sábado, 21 de dezembro de 2013

Conflicts Forum, Comentários da semana de 6-13/12/2013


Publicado em 20/12/2013 por [*] Conflicts Furum
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Sergey Lavrov desmbarca em Teerã em 10/12/2013 para consultas com o Presidente Hassan Rouhani
O ritmo da dança regional da diplomacia foi acelerado nos últimos dias. Karzai, Maliki e Lavrov, todos esses, visitaram Teerã nos últimos dias, e o príncipe Bandar voltou a visitar o presidente Putin. Muitas bolas estão no ar – Genebra-2, a escalada da violência no Iraque, o futuro do Afeganistão, o futuro do Conselho de Cooperação do Golfo, o futuro do Líbano – e, é claro que Rússia, China e Irã estão coordenando cuidadosamente a resposta à intenção dos EUA de sair do Oriente Médio.

O que Jimmy Carter começou, o presidente Obama está acabando. Quando o conselheiro de segurança nacional de Obama diz ao New York Times que o presidente recusa-se a “deixar-se consumir 24 horas por dia, sete dias por semana por uma única região” e quer reavaliar a política dos EUA para o Oriente Médio “de modo muito crítico e mais ou menos em estilo de vale-tudo”, é claro que os EUA estão operando de um novo modo: aspirações idealistas devem render-se a interesses vitais; e o que é apenas desejável está sendo mudado, para dar lugar ao mais duro realismo. Como Andrew Bacevich observou, os EUA já não gozam da fartura de poder – ou já não há apetite público – necessária para alinhar o Oriente Médio e pô-lo conforme com o que os EUA viam como sua missão civilizadora.

Os presidentes Hamid Karzai (Afeganistão) (E) e Nouri al-Maliki (Iraque) (D)
O governo dos EUA está claramente engajado agora em “ação” de marcha a ré, para conseguir que os resíduos da doutrina e das estruturas Carter cicatrizem sem (mais) traumas. Alguns dos preparativos para isso são refletidos e deliberados (por exemplo, a assinatura do Acordo de Genebra com o Irã); mas talvez outras medidas estejam sendo adotadas mais em resposta ao furor causado pelo choque de todas elas, ou talvez estejam sendo inspiradas pela velha prática colonial, segundo a qual, ao deixar um local, o melhor é deixar ali dois rivais em disputa pelo vácuo deixado pelo colonizador, porque assim o poder que parte mantém ainda algum espaço de manobra. (Mas nada garante que essas estratégias kissingerescas de equilíbrio do poder venham a ser efetivas, na melée que é hoje o Oriente Médio, onde as “dinâmicas”, em todos os casos, não estão sob a influência de “potências” regionais, em equilíbrio ou sem equilíbrio algum).

Seja como for – sempre ansiosos para garantir à Arábia Saudita que os EUA permanecem parceiros (apesar da tentativa norte-americana de reaproximação com o Irã) – os EUA optaram por apoiar uma iniciativa saudita que efetivamente estabeleceria o reino como superpotência militar regional e primeira linha de defesa, ao mesmo tempo em que permite que os EUA reduzam seu envolvimento na região. Mas, ao implantar uma série de medidas que juntas contribuem para pôr o Conselho de Cooperação do Golfo como entidade única – da qual a Arábia Saudita é, de longe, o membro mais poderoso – em vez de os vários estados do Golfo individualmente, no centro da política de defesa dos EUA, Hegel indiretamente endossou as demandas sauditas, que queriam que os estados do Golfo fossem fundidos numa única unidade. A Arábia Saudita há muito tempo deseja a união - que os estados do Golfo rejeitaram várias vezes porque não queriam submeter a própria autonomia a uma hegemonia saudita.

Yousef bin Alawi
Al Ibrahim
Não surpreendentemente, funcionários sauditas adoraram, comemorando que Hegel tivesse compreendido as necessidades do reino – quando passou a apoiar seus esforços para alcançar uma União do Golfo sob liderança saudita. “Encaixa-se perfeitamente em nossa agenda”, disse um funcionário saudita. Mas numa rara reprovação pública, o ministro de Negócios Exteriores de Omã, Yousef bin Alawi Al Ibrahim, replicou:

Nós absolutamente não apoiamos a união do Golfo. Não há acordo na região para isso (...). Se essa união se materializar, lidaremos com o fato; mas não seremos membro dela. A posição de Omã é muito clara. Se há novos arranjos para o Golfo enfrentar conflitos presentes ou futuros, Omã não será parte disso – disse ele.

Saud al-Faisal
Bem claramente, a reunião foi muito difícil. Saud al-Faisal tratou logo de vedar – antes mesmo de haver ou começar a operar – qualquer possível via para que estados membros discutam com o Irã sobre as disputadas ilhas do Estreito de Ormuz (depois do recente tour do ministro de Relações Exteriores do Irã pelo Golfo), adotando postura maximalista e inflexível no CCG: dissuadir o Xeique Hamad de Fujarah, um dos emirados, a pôr fim a quaisquer negociações com Teerã; e postou-se em decidida oposição aos líderes de Omã, Emirados Árabes Unidos e Qatar: Faisal acusou Omã, e o Qatar em particular, de continuarem a enviar fundos à Fraternidade Muçulmana – que a Arábia Saudita trabalha para destruir.

A posição dos ministros de Omã, rejeitando a união, é, provavelmente, partilhada por outros estados do Golfo, embora nada digam publicamente. Sultan Qaboos, que não participou da reunião, ao que se sabe, está tão ofendido pelo surto de fúria dos sauditas contra ele, por ter hospedado conversações secretas entre funcionários dos EUA e do Irã, que teria dado a entender a outros estados do Golfo que está disposto a renunciar à cadeira que lhe cabe no Conselho de Cooperação do Golfo.

Bem claramente, os menores estados do Golfo estão preocupados com como responder à nova postura dos EUA: não se vê qualquer “grande potência” óbvia, que ofereça garantias comparáveis e incondicionais à sobrevivência daquelas monarquias, como as que sempre tiveram dos EUA. A principal preocupação desses estados é assegurar a própria independência e sobrevivência – e num mundo não polar (ou antipolar) – e suprir suas carências de segurança, mais do que  manter “boas relações” (sobretudo com alguma superpotência regional emergente). Mas o que menos desejam é ver-se cooptados numa disputa cada vez mais militarizada entre Arábia Saudita e Irã.

Conselho de Cooperação do Golfo
Daí que as divergências só aumentem entre esses estados do CCG e a Arábia Saudita, seja sobre a Síria seja sobre como tratar o Irã, pós Acordo de Genebra – especialmente agora, com o Irã convocando vigorosamente esses estados a abrir um novo capítulo em suas relações. Há várias notícias de que todos os estados do Golfo querem que os sauditas reúnam-se com o Irã – apesar da onda de fúria que emana do ministério de Saud al-Faisal.

Chuck Hagel
Em resumo, a iniciativa de Hegel para fortalecer a Arábia Saudita no equilíbrio com o Irã, ao apoiar uma configuração militar unificada para o CCG, pode acabar por dividir os membros do CCG, muito mais que fortalecer coisa alguma. Ou, talvez, Hegel já soubesse dessa possibilidade. Nesse caso, ao apostar cinicamente nas cartas dos sauditas (e na expectativa de novas encomendas para a indústria da defesa), Hagel já conta com a possibilidade de que sua iniciativa, depois de inicialmente inflada, esvazie-se, ela mesma.

Outro aspecto das ações de “marcha a ré” dos EUA (reduzir o próprio engajamento militar jamais é ação sem riscos) é mais visível no Afeganistão, na Síria e no Egito.

No Afeganistão, os EUA estão literalmente em retirada, mas querem manter uma força posicionada “atrás”. Não é claro se isso será possível (a rixa com Karzai é profunda). Nem Irã, nem Rússia, nem China querem que tropas estrangeiras permaneçam nessa região. Karzai, sem o apoio dos EUA, é vulnerável, mas não necessariamente “um morto que anda”. Obama procura saída segura do solo afegão e um acordo de segurança: Teerã quer ver todas as forças estrangeiras fora da região, como o presidente Rouhani reiterou essa semana (o Irã tem  1.000 quilômetros de fronteira com o Afeganistão), mas Teerã mesmo assim entende o desejo dos EUA por uma contribuição do presidente Rouhani para o acordo de segurança – e a retirada segura, do Afeganistão, das forças dos EUA. Se esse arranjo se materializar, pode vir a ser um dos pontos chaves de um entendimento em andamento entre os dois lados, que saia do Acordo de Genebra.

Na Síria, os EUA procuram meio para afastar-se com elegância da postura anterior, de “mudança de regime”, para focar, como principal objetivo, derrotar o jihadismo local (que agora, afinal, Obama entende – por cortesia que recebeu dos russos – como grave ameaça). Parece – e nisso a visita do príncipe Bandar à Rússia é significativa: há muitos sinais de que há um “acerto” no ar (mas não, absolutamente não, pode ser considerado garantido).

Bandar bin Sultan
Membros da oposição síria estão dizendo que há acerto russo-norte-americano para permitir que as National Coalition of Syrian Revolution and Opposition Forces (o “Conselho Nacional Sírio”, SNC) integrem a delegação da oposição à conferência Genebra-2. Outras fontes da oposição associaram esse desenvolvimento à visita de Bandar bin Sultan a Moscou. “Se for verdade, será um prêmio de consolação oferecido à Arábia Saudita, para [que eles concordem com a realização] a conferência. E os sauditas, em troca, terão de aceitar a participação do Irã” – disse o líder da oposição. Em apoio a essa hipótese, de que algum “acerto” está sendo montado, o líder do Exército Sírio Livre (FSA), general Idris chocou muita gente quando disse recentemente que o SNC aceitaria que o presidente Assad conduzisse qualquer governo de transição – acrescentando que o FSA provavelmente se uniria ao Exército Árabe Síria na luta contra os jihadistas.

É claro que arranjo desse tipo (a oposição moderada unir-se ao Exército Sírio para derrotar os jihadistas) agradaria aos EUA, mas a Casa Branca ainda desconfia de Bandar. Suspeita que se esteja articulando com conservadores nos EUA, que fazem oposição a Obama, para humilhar, nos EUA a política de Obama para o Oriente Médio. Essa ideia teria sido reforçada, depois do recente ataque pela Frente Islâmica (inventada por Bandar) a arsenais do FSA e roubo de armas e materiais fornecidos pelo ocidente, próximo à fronteira com a Turquia. Foi tal a consternação pela quantidade de equipamentos e armas perdidas, que EUA e Grã-Bretanha suspenderam todas as remessas de suprimentos para os insurgentes (pelo menos por hora).

Evidentemente, o tal “arranjo” – se for o que Bandar ainda tentando fazer – ainda é duvidoso. Pode oferecer as sauditas uma escada pela qual possam sair (o que é importante) e trazer os iranianos (o que também é importante); mas é pouco provável que ponha fim aos conflitos – porque os insurgentes armados mais efetivos continuam rejeicionistas. Assim também muitos da oposição não islamista se tornarão também “rejeicionistas”, se perceberem que o SNC esteja sendo apresentados como a Oposição. Por outro lado, a “implosão” do FSA apoiado por EUA e União Europeia sob pressão da Frente Islâmica pode levar o FSA na direção de apoio mais declarado à permanência de Assad no poder (o que já está implícito nos acordos com a Rússia). Seja como for, o curso dos eventos sírios serão mais provavelmente ditados pela situação em campo, do que em Genebra.

John Kerry
No Egito e Líbano, a ação de “marcha a ré” dos EUA consiste principalmente em buscar a estabilidade. Kerry tentou (sem grande sucesso) consertar as coisas com o general Sisi (com comentários disparatados sobre Mursi). E no Líbano, os EUA estão em surto por causa das eleições presidenciais marcadas para maio do próximo ano. O atual presidente tem fraco apoio para seus esforços para continuar na presidência; mas, ao mesmo tempo, ninguém, seja força local ou externa, tem capacidade para impor um candidato. Essa lacuna soma-se à falta de qualquer governo no Líbano. Em muitos sentidos, a situação do Líbano é aguda, o rei saudita (e algumas forças domésticas) gostariam que o comandante do Exército Libanês atacasse o Hezbollah, enquanto as potências ocidentais (e a Síria) prefeririam que o exército fosse usado contra a entrada de jihadistas no Líbano. Nada parece capaz de impedir o deslizamento na direção de alguma forma de confronto sectário, a menos que o eixo Rússia-Síria-Irã consiga construir alguma entente com os sauditas. Os EUA precisam disso, para “cuidar da retaguarda” norte-americana (e de Israel, claro) – enquanto prosseguem sua “marcha a ré”.

Os trabalhos de saída dos EUA da região, Obama parece estar sugerindo, concentram-se precisamente nessa dura disputa de “interesses”. O rebaixamento do envolvimento dos EUA na região não significa que todos os problemas da área serão resolvidos, mas implica que os EUA não serão mais vistos como encarregados de resolvê-los todos. E depois da quente reação à mudança de Obama, já se vê que a reação está amainando, pelos menos em alguns dos antigos pontos de tensão – embora já se veja que o torvelinho de mudança fundamental pelo qual passa a região já está fazendo aumentar as tensões em novos pontos.




[*] Conflicts Fórum visa mudar a opinião ocidental em direção a uma compreensão mais profunda, menos rígida, linear e compartimentada do Islã e do Oriente Médio. Faz isso por olhar para as causas por trás narrativas contrastantes: observando como as estruturas de linguagem e interpretações que são projetadas para eventos de um modelo de expectativas anteriores discretamente determinam a forma como pensamos - atravessando as pré-suposições, premissas ocultas e até mesmo metafísicas enterradas que se escondem por trás de certas narrativas, desafiando interpretações ocidentais de “extremismo” e as políticas resultantes; e por trabalhar com grupos políticos, movimentos e estados para abrir um novo pensamento sobre os potenciais políticos no mundo.


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