sábado, 14 de dezembro de 2013

“EUA e Irã” - Conflicts Forum, “Comentário Semanal”: 29/11-6/12/2013

13/12/2013, [*] Conflicts Forum
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Acordo Irã e P5+1 em Genebra
Três dinâmicas visíveis marcaram o recente período, desde que foi assinado o Acordo de Genebra, entre o P5+1 e o Irã.

A primeira – até agora – é furiosa ressurgência de guerra “por procuração” [orig. proxy] entre Irã e Arábia Saudita. A Arábia Saudita não respondeu aos ramos de oliveira, e continuou a escalar no Líbano (que se vai tornando perigosamente instável); no Iraque, que se aproxima dos piores níveis de conflito interno, comparáveis ao pico da guerra de 2003; e na Síria, onde Sayyed Hassan Nasrallah alertou recentemente que se devem esperar “duros confrontos” em vários fronts – nos dias que antecedem as negociações de 22/1 sobre a Síria.

Hassan Nasrallah
A mudança, de “ramo de oliveira” para conflitos abertos for marcada por cada um dos lados, à sua própria maneira: Em longa entrevista à televisão, o Secretário-Geral do Hezbollah, que raramente menciona nominalmente a Arábia Saudita, e tradicionalmente evita acusações diretas contra estados árabes, disse que o movimento libanês, de tendência pró al-Qaeda e que se declarou [“com credibilidade”] responsável pela explosão na embaixada iraniana em Beirute, é diretamente apoiado e financiado pela inteligência saudita. Nasrallah também disse que a inteligência saudita esteve por trás do crescimento da violência diária no Iraque; e acrescentou que, na Síria, a Arábia Saudita continuou a frustrar quaisquer conversações, preferindo continuar a trabalhar para alavancar o crescimento (uma quimera) da oposição militar no solo:

A Arábia Saudita está determinada a manter a luta até a última bala e a última gota de sangue [sírio], disse o Secretário-Geral.

Rei Abdullah
Assim também, o rei Abdullah teve, afinal, encontro gelado e muitas vezes adiado com o presidente do Líbano no início desse mês, e não disse mais que algumas palavras esparsas, lacônicas, a Suleiman: respondeu várias vezes com “InshAllah” [“se Deus quiser”], aos pedidos de Suleiman por apoio à sua permanência na presidência; disse “não” à qualquer formação de um governo no Líbano; e, em vez disso, só repetiu que o presidente deveria usar o exército libanês contra o Hezbollah: usar força militar do exército nacional libanês contra uma das maiores forças componentes de seu próprio povo, porque essa força apoia o governo sírio – e essa última demanda foi a essência da mensagem do rei saudita ao presidente do Líbano.

Bandar bin Sultan
Mas, ao mesmo tempo em que não se veem augúrios que sugiram desescalada, muito menos alguma reconciliação entre Arábia Saudita e Irã, pelo menos por hora, há notícias de desacordos dentro da família real saudita: vários dos principais príncipes escreveram ao chefe de gabinete do rei para reclamar das ações do príncipe Bandar, que não estaria cuidando adequadamente dos interesses sauditas. Essa carta de reclamação conecta-se, essencialmente, com a segunda de nossas três dinâmicas, a saber, o crescente isolamento da Arábia Saudita. Vários membros seniores da Casa de Saud estão inquietos com a postura da Arábia Saudita.

De fato, a diplomacia iraniana está empenhada numa campanha “de sedução”, bem preparada e altamente ativa, em toda a região, a qual está deixando a Arábia Saudita muito isolada, em termos diplomáticos – e mesmo dentro do Conselho de Cooperação do Golfo (CCG). O Qatar já conversou até com o Hezbollah (a bête noir dos sauditas); os Emirados Árabes Unidos está fazendo contato com Damasco; o Bahrain convocou a presença dos iranianos na Conferência de Manama; e os Emirados Árabes e outros estados do Golfo receberam bem o Acordo de Genebra — tudo isso ao mesmo tempo em que altos diplomatas iranianos viajam pela região, para dizer aos líderes do Golfo que nada têm a temer de um Irã emergente; e que, isso sim, podem esperar muito de um “reset” do Golfo. 

Bijan Namdar
Zangeneh
Há muito tempo os estados não sauditas do Conselho de Cooperação do Golfo reclamam da “arrogância” saudita. Estão-se abrindo para os ramos de oliveira iranianos (reconhecendo que a política do CCG para a Síria já fracassou) – mesmo sem aprovação dos al-Saud.

E, como parte dessa campanha de isolamento – na abertura da reunião da OPEC na 4ª-feira – o Ministro do Petróleo do Irã, Bijan Namdar Zangeneh, desafiou diretamente a Arábia Saudita no ponto mais sensível de sua anatomia – ao avisar que o Irã tem planos de extrair o máximo de petróleo possível, quando (e se) as sanções forem levantadas, independentemente do efeito que essa ação tenha sobre os preços.

Produziremos 4 milhões, mesmo que o preço desabe para $20.

Na prática, não acontecerá queda dessa magnitude – o preço do petróleo será determinado pelo crescimento da demanda asiática e por mudanças na oferta global; mas a ameaça iraniana pode ter impacto sobre a Arábia Saudita.

Hassan Rouhani
O presidente Rouhani já iniciou significativa campanha de reformas, na esperança de levar a produção de óleo de volta ao nível pré-sanções de 4,2 milhões de barris/dia, nos próximos 18 meses. Na verdade, esses objetivos não são alcançáveis, não importa o cronograma; mas, sim, aumentos significativos são possíveis. Deve-se esperar que o Irã reviva cerca de metade de sua produção offline dentro de 12-18 meses – cerca de 500 mil/750 mil barris/dia; mas um retorno aos níveis pré-sanções deve ser considerado como meta para vários anos, não alguns meses, e o crescimento acontecerá em ritmo mais lento.

O Iraque – em íntima coordenação com o Irã – também declarou que quer voltar aos níveis de produção pré-guerra no prazo de um ano (mas há limitações logísticas, o que significa que o mais provável é que o Iraque não alcance as metas declaradas). E a Líbia (menos plausivelmente) sugeriu que aspira a voltar ao nível dos 2 milhões de barris/dia – desde que (e se) os atuais tumultos cedam.

Ninguém imagina que o Irã realmente deseje que o preço do petróleo caia ao nível do porão, mas a ideia geral é clara: qualquer queda significativa nos preços ferirá a Arábia Saudita, que precisa de que o preço do petróleo fique nos $100. O Irã está “declarando” que o jogo da Arábia Saudita na OPEP é, quase completamente, blefe: a Arábia Saudita tem hoje menos influência no CCG que antes, dado o atual colapso de suas principais políticas; e menos capacidade para usar a OPEP como ferramenta, do que antes.

O crescimento potencial da produção de Irã e Iraque pode vir a ser simplesmente grande demais para que a Arábia Saudita o absorva, dado o crescimento das demandas internas no Reino – o que põe a Arábia Saudita na posição de ter de responder aos fatos, muito mais do que de determinar resultados de mercado.

A reunião da OPEP mostrou que, no que tenha a ver com os discursos de alguns sauditas sobre o Reino “ter de responder” à “traição” de Obama, suas ameaças são, praticamente todas, vazias. Há ceticismo considerável acerca da realidade e da veracidade das declarações sobre alguma nova aliança estratégica com Israel (embora seja bem conhecida, embora jamais reconhecida, a já antiga cooperação entre ambos) – e comentaristas sauditas descartam como “impensável” a ameaça de que os sauditas estariam adquirindo uma “bomba”.  

Para demarcar ainda mais o isolamento dos sauditas, o Ministro do Irã disse a jornalistas que espera que as empresas Exxon Mobil Corp., Royal Dutch Shell Plc, BP Plc, Eni SPA e Statoil ASA investirão no Irã, e que os iranianos se reunirão com empresas internacionais em Londres, em março. A Arábia Saudita sempre preveniu essas gigantes do petróleo contra qualquer envolvimento no Irã. “O Irã ainda não se aproximou das petroleiras norte-americanas”, disse  Zanganeh, embora tenha conversado com algumas empresas (dos EUA) com sede na Europa; e que espera encontrar-se também com as norte-americanas, em março. “Acho que não gostariam que eu as citasse nominalmente” – disse o Ministro iraniano, em entrevista publicada na página do Ministério do Petróleo do Irã, Shana.

Evidentemente, nem só empresas de petróleo fazem fila para conversar com os iranianos. Por todo o mundo, já se formam filas de empresários nos consulados iranianos. Isso está provocando alarme em vários círculos.

George Shultz  (E) e Henry Kissinger (D)
Em artigo publicado no Wall Street Journal, assinado por dois ex-secretários de Estado dos EUA, Henry Kissinger e George Shultz, o duo específica e diretamente alerta (falando das preocupações de ambos em torno do acordo provisório com o Irã) que “para indivíduos, empresas e países (inclusive alguns países aliados), a perda de negócios com o Irã foi economicamente significativa. Muitos estarão menos vigilantes sobre aplicar e respeitar as sanções que são objeto de negociações; e que parecem “estar acabando”.

Esse perigo será aumentado, se se implantar a impressão de que os EUA estejam realmente decididos a reorientar sua política para o Oriente Médio na direção de uma reaproximação com o Irã [negritos de Conflicts Forum]. A tentação será de chegar primeiro, de evitar ser o último a restaurar ou iniciar laços comerciais, de investimento e políticos. Assim sendo, é quase com certeza impraticável a ideia de uma série de acordos provisórios, equilibrando “afrouxamento” e “apertamento” nas sanções. Mais uma onda [de alívio nas sanções] indicará claramente o fim do regime de sanções.

Mas os dois secretários podem ter chegado um pouco tarde demais, com seu alerta.

Grande parte do resto do mundo já está vendo que os EUA precisam baixar o nível de seus compromissos no Oriente Médio, para guardar o fôlego necessário para poder empreender esforços diplomáticos e militares na direção da Ásia. O crescimento do extremismo sunita é ameaça, tanto contra os interesses ocidentais, como contra a estabilidade na região; e o humor dos eleitores norte-americanos, cada vez mais contra novas guerras no Oriente Médio (pesquisas sugerem que os norte-americanos apoiam o Acordo Iraniano, na proporção de 2:1), tudo isso impele os EUA na direção de construir um acordo com o Irã.

Em resumo: as elites sunitas e os movimentos radicais islamistas sunitas (trabalhando para um objetivo partilhado) perderam a guerra que visava a obrigar EUA e Europa a “conter” e sitiar o Irã até conseguir que o país implodisse.

John Hannah
Mas aqui há também há a terceira dinâmica. O movimento contra o Acordo Provisório com o Irã também começa a reunir suas forças. Artigos como o assinado por John Hannah e o de Kissinger e Shultz são prova disso. Hannah assume, implicitamente, que as negociações se travam em torno do poder no Oriente Médio – e alerta contra um Irã, libertado de um pesado regime de sanções, e que poderá emergir como “potência nuclear, de facto, liderando um campo islamista, enquanto aliados tradicionais perdem a confiança na credibilidade dos compromissos norte-americanos e seguem o modelo iraniano (...)”.

No Comentário Semanal anterior, argumentamos que o modelo que as negociações vêm seguindo (foco nos detalhes nucleares técnicos, sem que se tratem as questões mais amplas – e mais cruciais – de um Irã como potência regional emergente) garantiu uma oportunidade de ouro para os opositores que não gostem das implicações políticas, e que tentarão miná-las, servindo-se das implicações técnicas.

O Grupo EU3 já mostrou como minar um processo, quando “copiaram-colaram” a estrutura de “fatiar-como-salame” das negociações do Iraque, para as negociações do Irã em 2004. Os dois secretários de Estado dos EUA dizem claramente que não gostam de um Irã cujas orientação e política os desagrada (esse é o núcleo da primeira parte do artigo, contra o ethos não ocidental do Irã); mas dizem, mais, que a questão é, realmente, o aumento da capacidade do Irã como ator [nuclear] decisivo – acrescentando um caloroso entusiasmo, nada convincente: “devemos estar abertos para a possibilidade de seguir uma agenda de cooperação de longo prazo”. Mas já na sequência, restringem essa “abertura”: Mas não antes de o Irã ter desmontado ou desmobilizado uma porção estrategicamente significativa de sua infraestrutura nuclear [negritos de Conflicts Forum].

Sabem, é claro, que o Irã jamais concordará com isso. Seria modo garantido de não fazer acordo algum; e ambos e seus aliados poderiam suspirar de alívio, e devolver os EUA a um oneroso regime de sanções. O conceito de [ter] “capacidade como ator [nuclear] decisivo” é conceito teórico, segundo o qual se alguém sabe o suficiente sobre enriquecimento, também sabe o suficiente para construir bombas atômicas. Isso, numa visão simplista, é evidentemente verdade; mas todos os estados nucleares, pelos próprios termos dessa definição, têm de ter essa capacidade de ator [nuclear] decisivo. Mas daí não se conclui que não seja possível nenhuma distinção entre uso pacífico da energia nuclear e produção de bombas atômicas.

Barack Obama (E) e Jeff Goldberg (D) (entrevista)
Na verdade, o presidente Obama, em entrevista a Jeff Goldberg, no Atlantic disse exatamente isso; o presidente disse ali que os EUA sabem que o Irã não tem programa de armas; que o país decidiu não ter programa de armas; e que, se mudassem essa decisão, os EUA teriam de saber da mudança, pelo menos um ano antes de ela gerar efeitos. Obama diz que é possível distinguir enriquecimento para fins pacíficos e para produzir armas – se os EUA tiverem esse tipo de garantia de que serão alertados de qualquer mudança na “decisão” do Irã.

Seja como for, os iranianos estão incomodados com artigos desse tipo e com as ameaças que estão vindo de senadores e deputados dos dois partidos, Democrata e Republicano, que pressionam para aprovar mais leis de sanções contra o Irã – apesar do fato de que qualquer nova sanção imediatamente cancelará o Acordo. Há ampla descrença no Irã de que o ‘sistema’ nos EUA (pressuposto oposto a Obama per se) tenha qualquer interesse em construir solução de acomodação com o Irã.

Daí a guerra psicológica [discursiva] entre, de um lado os que falam da “inevitabilidade” de um novo equilíbrio de poder no Oriente Médio, com o advento de um Irã “emergido”; e, de outro lado, os que falam da “inevitabilidade” de sanções de longo prazo, e que se dedicam a exigir que o Irã faça o impossível: que prove definitivamente, completamente e para toda a eternidade – que não fará (seja lá o que for).



[*] Conflicts Fórum visa mudar a opinião ocidental em direção a uma compreensão mais profunda, menos rígida, linear e compartimentada do Islã e do Oriente Médio. Faz isso por olhar para as causas por trás narrativas contrastantes: observando como as estruturas de linguagem e interpretações que são projetadas para eventos de um modelo de expectativas anteriores discretamente determinam a forma como pensamos - atravessando as pré-suposições, premissas ocultas e até mesmo metafísicas enterradas que se escondem por trás de certas narrativas, desafiando interpretações ocidentais de “extremismo” e as políticas resultantes; e por trabalhar com grupos políticos, movimentos e estados para abrir um novo pensamento sobre os potenciais políticos no mundo.

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