4/12/2013, Juan Cole, Informed Comment
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
“Juan Cole erra tudo sobre
Líbia e Síria. Mas, nisso, acerta: mataram Detroit”.
5/12/2013, Pepe Escobar,
Facebook
Trilha sonora sugerida: No Fun [Não
é divertido, não tem graça] (Iggy and the
Stooges). Ouça a seguir:
População de Detroit, de mãos dadas, reza para que não roubem suas aposentadorias e pensões |
O juiz
decidiu que a municipalidade de Detroit pode beneficiar-se do direito de
falência e “reestruturação
financeira”. Significa que as aposentadorias e pensões podem, pelo
menos em parte, ser roubadas dos trabalhadores. (...)
A grande
pergunta é se a bancarrota de Detroit e o declínio, que prossegue, são só uma
rebarba, ou se nos dizem algo sobre o estado distópico em que os EUA estão-se
convertendo. Parece-me que os problemas da cidade são as dificuldades do país
como um todo, especialmente no que tenha a ver com desindustrialização,
robotização, desemprego estrutural, crescimento territorial das propriedades
totalmente gradeadas do 1% e o racismo. O prefeito convocou as famílias que
ainda vivem no oeste da cidade, muito esvaziado, a se mudarem para o centro,
para que possam ser atendidas. Soa-me como o pós-apocalipse. Vez ou outra, os bairros
abandonados pegam fogo; em
pouco tempo, 30 prédios viram fumaça em Detroit.
No auge do
sucesso, nos anos 1950s, Detroit tinha quase 2 milhões de habitantes. Quando me
mudei para o sudeste de Michigan em 1984, ainda viviam 1 milhão de pessoas em
Detroit. Lembro que, na época do censo de 1990, os políticos muito falavam
sobre manter o status de cidade de 1 milhão de habitantes, porque havia um
dinheiro federal extra para essas áreas urbanas, e eles precisavam de todos os
moradores. Conseguiram, por pouco. Mas em 2000 a cidade caiu abaixo de
1 milhão. Em 2010, já eram 714 mil, por aí. Google estima que, hoje, sejam 706
mil. Nada faz crer que não continue a encolher e chegue a nada ou quase nada.
Thomas J. Sugrue |
De 1950 até
hoje, duas coisas aconteceram, de importante, que arruinaram a cidade
industrial. A primeira foi a robotização.
A automação
de muitos processos nas fábricas reduziu o número de trabalhadores necessários,
e produziu desemprego. Foi o golpe do capitalismo industrial, contra os negros
que acorreram para Detroit nos anos 1940s, para escapar de ser boia-fria na
Geórgia e por todo o Sul profundo, onde, quando eles partiram, até esses
empregos já começavam a desaparecer.
Então, a
autoindústria começou a partir, e com ela as indústrias de apoio, para reduzir
gastos com salários, para reduzir custos de produção ou para escapar a leis
regulatórias.
A recusa,
pela população branca, a permitir que os imigrantes negros se integrassem,
gerou forte divisão racista em moradia e educação inadequada para negros
norte-americanos. Ao longo dos anos finais da década dos 1950s e durante a
década dos 1960s, houve fuga substancial de brancos, que deixavam a cidade,
movimento do qual os tumultos raciais de 1967 foram uma continuação. As classes
médias altas, os empresários e os ricos em geral levaram a riqueza com eles
para os arredores da cidade; assim, feriram a base municipal da arrecadação de
impostos. A queda nos impostos arrecadados veio na sequência, somada à migração
das fábricas. Quanto menos a cidade arrecadava, piores os serviços públicos, e
mais gente deixava Detroit. Os negros de classe média alta e ricos começaram a partir
nos anos 1980s e hoje já se foram praticamente todos.
Manifestações em Detroit contra a decisão judicial |
Depois de
todas essas décadas de esperanças desfeitas, é difícil para mim levar a sério
as conversas de que a cidade dará “a volta por cima” ou que algum projeto de
renovação tenha alguma chance de sucesso. Parece-me que hoje se trata de o que
fazer para fixar uma população que, se nada for feito, continuará a partir. A
ideia das “hortas urbanas” parece-me especialmente falha, como hipótese de
solução [tampouco bicicletas e patinetes resolverão alguma coisa!].
Parece
bonito, soa bem, mas hortelãos não ganham dinheiro como operários industriais
urbanos – motivo pelo qual eles sempre deixam as hortas e mudam-se para as
cidades. Ninguém injeta dinheiro na vida de uma cidade economicamente
moribunda, com hortas [nem, tampouco, com
bicicletas e patinetes! (NTs)].
Embora
outras cidades ainda consigam evitar o destino fatal de Detroit, parece-me que
os EUA, como um todo, enfrentam alguns dos problemas intratáveis que essas
cidades enfrentam. E acho que os EUA não temos solução para eles.
Considerem-se,
por exemplo, os robôs (e falo da produção computadorizada e altamente
mecanizada de mercadorias). Mais e mais trabalho automatizado, e mais e mais
avanços na tecnologia de computação, podem aumentar substancialmente a
produtividade. Mas o uso crescente de robôs viola o acordo que os capitalistas
firmaram com os consumidores norte-americanos depois da Grande Depressão: o
capitalismo ofereceria empregos bem remunerados, e os operários, em troca,
comprariam as mercadorias que as fábricas produzissem – num ciclo de consumo.
Se as mercadorias podem ser produzidas sem operários, e se os operários, por
isso, acabam recebendo em troca só desemprego de longo prazo (como em
Detroit)... quem comprará as mercadorias de consumo?
O
capitalismo sobreviverá a uma Detroit. Mas e se, depois de Detroit, vierem
várias Detroits?
Parece-me
que, se a produção divorciou-se do trabalho humano, é preciso deixar para trás
o capitalismo.
Formas
mecanizadas/computadorizadas de propriedade comum também ajudariam a resolver o
problema da crescente desigualdade de renda nos EUA. O 1% está hoje levando
para casa 20% da renda nacional, por mês: mais de 10% a mais, em relação há
algumas décadas. O 1% fez estrago considerável no sudeste de Michigan com seus
mercados desregulados de derivativos e hipotecas podres; o crash de 2008
atingiu duramente a região, que já estava sendo duramente atingida.
O estado da antiga fábrica da Packard em Detroit |
A crise do
capitalismo está sendo adiada por causa do crescimento da Ásia e da emergência
de novos mercados consumidores em pontos nos quais a população está crescendo
rapidamente. As empresas norte-americanas mudaram-se para lá em números que
continuam a aumentar, porque lá encontram mão de obra barata. E deixam
comunidades tradicionalmente de operários, como Detroit, ociosas e abandonadas.
As empresas dos EUA fabricam mercadoria no Vietnã, para vender a consumidores
chineses e indianos. Mas a população mundial parará de aumentar em 2050 e daí
em diante, provavelmente, declinará. Nesse momento, o consumismo terá alcançado
seus limites, porque, de ano em ano, o número de consumidores diminuirá. (E há
também o problema de o consumismo clássico dos anos 1940s e 1950s não ser
ambientalmente sustentável).
Com os
robôs trabalhando para os humanos, energia solar e eólica, e população global
diminuindo, os seres humanos pós-2050 poderão ter, universalmente, alto padrão
de vida. Poderão dedicar suas energias a criar software, biotecnologia
e arte – todas essas atividades sustentáveis. A renda assegurada aos
humanos pelo trabalho dos robôs será renda básica para todos, mas as pessoas
poderão gerar outros ganhos, pelo empreendedorismo ou pela criatividade. E,
porque todos terão uma renda mínima garantida, todos poderão comprar bens extra
e serviços. Esse futuro depende de alguma coisa parecida com esse comunismo do
trabalho robótico, e que que se supere para sempre o racismo, para que todos os
membros das comunas humanas vivam iguais e integrados em novos espaços urbanos
sustentáveis.
Insistir
numa política econômica de capitalismo-tubarão à moda do século 19, quando já
há trabalho mecanizado inteligente e estamos em pleno declínio da indústria
baseada na exploração do trabalho humano que gera Detroits. Detroit é filha do
racismo e dos preconceitos. Encolher o estado, matá-lo de fome e impotência e
cortar serviços, ao mesmo tempo em que se obrigam os operários a trabalhar por
salários cada vez menores (ou, até, expulsando-os para sempre do mercado de
trabalho) gera Detroits. Na essência, Detroit é produto natural dos princípios
do Partido Republicano dominado pelo Tea
Party que os EUA temos hoje. Não funciona. Isso não é o futuro.
O futuro
não é o cadáver de Detroit, nem o governo estadual dos Republicanos em Lansing.
É coisa diferente. A morte lenta e dolorosa de Michigan está tentando nos
ensinar algo: que formas ensandecidas e doentias de globalização, racismo,
robôs a serviço dos ricos são a morte das cidades governadas pelas regras dos
barões ladrões. Precisamos de novas regras.
Nota dos tradutores
[1] É frase bíblica e parece entrar como tal, nesse artigo. Mas é frase
conhecida, também, já ressignificada por Marx:
Na fase superior da sociedade comunista, quando houver
desaparecido a subordinação escravizadora dos indivíduos à divisão do trabalho
e, com ela, o contraste entre o trabalho intelectual e o trabalho manual;
quando o trabalho não for somente um meio de vida, mas a primeira necessidade
vital; quando, com o desenvolvimento dos indivíduos em todos os seus aspectos,
crescerem também as forças produtivas e jorrarem em caudais os mananciais da
riqueza coletiva, só então será possível ultrapassar-se totalmente o estreito
horizonte do direito burguês e a sociedade poderá inscrever em suas bandeiras:
De cada qual, segundo sua capacidade; a cada qual, segundo suas necessidades. (MARX, Karl. “Crítica do Programa
de Gotha”, 1875, onde pode ser lido, em português)
Quer dizer: é muito bonito, no artigo, mas... Com a frase, é hoje já
INDISPENSÁVEL considerar também toda a “Crítica ao Programa de Gotha”, que Marx
escreveu, contra os Lassalistas. No
prefácio, em que apresenta sua edição do manuscrito de Marx, Friedrich Engels
escreveu, em Londres, dia 6/1/1891:
(...) Mas o manuscrito ainda tem uma
outra significação e de maior alcance. Pela primeira vez, a posição de Marx
para com a orientação tomada por Lassalle desde a sua entrada na agitação é
aqui clara e firmemente exposta, e isto tanto no que diz respeito aos
princípios económicos como à táctica de Lassalle. A impiedosa severidade com
que o projecto de programa é aqui dissecado, a inflexibilidade com que os
resultados obtidos são enunciados [e] os pontos fracos do projecto são
mostrados. (...) Lassallianos
específicos já só existem no estrangeiro como ruínas isoladas e o programa de Gotha, em Halle, foi
abandonado mesmo pelos seus criadores, como inteiramente insuficiente
[negritos dos tradutores].
Pelo sim, pelo não, melhor aproveitar, desse artigo, só as informações
sobre o assassinato de Detroit (como Pepe Escobar avisou pelo Facebook)
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