com alguns poucos repórteres e jornalistas. (...)
LS: Em relação às recentes revelações sobre os
programas de vigilância global da ASN-EUA: você viu alguma prova ou fiapo de
prova, até aqui, de que aqueles programas estão trazendo alguma vantagem na
chamada “guerra ao terror”?
TD: É, foi o
meme preferido do governo por algum tempo, mas, isso, só para encobrir a
verdade. Um dos paradoxos nessa questão é que praticamente todas as operações e
atividades são clandestinas, ou cercadas de segredo e muitas delas por razões
bem legítimas. Durante a Guerra Fria, eu mesmo trabalhei em operações secretas,
e, depois, já durante minha carreira no governo – como militar, no Exército e
na Marinha, e também durante meus anos de CIA, além, claro, do meu trabalho
como executivo sênior na ASN-EUA. Posso dizer, sem medo de errar, que os
extraordinários esforços levados a cabo pelo pessoal com o qual eu trabalhava,
sim, impediram desgraças ou esvaziaram ameaças. (...)
LS: Recentemente, Al Jazeera America publicou os “itens para mídia”, os pontos a
serem reforçados pela ASN-EUA, nos contatos com a imprensa, relacionados às
revelações de Edward Snowden, e a relação com o 11/9 era muito destacada ali. [2]
O que você tem a dizer sobre isso?
TD: Invocar o
espectro do 11/9, manter aceso o medo que se gera sempre que se fala do 11/9, e
usar esse medo para justificar a manutenção de qualquer desses programas ou
todos, ‘por via das dúvidas’. Temos de lembrar que o 11/9 foi um fracasso sistêmico
de todo o governo dos EUA. O preâmbulo da Constituição diz que os dois
objetivos básicos do governo são: (a)
assegurar a defesa de todos; e (b)
garantir o bem-estar de todos. O que se viu é que o governo falhou muito, no
cumprimento desse primeiro objetivo.
Dick Cheney |
Muito
frequentemente nos esquecemos disso e de que aquele fracasso serviu de gatilho
para esse vasto, vasto conjunto de atividades e operações e vigilância, além de
outras muitas operações secretas – a extensão das quais ainda não conhecemos
até hoje; muitas delas permanecem cercadas de sombras absolutamente
impenetráveis, e tudo por causa do 11/9, essa, em certo sentido, “ameaça
existencial”, que seria a causa para usarmos todos os meios necessários. Foi,
aliás, o que disse o ex-vice-presidente Cheney, cinco dias depois de 11/9, dia
16/9/2001: “Teremos de ir até o lado obscuro”. Acho que as pessoas ainda não
avaliaram exatamente o significado dessa frase.
Os EUA
“investiram” (e digo investiram, entre aspas), mas literalmente gastaram-se
trilhões de dólares. Se se somam os totais ao longo dos últimos 12 anos, do que
foi gasto em defesa nacional, segurança nacional, inteligência, segurança
doméstica. É uma extraordinária redistribuição de dinheiro, para “enfrentar uma
ameaça existencial”. Porque gastou tanto dinheiro, converteu-se num importante
pêndulo. Não será possível fazê-lo parar de um minuto para outro. E enquanto
isso, ele continua a se autojustificar, repetindo que temos de manter os EUA
seguros e as pessoas têm de sentir-se em segurança. (...)
Mas a
questão é que apesar de todos os poderes que foram dados aos agentes da
segurança e ao aparelho de vigilância também dentro dos EUA, nem assim foram
capazes de impedir as explosões na Maratona de Boston. A vigilância era
extraordinária, naquele local, com quantidade enorme de câmeras. Nada daquilo
conseguiu impedir as explosões. Mas o que me parece interessante é que o
fracasso nesses casos, é usado ao contrário. Quero dizer: quando há um fracasso
como o que se viu na Maratona de Boston, e a explosão não é evitada, apesar de
haver tantos indicadores, inclusive, ironicamente, até alertas formais que a
Rússia encaminhou aos EUA sobre os irmãos Tsarnaevs – nada é levado a sério
antes, mas, depois de cada fracasso, o que se vê é mais e mais vigilância...
Quero dizer: o que se vê aí é uma espécie de incentivo patológico: cada vez que
há um fracasso, o fracasso é usado para aumentar a mesma vigilância que acabou
de fracassar. (...)
LS: Mas você crê que a informação de
inteligência é também usada por grandes atores como produto de compra e venda,
como informação de valor comercial?
TD: Essa é a
pergunta que, na minha opinião é, de fato, a mais sensível, a mais relevante.
OK, informação é poder; informação é a moeda do poder, hoje mais do que nunca antes.
Sempre, de fato, foi assim, e a tecnologia facilita o processo? É possível.
John Negroponte |
LS: Não foi John Negroponte quem disse que dados
valem mais que dinheiro?
TD: É, disse;
precisamente porque se pode converter dinheiro em dados e dados em dinheiro –
você sabe: estavam falando sobre o dinheiro ser fungível, você pode convertê-lo
em tantas coisas. Mas o que há por trás disso? Como se exercita e se administra
a fungibilidade. Como você administra a fungibilidade, digamos assim? É
fungibilidade, ok, é fácil inventar a palavra. Eis a informação, eis o dado, e
se você tem acesso em segredo a esse tipo de informação, você entra com enorme
alavancagem, por exemplo, no mercado.
Isso é
extraordinário. Considere a manipulação só do que foi revelado, em termos de Wall
Street e por aí adiante, em todos os grandes, os maiores. E, até agora, ainda
ninguém viu alguém daqueles altos níveis ser preso. É monumental. E aí está o cerne
do argumento sobre bancos “grandes demais para quebrar”. Agora, vemos
quantidades enormes de dinheiro – só o Fed e seu “alívio quantitativo” [orig. “QE,
quantitative easing”]; estão bombeando quantidades massivas de dinheiro.
Todo esse dinheiro compensa as perdas dos bancos, mas, de fato, não ajuda a
economia. (...)
LS: É, se se você tem informação secreta que só
você tem de um lado; e, de outro lado, há todo aquele dinheiro barato, você
pode apostar com segurança, aposta que só você pode fazer. De fato, nem chega a
ser aposta. (…) De fato, o que se tem
hoje já nem chega a ser economia real. É sempre essa tal de coisa virtual, um
jogo jogado só entre os 1%. Siga o dinheiro e me diga: a quem isso beneficia?
E para que finalidade esse dinheiro é usado? Você falou sobre poder e dinheiro, e acho
que isso tem de aparecer à vista de todos, de algum modo; mas ainda não sabemos
como acontece.
Kissinger |
TD: Mas já se
veem, pelo menos, as linhas gerais. Os efeitos aparecem, sim, na economia. Os
efeitos aparecem no impacto sobre os fluxos financeiros diários. As enormes
transações que correm por dentro dos países e entre os países à volta do mundo.
Essa tem sido a realidade da história humana – comércio interno e entre os
povos – e quando você senta nas encruzilhadas, o nexo disso… A tentação é
enorme, não só de alimentar os fluxos como, também, de lucrar do e com esse
poder que você tem. Lembro-me de Kissinger: “O poder é o melhor afrodisíaco que
há”. (...)
LS: É. E nesse caso você tem um poder secreto. É
como se fosse a versão crack daquele
afrodisíaco.
TD: Sim, pode
até ser a versão crack, mas está aí ao alcance de todos, qualquer um
consegue. E viciam-se, porque você sabe algo que só você sabe, e é por isso que
se diz que é a moeda do poder. Sei algo que você não sabe, o que implica que
tenho poder sobre você porque tenho aquele conhecimento e ele me dá enorme
vantagem, especialmente na arena mundial, ou se estou negociando acordos, ou se
estou vigiando você numa reunião do G-20 e sei o que você está dizendo no seu
quarto de hotel, conversando com sua equipe. Se estou dentro dos sistemas de banking
– se tenho uma informação “de dentro”, apesar de tudo proibir que eu a use, mas
se posso fazer e manter o mesmo segredo de antes e escapar às consequências e
continuar a receber proteção de certos poderes, sejam do estado sejam do mundo
privado, nesse caso, UAU! O homem não se limita, não se contém. E, feito uma
vez, nunca mais conseguirá não fazer e nunca mais se dará por saciado.
Dou-lhe um
exemplo pequeno, de quando eu era administrador na Booz Allen Hamilton. Lembro-me de estar numa conversa na sede da Booz no norte de Virginia, com altos
executivos e um deles acabava de receber seu bônus anual monumental e diz ao
colega “Como vou gastar o dinheiro esse ano? Um Porsche novo ou aquela casa de
praia?” Era o problema dele. E acontece assim, exatamente assim.
O dinheiro
está na raiz de muitas coisas. Garante sobrevivência e vida dignas, mas pode,
também, dar acesso direto às alavancas do poder. E quando isso acontece em
segredo, sem que ninguém saiba, longe, bem longe, da discussão pública, longe
dos jornalistas e repórteres honestos – ou com total cobertura dos jornalistas
e repórteres desonestos ou também corrompidos –, nesse caso dá enorme controle
sobre várias coisas e pessoas e processos. A isso se chama poder para controlar
outros. (…)
LS: A ASN-EUA abastece as demais 15 agências
norte-americanas de inteligência que trabalham em outras áreas, com a
possibilidade de recolher informação. O que estou querendo dizer é que pode ser
verdade que a ASN-EUA não faça diretamente a espionagem econômica e financeira.
Mas oferece a outras agências a possibilidade de recolher informação, e elas,
sim, cuidam da espionagem no campo econômico. De fato, a declaração da ASN-EUA
é verdadeira, mas a informação que ela nos dá é falsa, de fato.
TD: Concordo
plenamente. E há outra coisa. A ASN-EUA é agência de coleta técnica de dados.
Coletar, recolher, armazenar os dados não é o problema central. O problema
central é: para que finalidade os dados estão sendo usados. O que a ASN-EUA
está fazendo com a informação e que arranjos há dentro do governo dos EUA para
a para a informação que vem da ASN-EUA e seu enorme alcance, e como pode ser
usada para outros fins – que podem ser muito diferentes da finalidade para a
qual a ASN-EUA recolheu aquela informação. Por outro lado, há também quem se
interesse também pelo modo como a informação é recolhida. Tipo “por que não nos
contam?”. Também acontece. (…)
Bem, isso é
um acordo muito bem amarrado, e o Departamento do Tesouro tem sua própria
unidade de inteligência. Há uma relação direta; ela está incrivelmente a fundo
nas sombras. Eles obviamente não falam sobre isso porque nós estamos falando
sobre informação extraordinariamente sensível. É informação que não só se
traduz em poder enorme, mas também se traduz em enorme vantagem em termos de bilhões
e trilhões de dólares. Quero dizer, nós não estamos falando só de alguns
milhões ou mesmo centenas de milhões, nós estamos falando de centenas de
bilhões, além de sermos rotineiramente afetados por decisões que são tomadas, e
quando você possui este tipo de inteligência, ela será usada mesmo.
Então, eles
não falam sobre isso, mas esses acordos existem. E há unidades que compartilham
informação entendem que o ponto de convergência para isso [está] dentro do
aparato de inteligência, você sabe que há algo em torno de 17 diferentes
agências de inteligência [e] uma delas está dentro do Departamento do Tesouro.
Lembre-se, você tem essa relação que se estende ao Federal Reserve Bank
que, a propósito, formalmente não faz parte do governo dos EUA. Se você olhar
bem, ele [o Fed] não tem um selo do governo quando ele envia correspondência,
ele tem um selo próprio, mas isso é uma história muito longa, a criação do Federal Reserve Bank.
Warren Buffet |
LS: Sim, com certeza, mas como você sabe, Warren
Buffett falou uma vez sobre armas financeiras de destruição em massa
relacionadas às hipotecas garantidas [3]. Você acha que existem armas financeiras de destruição em massa
equivalentes à disposição dessas forças de que estamos falando e se elas são
utilizadas?
TD: Sim, você
vê como bloqueios, bloqueios financeiros ou uma série de restrições colocadas
no comércio. Sim, colocar esses instrumentos de poder especialmente sobre os
fluxos de transações financeiras que vão e vêm lhe dá a capacidade de atingir
certos resultados, e se você decide que quer fazer história mundial, então sim,
você pode manter, retirar ou investir de maneiras que têm poder enorme. Quero
dizer, dinheiro é corrente sanguínea, dinheiro é uma corrente sanguínea
crítica, para as finanças, é uma corrente sanguínea crítica para as economias,
e se você a restringe ou expande de acordo, e se você junta isso a resultados
políticos, você tem, novamente, a frase me vem à cabeça, enorme vantagem sobre,
em alguns casos, sobre eleições ou mesmo sobre a maneira pela qual certas
atividades acontecerão em outros países ou no seu próprio.
Olhe só
para a dicotomia de Wall Street
versus Main Street [4].
Quero dizer, há esse Movimento Occupy.
Eles só estão sublinhando o fato de que você tem essa incrível redistribuição
de riqueza, e o que foi assegurado, o que foi assegurado foi o tesouro futuro.
Você basicamente assegurou todos os ativos do país... essencialmente
hipotecando seu próprio futuro, mas você assegurou e alavancou em uma escala
enorme e [se] isso não é suficiente, então você criou sua própria garantia e
então joga esse jogo – OK – que é como um cassino turbinado nos níveis mais
altos do governo.
LS: Bem, novamente, algum tipo de versão crack da mesma droga. O PRISM &
Cia. é só a ponta do iceberg, por exemplo, em comparação com o projeto da DARPA
[Defense Advanced Research Projects Agency] Total Information Awareness, respectivamente
Trusted Information Environment?
TD: Bem,
sejamos razoáveis. O ambiente Total Information Awareness nunca
desapareceu. Houve vários recuos, mas isso foi, isso foi mais fundo nas sombras
e, infelizmente, isto é tipicamente o que acontece. Quando um programa secreto
é exposto, particularmente esse tipo de programa, pós-11/9 foi mais a fundo, e
então o Prism é um aspecto da total information awareness (consciência
total da informação).
Eles não
vão chamá-la assim. Eles não vão colar, você sabe, um olho que tudo vê em uma
pirâmide. Isso foi meio óbvio, não, então você deixa menos óbvio e [nesse] caso
você tem acordos secretos entre grandes provedores de serviços de Internet que
permitem ao NSA tanto acesso quase total ou acesso direto para descobrir quase
tudo em termos de informação de assinantes que estão armazenadas nos
servidores, unidades de backup e instalações desses provedores de serviços de
Internet. Quando você diz “ponta do iceberg”, eu acho que há muitos, muitos
outros acordos especialmente o negócio de provedores e armazenagem de dados.
Essas
empresas, a propósito, não estão fazendo isso de graça. Eles não estão fazendo
isso porque isso é para o bem da sociedade. Eles são empresas e eu sempre vejo
isso pelo lado obscuro. Eu preciso, pelas minhas próprias experiências e pelo
calvário que passei.
Eles não
estão fazendo isso só pela segurança nacional. Esse é parcialmente o argumento
que eles deram com os executivos chefes das empresas que eles trouxeram para
dar cobertura, mas a realidade é que elas estão sendo recompensadas. Elas estão
sendo pagas para isso.
O sistema
de vigilância, o estado de vigilância é uma fonte de lucro para eles.
Então eles
têm vantagem e eles conseguem vantagens e dados duas vezes, ok, falando de
retorno. Eles conseguem vender seus serviços aos assinantes por mensalidades ou
contratos e então eles dão meia volta e fornecem a mesma informação para, OK, o
governo e são pagos por isso e protegidos pelo governo. É proteção, quero
dizer, é uma negociata, porque eles têm imunidade a quaisquer processos legais
que apareçam no seu caminho, especialmente ações civis públicas.
Isso foi,
particularmente, quando foram aprovadas leis que dão imunidade às empresas de
telefonia – para evitar ter que lidar com a exposição potencial, obviamente,
exposição real, porque os assinantes não optaram por ter seus dados
compartilhados no atacado com o governo em segredo. Então eles precisavam de
proteção.
LS: A população no mundo todo está mais ou menos
completamente no escuro quanto à espionagem por meio de radiação
eletromagnética e pela visão através das paredes por meio de sistemas móveis,
fixos e baseados no ar ou espaço. Essas coisas são não só tecnicamente
possíveis, mas práticas rotineiras hoje em dia?
TD: Tecnicamente
possível é uma meia verdade. Sim, certamente estou consciente de que mesmo na
época em que estive no NSA havia sistemas que permitiam penetrar tipos extraordinários
de vigilância que vão muito além do que eu chamaria de tradicional, mesmo no
espaço eletrônico, mas quando você fala de sistemas de magnéticos de varredura,
sim, há muito que pode ser detectado. Há vans especializadas que fazem isso.
Isso é comum,
quer dizer, isso está em toda parte? Não. Essa tecnologia ainda é cara, mas
onde ela é usada, sim, eu posso efetivamente ver através de paredes. É [como]
um radar – você tem radar, radar de penetração do solo; esta é a versão
eletromagnética que permite que você basicamente – estou familiarizado com
tecnologia que basicamente, quando é direcionada, ela pode varrer em busca de
quaisquer tipos de dispositivos eletrônicos.
Boeing RC-135, aeronave de reconhecimento e espionagem |
Permita-me
dar um pequeno exemplo para ilustrar o que é possível. Quando eu vivia na
Inglaterra, você tinha que pagar, quando eu voava no RC-135s [uma grande
aeronave de reconhecimento] – você tinha que pagar [por uma licença] para ouvir
rádio [isso foi abolido em 1971] e assistir televisão. Eles tinham vans que
rodavam por aí para detectar se uma antena de [TV] estava ativa ou não, quer
dizer, se estava ativamente recebendo um sinal, não transmitindo, mas recebendo
ativamente e era possível fazer a geolocalização... se fosse detectada uma
antena recebendo ativamente um sinal, então eles iriam triangular, eles iriam
descobrir se você tinha uma permissão e se você não tivesse permissão, você
seria multado. Bem, imagine isso em um nível muito maior, onde eu estava
consciente no exército sobre equipamentos que basicamente varreriam sistemas e
captariam tudo, cada sinal que pudesse ser encontrado, tanto passivos como
ativos. Então, sim, não é só possível, é real.
LS: Qual é sua opinião sobre a direção que os
EUA estão tomando de modo geral? Quero
dizer, eu imagino que seja uma coisa muito dolorosa para você.
TD: A direção,
meu Deus! Vou dizer dessa maneira. Deve ser o jeito mais completo de dizer. Eu
voava nos RC-135s, uma aeronave de combate eletrônico, durante os últimos anos
da Guerra Fria. Eu fui treinado como criptolinguista. Essas interceptações de
voz, assim como interceptações de inteligência eletrônica – portanto,
comunicações e eletrônica, como chamávamos o negócio – COMINT (communications
intelligence), mas SIGINT (signals intelligence) era igual a COMINT
mais ELIT (electronics intelligence); inteligência de comunicações mais
inteligência eletrônica.
O país alvo
no qual eu me tornei especialista em alguns anos era a Alemanha Oriental, e eu
monitorava comunicações de nível estatal, comunicações militares, qualquer uma,
e isso apenas do que nós podíamos captar, em alguns casos usando equipamento
altamente especializado que era extremamente sigiloso. Eu nunca imaginei, para
responder sua questão mais diretamente, eu nunca imaginei que o modelo da
Stasi, a polícia secreta da Alemanha Oriental, cujo lema era “saber tudo” [5],
seria usado como manual de estratégia pelos EUA para criar o maior aparato de
vigilância que o mundo já viu.
Eu nunca
imaginei, e eu nunca imaginei que eu seria criminalizado pelo meu próprio
governo simplesmente porque eu apoiei e defendi a Constituição e aparentemente
tinha a crença ingênua de que a ideia de Constituição, com todas suas falhas e
defeitos, certo, que tem resistido por mais de 220 anos, que de alguma maneira
os direitos soberanos, os direitos inalienáveis dos seres humanos não têm
importância quando o Estado quer me proteger. Há essa retidão moral com que o
regime de vigilância secreto se envolve, como fazia a Stasi.
Lembre-se
que eles eram os protetores do Estado, que de alguma forma a superioridade
moral excedia quaisquer direitos ou liberdades que um cidadão tivesse, e então,
quando você diz a direção, esta direção é bem dramática. Esta direção é
cidadãos que têm direitos agora estão se tornando sujeitos ao Estado e do
Estado, de modo que o Estado simplesmente os vê como custódia do Estado, e você
tem que ter privilégios que são determinados pelo Estado, e você tem que
continuar provando que como sujeito do Estado você é inocente. É a inversão
completa do nosso sistema ocidental de justiça.
Eu
simplesmente nunca imaginei que eu teria esta conversa. Lembre que eu estava no
fim de uma barra muito longa, uma barra que era um pé de cabra, uma estaca da
segurança nacional que o governo queria passar por mim me levou pelos comentários, os comentários
públicos, e disse, “Olhe, isso é o que acontece quando você ousa mostrar um
espelho. Isso é o que acontece quando você ousa falar a verdade do ou sobre o
poder. Nós vamos pra cima de você com tudo e vamos bater com força”, porque
você sabe, em um momento durante as investigações contra mim – e isso é a razão
pela qual isso é tão pessoal eu vivi esse estado de vigilância. Eu vivi a
vigilância eletrônica física. Eu vivi com a realidade distinta de que eu
poderia passar muitas décadas na prisão.
Em um
momento durante a investigação eles realmente, o Promotor principal, isto foi
em 2008, dois anos antes de eu ser realmente indiciado. Ele disse, “Sr. Drake,
o sr. gostaria de passar o resto de sua vida na prisão, a menos que coopere em
nossa investigação”. Quer dizer, o que isso significa? Quer dizer, em um nível
profundamente individual, quer dizer que eu não tenho vida? O Estado pode
simplesmente fazer isso porque eles determinaram que eu sou uma ameaça ao
Estado. Uma ameaça ao Estado, por quê? Porque eu mostrei um espelho? Isso foi o
que aconteceu, e o desvio quer dizer que nós estamos indo ladeira abaixo, e eu
não quero que nós vamos para o fundo do poço. Quer dizer, Frank Church, o chefe
era o Senador Frank Church.
Frank Church |
O Comitê Church teve
uma série extraordinária de audiências revelando e divulgando todos os abusos
de poder da administração Nixon e mesmo antes da administração Nixon por
administrações anteriores. Ele mesmo avisou à nação o que aconteceria com os
avanços da tecnologia se nos encontrássemos no abismo de um estado de
vigilância, nós conseguiríamos sair disso? Ele deixou em aberto a questão se
nós conseguiríamos ou não.
Eu não
quero ver as sombras escuras, segredo e vigilância se tornando a norma. Não é
assim que queremos viver como seres humanos. Isso quer dizer que estamos
regredindo em termos de nosso próprio progresso com respeito à democracia e
liberdade e sim, muitos, quero dizer, muitos colegas mesmo, muitas pessoas que
conheço – se lembram que eu estou em uma posição única. Agora mesmo, de todos
os processos feitos apenas pela administração Obama, sem precedentes na
história dos EUA, mais do que todas as outras administrações combinadas,
pessoas acusadas sob a Lei de Espionagem, são as atividades de não espionagem.
Elas agora são consideradas como mais ameaça ao Estado do que mesmo a
espionagem tradicional.
Eles
disseram isso. Eles disseram isso no meu caso. Eles disseram que eu teria o sangue
de soldados americanos nas minhas mãos. Que o que eu fiz, ameaçava e colocava
em perigo as vidas de soldados americanos. Eles argumentaram mesmo no tribunal
no meu caso e disseram publicamente que o whistleblower
(alertador –apitador) é uma ameaça maior que os espiões tradicionais porque
os espiões tradicionais divulgam seus segredos para outro espião ou outra
operação ou agência de inteligência estrangeira. Quando você vaza, isso sai em
todos os jornais para todo mundo ver, e isso é uma ameaça maior à segurança
nacional.
Portanto, a
segurança nacional se tornou a religião oficial do Estado, e você não
questiona, e o alto sacerdócio do segredo são as regras. Quero dizer, o que nós
tornamos? Eu não quero viver nesse tipo de sociedade. Eu não quero ser Winston [6]
no 1984 se acovardando no canto porque era o único lugar que ele tinha... onde
ele não podia ser visto pelas câmeras, quer dizer, eles sabiam onde ele estava.
Quero dizer, eu tenho colegas agora mesmo que estão sob vigilância física e
intimidatória e vigilância eletrônica, por quê? Porque o Estado os considera
uma ameaça, e eles estão tentando enviar uma mensagem.
Daniel Ellsberg |
Isso é um
desenvolvimento extraordinário e há mais pessoas querendo se engajar nessa
conduta, e eles estão mais que dispostos a idolatrar a segurança nacional do
que a soberania de indivíduos. Eu não quero viver esse tipo de vida, e é por
isso que eu dediquei o resto da minha vida a defender a vida, liberdade e a
procura pela felicidade porque isso é importante para o que somos como seres
humanos.
Eu posso
ser um homem livre . O que eu quis
dizer antes, por que estou falando isso. Todo mundo foi acusado sob a Lei de
Espionagem ou equivalente. Agora, eu fui o primeiro. Eu fui a primeira pessoa,
o segundo, só o segundo (apitador-alertador) whistleblower– o primeiro foi Ellsberg – mas eu fui a primeira pessoa
na administração Obama acusada de espionagem. Muitos outros vieram depois e,
mesmo assim, quando eu olho onde estou agora, outros ironicamente, outros que
Edward Snowden, que está "livre na Rússia" – como isso é irônico, ok?
Todos os outros que foram acusados ou indiciados por espionagem estão ou na
prisão, ok; ou podem ser presos, ok; ou foram acusados por espionagem e podem
ficar muitos e muitos anos na prisão.
Jeremy Hammond |
É um
desenvolvimento extraordinário, e não são só os que são acusados por
espionagem; são todas as outras áreas relacionadas... da Computer Fraud and
Abuse Act, como Jeremy Hammond, onde você faz divulgações de ativismo
político de atividade criminal da parte do governo e corporações secretas em
conjunto com o governo e acaba sendo criminalizado, você é mandado para a
prisão no seu caso e só confessa porque as pressões são enormes.
Eu sei, eu
podia passar muitas, muitas décadas na prisão e parte da vantagem que eles tinham
era mais ou menos, “Bem, se você confessar, Sr. Drake, talvez você fique só 15
anos na prisão ou talvez 12 anos ou talvez nós possamos arranjar para que sejam
só uns cinco anos”. Quer dizer, há toda uma história por trás de como o governo
quis me destruir, mas estou aqui falando com você como um ser humano livre.
Você sabe o que significa ser capaz de manter sua liberdade após o governo
passar tantos anos tentando tirá-la de você. Eles significam mais para mim do
que nunca.
LS: Quais interesses se beneficiam em última
análise pelas agências de inteligência secretas no ocidente?
TD: Bem, cada
vez menos os cidadãos e cada vez mais isso tem se tornado um protetorado dos
detentores dos poderes.
LS: Sim, mas eles não criaram, por exemplo, a
CIA em primeiro lugar?
TD: Veja, eu
disse isso e muitas pessoas olharam esquisito para mim e mesmo fizeram objeções
a isso. A história real é, você tem que colocar em contexto esse [dado] crucial
para entender tudo isso. A CIA, cujo, você sabe, predecessor foi a OSS, você
sabe, Office of Strategic Services criado durante a Segunda Guerra
Mundial.
LS: Que era localizado, por sinal, no distrito
financeiro de Nova York.
TD: Correto,
isso deve lhe dizer algo e, claro, essas ligações vão muito além. Quero dizer,
a culpabilidade dos interesses financeiros estão no centro de tanta coisa em
termos de mesmo a história moderna. Eu penso que a história moderna, se você
volta até o séc. 19, você sabe que é uma história extraordinária para se
entender mas muitas pessoas vão dedicar pouco tempo a ela porque muito dela é
cercado de mistério e segredo. Sim, não é interessante que o OSS estava
localizado no distrito financeiro. Isso deve lhe dizer algo; mas proporcionou
uma fachada enorme para as operações que eles queriam realizar.
Harry Truman |
Bem, da
Segunda Guerra Mundial veio a Lei de Segurança Nacional (National Security
Act) em 1947, que criou a CIA, criou o Departamento de Defesa, criou a
Força Aérea. Cinco anos depois, foi seguida por uma diretiva secreta, secreta
até hoje, assinada por Truman criando o NSA, e assim todo esse aparato tão
alinhado com o núcleo e centro de poder nos EUA, mas politicamente e
financeiramente com o tempo dá um enorme, enorme poder e com grande poder vem
grande responsabilidade.
O problema
é, quando você envolve isso em segredo, aí as oportunidades para
irresponsabilidade enorme aparecem. Elas estão aí para acontecer, e é
exatamente isso que aconteceu, e isso está servindo interesses privados – isso
claramente não está servindo aos interesses públicos.
LS: Nesse sentido, eu
aconselho nossos leitores dar uma olhada na formação professional de, por
exemplo, Clarke Clifford, James Forrestal, Ferdinand Eberstadt, William J
Donavon, Allen Dulles, William A Jackson, Frank Wisner, William Casey, Stanley
Sporkin, David Dougherty e assim por diante – porque todos vieram ou foram para
Wall Street. OK, mas isso foi só um aparte. Voltando à minha questão, o que
você recomendaria o que os países fora da esfera anglo-ameriana deveriam fazer
para lidar com os problemas relacionados às atividades da NSA e companhia?
TD: Eu me separaria deles. Separaria mesmo. Eu
diria, suas nações possuem soberaia e seus cidadão foram comprometidos. Você
tem que considerar isso. Você infelizmente agora, mesmo quando há acordos
legítimos entre governos e mesmo entre esses serviços de segurança, você não pode
confiar, não pode, você simplesmente não pode porque isso foi muito além dos
limites, além dos pacotes de
acordos que existem para propósitos legítimos, em termos de ameaças para a
ordem e estabilidade internacional, e [eu] reconheço dizendo o que digo muito como
cidadão norte-americano.
Você agora
pode confiar em certos provedores, e isso está acontecendo e, de fato, as
empresas dos EUA estão reclamando à administração Obama que os acordos e
arranjos secretos estão causando perda de negócios, e isso começa a despertar
aas pessoas. Ok, quando você começa a perder negócios você não é capaz de
competir, ou é cada vez mais desafiador competir no mercado internacional
porque os outros não confiam em você. Isso significa que você vai perder
negócios e você vai perder empregos mesmo que você tenha alcance internacional.
Você vai ficar congelado.
Progressivamente
as pessoas irão aos outros, e eu perguntaria nesses países – eu perguntaria
questões difíceis, e eu disse isso para muitos, muitos repórteres e jornalistas
e particularmente da Alemanha, você tem que perguntar as questões difíceis para
seu próprio governo. Você tem que perguntar as questões difíceis sobre seus
próprios serviços de segurança, o que eles estão escondendo? O que eles sabem,
mas não querem que seu próprio público saiba.
LS: Se eu pudesse perguntar a você, qual seriam
as questões mais importantes que você faria ao governo alemão?
TD: Eu pediria para eles abrirem o jogo quanto aos outros
acordos legítimos, os acordos que eles têm entre o BND [7], por exemplo, e a NSA. Você sabe que
o BND esteve estranhamente quieto quanto a tudo isso, realmente. Eles têm muito
a esconder. Eles têm muito mesmo, as pessoas me perguntam, “Bem, o que seria?”.
Eu digo que eu não tenho um conhecimento direto. Estou bem ciente dos acordos,
mas os acordos dos quais estou ciente são acordos legítimos.
Estamos
falando de outros acordos sobre os quais ninguém quer falar. Esses são acordos
de acesso. Esses são aqueles onde há conluio. Esses são os que eles claramente
não gostariam que os cidadãos alemães soubessem exatamente o tanto que seu país
foi comprometido por seus próprios serviços de segurança. Então é algo fácil, e
eu digo esconda-se atrás de todas as suas revelações da NSA enquanto você está
no escuro.
Mas eu
também disse que você precisa de whistleblowers
(apitadores-alertadores) dentro desses serviços de segurança para apresentar-se
e realmente revelarem mais o quanto seus próprios direitos, que são
ostensivamente protegidos pela constituição alemã, estão sendo violados. Mas eu
também entendo o paradoxo, porque veja, foi isso o que aconteceu após o 11/9.
Estou usando a Alemanha porque sou mais familiarizado com a história e política
alemãs, e a dinâmica de uns 50, 60 anos atrás, OK.
Sou bem
ciente de que a Alemanha mesmo foi declarada alvo número um pós-11/9 pela NSA
para coleta e inteligência e monitoramento e porque há tantas instalações dos
EUA na Alemanha, era uma plataforma capaz de fazer isso – tanto dentro da
Alemanha como a usando como base para conduzir operações fora da Alemanha –
quero dizer, a ocupação pós-Segunda Guerra Mundial e no fim, sabe, a
independência e, é claro, a reunificação com a Alemanha Oriental. Você tem isso
– novamente, esse paradoxo, e então a NSA escolheu a Alemanha como alvo número
um.
Eu entendo
porque muitos dos sequestradores do 11/9 viveram, transitaram ou treinaram na
Alemanha, mas entendo que eles precisavam de parcerias e acordos para lidar com
a ameaça. Isso foi muito além. A coisa toda [existe] para se saber algo sobre
uma ameaça – OK, ostensivamente para o propósito de lidar com uma ameaça você
tem que saber tudo o que há para saber e isso está disponível para nós, e quem
se importa se alguns dados sobre cidadãos alemães em vasta escala, milhões e
milhões de alemães, são captados, porque, Ei!, se você não tem nada a esconder,
você não tem com o que se preocupar. Você está OK. Puxa, eu dizia... sabe, nada
a esconder. Adivinha quem disse isso? Goebbels. Isso é uma citação atribuída a
Goebbels durante a era Nazi.
Eu tremo
quando ouço isso porque isso dá desculpa, isso justifica uma mentalidade de
estado de segurança nacional e a história não é boa. Não é, e nós não somos
imunes. Eu disse isso para os americanos. Nós não somos imunes ao que aconteceu
nos anos 1930. As pessoas dizem, “Espere um pouco, Tom, você é um alarmista.
Nós somos diferentes. Nós estamos na América”, eu digo, “É mesmo? Nós somos
mesmo tão diferentes?”.
Se você
olha para trás mesmo em termos dos Pais Fundadores, quem era a elite da época a
propósito, OK. Uma das razões pelas quais eles queriam proteger sua própria
minoria, eles queriam proteger seus próprios direitos. Ironicamente, eles
tiveram que estender esses direitos para todos para proteger os seus. Foi
interessante em termos históricos, mas se você olhar... havia grande
preocupação com o que aconteceria ao poder centralizado. A história não foi
boa. Eu penso em termos de história ocidental que você sabe vai até a Magna
Carta. Eu não posso falar de história em termos de cultura oriental e outras
culturas, mas posso certamente falar de democracia ocidental baseada, você
sabe, baseada na democracia grega em Atenas, certo?
Embora
muito esteja envolto em mito e lenda e não seja verdade, e a Magna Carta? Você
sabe que isso foi um alento de ar fresco que o rei não podia mandar porque eles
disseram que Deus disse que eles podiam, e lhes deu uma permissão especial. Os
servos e súditos tinham direitos, OK. Bem, estamos regredindo. É de alguma
maneira porque a segurança nacional, uau!, eu acho que eu nunca. Quer dizer,
veja – de alguma maneira nós transformamos essa coisa do terrorismo em
justificativa porque, adivinhe, enquanto isso você tem todas as outras coisas
secretas acontecendo.
Paul Joseph Goebbels |
LS: Já que você
mencionou Joseph Goebbels, nós sabemos com certeza que ele analisou técnicas de
relações públicas nos EUA e parece um pouco que, por outro lado, algumas
pessoas estudaram suas técnicas de propaganda.
TD: De novo, eu tremo ao responder porque eu tremo com a
realidade do lado obscuro da história do séc. 20.
LS: Algumas
vezes, um dos pensamentos mais assustadores que eu tenho é que os EUA precisam
se olhar no espelho e ver que eles se tornaram Nazi e o que eles combateram.
Eles combateram, e eles [se tornaram] muito parecidos com o inimigo.
TD: Realmente, infelizmente, há muitas pessoas que admiram
mesmo os nazistas. Eles admiram aquele enorme poder, e é como se, bem, porque
nós somos a América - quero dizer, isso é a coisa que realmente me preocupa,
que porque somos a América nós temos proteção especial. Nós somos excepcionais,
mas isso nos dá licença de empregarmos as práticas que o Tribunal de Nuremberg
pôs em forte relevo.
Eu falei
com um dos advogados principais nos Julgamentos de Nuremberg. Foi uma conversa
extraordinária de muitas horas. Eu nunca imaginei que nós estávamos fazendo o
equivalente. De alguma maneira, sabe, eu estou apenas seguindo ordens. Isso foi
bem a coisa a que eu me opus, às ordens. De alguma maneira, as ordens tomaram a
prioridade sobre o domínio das leis, e então o domínio das leis foi corrompido
ao aprovar legislação como o artigo 48 [que permite que o presidente, sob
certas circunstâncias, tome medidas de emergência sem consentimento prévio do
Reichstag] na República de Weimar.
A história
aqui realmente é intimidante, e que nós somos imunes a isso. Nós não somos nem
um pouco imunes. Não somos e você já vê um estado policial, virtual. Eu chamei,
eu disse que uma cerca digital já nos envolve.
Nós vimos o
muro físico da Alemanha Oriental para manter as pessoas lá, certo? Bem, nós já
temos uma cerca digital que nos rastreia. Vou dar só um exemplo disso, Lars:
Quando vou para casa eu geralmente vou pelo anel em torno de Washington DC. Eu
vou para o norte na Estrada 29 e na intersecção ao norte do anel. Quando
comecei a ir nesse direção eu via todos esses, o que pareciam ser flashes
ao acaso na intersecção. Eu comecei a entender depois que não eram flashes
aleatórios. Eram apenas câmeras tirando fotos das placas dos carros, 24 horas
por dia, 7 dias por semana, 365 por ano, e há muitas, mas muitas câmeras assim
em volta de Washington.
O que
significa ser rastreado e monitorado assim? Quer dizer, em última instância, é
controle, controle social. É saber onde as pessoas estão a qualquer momento que
você queira saber sobre elas. Eu não quero viver nesse tipo de sociedade porque
isso tem um efeito corrosivo enorme, ainda que a tecnologia seja benigna.
A questão é sempre para quê você usa isso, certo? Essas câmeras não estão
lá para detectar os infratores de sinal vermelho, você sabe, ultrapassando no
sinal vermelho. É simplesmente para tirar fotos de placas. Eu não optei por
isso, mas acho que a placa é pública, porque eu posso realmente vê-la no carro.
Então, se eu não estou em público, então tudo bem, mas o que estou fazendo com essa
informação? Veja, voltamos à questão de o que eu faço com as informações, e se
não defendermos, você sabe, as pessoas - é criado um vácuo. Se você não lutar
pelos seus direitos soberanos, há aqueles que vão tirá-los de você e eles
gostam de ter esse poder.
É uma condição patológica quando você realmente tem prazer em ter poder
sobre os outros. Você vai usar o poder. Você vai virar, você vai manipular.
Você vai transformá-los em sujeitos e objetos de sua atenção. Isso não é vida,
liberdade e a busca da felicidade. Isso significa que agora você está sujeito e
objeto de uma outra pessoa e a última vez que vi isso na história humana isso é
uma forma de escravidão ou trabalho escravo ou servo.
LS: Há muita conversa em seu país sobre o socialismo. Eu acho
que essa é uma discussão muito falsa, porque você não concorda comigo que é
hora de acordar e conversar sobre o fascismo nos EUA?
TD: Realmente, essa é a palavra... Sempre que eu a usei,
quando uso a palavra “fascismo” as pessoas se encolhem. Eles não querem nem
ouvir falar disso. Mesmo com a avassaladora evidência dizendo que nós realmente
temos um governo fascista com ligações extraordinárias a Wall Street, ao setor financeiro bancário e grandes corporações em
uma escala realmente extraordinária. É um argumento completo, a coisa do “socialismo”
é o inimigo. Há pessoas que eu conheço nas minhas redes que são progressistas;
infelizmente, eles não estão parando para se darem conta porque a face do
fascismo é – não é uma coisa agradável de se ver porque significa que você está
se olhando no espelho.
LS: E vocês [os EUA]
combateram os fascistas na Segunda Guerra
Mundial.
TD: Sim, com certeza. Quer dizer, meu próprio pai lutou na
Segunda Guerra Mundial, e eu vejo o lado bom no meu próprio caso – eu admiti a
culpa em um pequeno delito por exceder uso autorizado de um computador. Eu fiz
serviço comunitário por 240 horas. Eu entrevistei quase 50 veteranos da Segunda
Guerra Mundial até os dias de hoje e os veteranos da Segunda Guerra Mundial
temiam pelo futuro da nossa república. Eles dizem, “Puxa, tudo aquilo contra o
que lutei na Segunda Guerra Mundial foi em vão?”. Alguns deles estão fazendo
essas perguntas de que nós nos transformamos exatamente aquilo contra o que lutamos.
LS: Bem, já disseram que a próxima vez que o fascismo aparecer
vai ser na forma de antifascismo.
TD: Geralmente, é assim, e envolto em retitude moral e
patriotismo.
Notas dos tradutores
[1] Ver Metallwoche
[2] Ver 30/10/2013, Al Jazeera, Jason Leopold em: “Revealed:
ASN-EUA pushed 9/11 as key “sound bite” to justify surveillance”.
[4] Altas Finanças versus Economia Popular, grosso modo.
[6] Winston: personagem do livro de George Orwell, 1984.
[7] Bundesnachrichtendienst, Serviço Nacional de Informações da Alemanha.
________________________
[*] Lars Schall
é um jornalista alemão independente, especializado em Finanças e está na sua
pauta a dimensão financeira das atividades da Agência de Segurança Nacional dos
EUA e seus cúmplices bem como as implicações dessa espionagem nas negociações internacionais
e as habilidades técnicas e tecnológicas colocadas à disposição das agências de
inteligência. Particularmente discute a nazi-fascistização dos EUA.
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