sábado, 7 de dezembro de 2013

Afeganistão: “EUA e o cerco a Karzai”

5/12/2013, [*] MK Bhadrakumar, Indian Punchline
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Reunião da OTAN em Bruxelas de 3-5 de dezembro de 2013
A reunião dos ministros de Relações Exteriores dos países da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) em Bruxelas fez aumentar a pressão sobre o presidente do Afeganistão, Hamid Karzai, para que assine logo o Acordo sobre o Status das Forças [ing. State of the Forces Agreement, SOFA] com os EUA. Até aí, tudo perfeitamente previsível. A pressão psicológica deve ter sido imensa sobre o Ministro de Relações Exteriores em exercício, Zarar Ahmad, e o Ministro do Interior, Mohammad Daudzai, do Afeganistão, com os ministros de 28 países aliados da OTAN e 41 países à volta da mesa, na 4ª-feira à tarde no quartel-general da Aliança em Bruxelas, todos a dizer a mesma coisa: “Rápido, rápido! É p’rá já!”.

Simultaneamente, apareceram duas variantes intrigantes. Uma, o secretário de Estado, John Kerry, introduziu ideia das mais enigmáticas: para ele, não seria necessário que Karzai assinasse o acordo SOFA. Disse claramente que o acordo poderia também ser assinado entre altos funcionários da Defesa dos governos afegão e norte-americano. A impressão inicial foi que Kerry, como parece estar-se tornando sua marca registrada, falara mais do que devia.

John Kerry (E) e Chuck Hagel (D)
Mas o secretário de Defesa, Chuck Hagel, aproveitou a ideia e, dia seguinte, ampliou-a. Hagel disse que:

A questão sobre quem é a autoridade para falar pela nação soberana do Afeganistão, entendo eu, é assunto para os advogados. Seja o ministro da Defesa ou o presidente, alguém com autoridade para assinar pelo Afeganistão… Acho que assim teremos o compromisso de que precisamos.

B. K. Mohammadi
A tentativa temerária, pelo governo Obama, de contornar Karzai – ou, até, pior, de estimular um golpe palaciano em Kabul contra Karzai – é movimento perigoso. Circulam notícias de que os EUA já teriam abordado o Ministro da Defesa, Bismillah Khan Mohammadi (que é tadjique étnico, como também o primeiro vice-presidente, Mohammed Fahim).

É atitude que só faz chamar a atenção para o quão desesperado está o governo Obama para ver fixadas as bases norte-americanas no Afeganistão. Vem à cabeça imediatamente o momento em que Ngo Dinh Diem do Vietnã do Sul entrou diretamente na linha de tiro dos EUA há exatos 50 anos, em agosto de 1963.

Hamid Karzai
Mas... conseguirão intimidar Karzai? O representante especial dos EUA para o AfPak, James Dobbins, já pousou em Cabul. Não sabe sequer se Karzai aceitará recebê-lo. O porta-voz de Karzai, Aimal Faizi, falou em tom desafiador. Disse que Karzai quer “um fim absoluto” de todos os ataques militares norte-americanos contra lares afegãos; e “início significativo” do processo de paz com os Talibã.

Mas... suponhamos que não haja golpe algum em Kabul, que nenhuma usurpação de poder seja possível em Kabul. O que acontecerá na sequência? O governo Obama não parece ter na manga qualquer tipo de Plano B. O general Martin Dempsey, comandante do Estado-Maior das Forças Conjuntas dos EUA revelou na 4ª-feira que a Casa Branca ainda não lhe falou de qualquer “opção zero”.

Disse muito significativamente que “Nada é irreversível”, e que o Pentágono ainda pode inventar um meio de deixar alguma força residual no Afeganistão, se algum acordo estiver assinado até o começo do verão de 2014.

Martin Dempsey
O que se ouve agora é que os EUA só teriam insistido tanto no prazo de dezembro de 2013 para a assinatura do acordo SOFA, porque, como Kerry disse em Bruxelas ontem,

Há mais de 50 países engajados, através da OTAN, em tentar ajudar o Afeganistão. E esses países têm orçamentos cíclicos. Têm exigências de planejamento. Têm exigências de equipamentos. Têm exigências de deslocamento. E essas coisas, para serem bem feitas, têm de ser planejadas.

Fica assim bem claro que o governo Obama não se vê obrigado a entrar em modo de “opção zero” nas próximas semanas; pode também derrubar Karzai.

No verão de 2014, espera-se, a eleição presidencial (marcada para 5/4/2014) já terá acontecido; e Karzai já terá sido encaminhado à lata de lixo da história: esse parece ser o Plano B de Washington.

Buscachi ou Buzkashi, o jogo
Com isso, as próximas eleições de abril viram algo como um Buscachi, o jogo nacional do Afeganistão, no qual jogadores montados a cavalo disputam e lançam um objeto – quase sempre uma carcaça de bode sem cabeça – contra uma meta demarcada. O Buscachi tradicional é jogo sem limite de tempo. Tudo depende agora de o quanto a equipe de Obama saberá jogar duro para instalar suas nove bases militares no Hindu Kush – e salvar a nação afegã dela mesma.




[*] MK Bhadrakumar foi diplomata de carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética, Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e Turquia. É especialista em questões do Irã, Afeganistão e Paquistão e escreve sobre temas de energia e segurança para várias publicações, dentre as quais The Hindu,Asia Times Online e Indian Punchline. É o filho mais velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista, tradutor e militante de Kerala.

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