30/11/2013, The Saker, The Vineyard of the Saker
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Entreouvido na Vila Vudu: Chegaram ordens do alto do morro pra gente “estudar
muito essa p*rra de Ucrânia”, que é prá gente aprendê como é essa p*orra de
“revolução colorida”, que é igual às outras p*rra de “revolução” da TV branco
& preto, desde 1964, mas a gente aki ainda não sabe nem isso. Mande quem
mande, só obedece kemké. Tamos aí.
The Saker |
Quanto à
oposição, usou seus formidáveis recursos para arregimentar gente de toda a
Ucrânia, estados do Báltico e da Polônia, trazidos para Kiev, para um comício
monstro. Para garantir que haveria “massa”, abriram o comício com um show
de rock gratuito. Para completar, os partidos da oposição declararam que estão
criando “um quartel-general da resistência”, cuja primeira tarefa será
organizar uma greve geral nacional na Ucrânia.
Muito impressionante.
E quanto ao
governo “pró-Rússia” de Yanukovich?
Savik Shuster |
Viktor Yanukovich |
Para
arrematar, o governo mandou suas tropas de choque esvaziar a Praça Maidan em
Kiev às 4h da madrugada, o que foi feito com o nível usual de violência
desbragada (dos dois lados). Vídeo abaixo. Azarov então denunciou sua própria tropa de choque
e anunciou a criação de uma comissão especial de inquérito para investigar a
violência e descobrir os responsáveis (não se sabe que outros responsáveis
podem ser algum dia descobertos, além das tropas de choque do próprio Azarov).
Se querem
saber minha opinião: absolutamente patético.
Quanto aos chamados “russos” de Donetsk, organizaram comício anti-União Europeia e pró-Yanukovich, no qual exibiram gigantescas bandeiras amarelo-e-azul da Ucrânia, ao som de “Ode à Alegria” da 9ª Sinfonia de Beethoven – com certeza sem saber que é o hino oficial da União Europeia.
Comparemos
os dois lados envolvidos nessa disputa:
Os
euroburocratas e os nacionalistas ucranianos
Mykola Azarov |
Agora, os
euroburocratas e os nacionalistas ucranianos estão todos no mesmo pé: os dois
lados sentem-se extremamente fracos e os dois lados temem a Rússia e os dois
lados estão falidos e os dois lados esperam que uma vitória política esconda o
fracasso econômico e os dois lados odeiam a Rússia e os dois lados acham que é
crucial negar à Rússia qualquer vantagem (real ou imaginária) que possa extrair
de uma união com a Ucrânia.
É. Todos
esses são sentimentos negativos, carregados de ódio, sentimentos de insatisfação
e inadequação misturados com autoilusão sobre uma sempre esperada, mas para
sempre inalcançável grandeza. Mas sentimentos negativos – sobretudo sentimentos
nacionalistas – podem ser muito poderosos, como Hitler demonstrou com muita
clareza ao mundo.
Os ucranianos
do leste, pressupostos “pró-Rússia”
Yulia Tymoshenko (na prisão) |
Ora! Quem
chantageia e interfere é, completamente, a União Europeia. É o que se vê,
perfeitamente claro, na demanda para libertar Tymoshenko (quando, na Europa,
Berlusconi é acusado por exatamente o mesmo crime – e basta isso, para ver o
duplifalar).
E quanto à
Rússia, nisso tudo?
Começo a
temer que isso tudo venha a explodir numa crise real e muito perigosa para a
Rússia. Primeiro, assumo que os euroburocratas e os nacionalistas ucranianos
podem, sim, prevalecer; e que o presidente Yanukovich ou ficará no “zag” e
reverterá a decisão anterior, ou perderá poder. De um modo ou de outro, me
parece, os nacionalistas ucranianos prevalecerão. Haverá festa e fogos de
artifício em Kiev, tapinhas em mútuas costas arrogantes em Bruxelas, e, na
sequência, abrir-se-ão as portas do inferno, para a Ucrânia. Por quê?
Bem...
Simplesmente porque atar o Titanic ucraniano na popa do Titanic europeu não
salvará ninguém. A União Europeia está naufragando, como a Ucrânia. Nem a União
Europeia nem a Ucrânia têm qualquer ideia sobre o que fazer para deter o
desastre; e os dois lados estão completamente dedicados a esconder a
quebradeira, sob avalanches de retórica cada vez mais estridente, de “conteúdo
político” cada dia mais sórdido. Desnecessário dizer que nem promessas ocas nem
slogans nacionalistas enchem a
barriga dos famintos, e que a economia ucraniana está moribunda e logo entrará
em colapso. Quando acontecer, a prioridade da Rússia terá de mudar: de
sustentar a Ucrânia, para proteger-se contra o caos ucraniano, ali, ao longo de
2.300 km
de fronteira quase completamente desprotegida. Qual o risco para a Rússia?
Divisões linguísticas mostram também divisões étnicas na Ucrânia (clique na imagem para aumentar) |
Ser
arrastada para o caos e a violência inevitáveis que se espalharão por toda a
Ucrânia (inclusive na Península da Crimeia); deter ou, no mínimo administrar
com segurança um provável fluxo de refugiados que procurarão segurança física e
econômica na Rússia; e proteger a economia russa contra as consequências do
colapso da economia ucraniana. A Rússia terá de fazer tudo isso, ao mesmo tempo
em que se mantém distanciada da crise que crescerá dentro da Ucrânia – porque é
absolutamente garantido que os euroburocratas e os ucranianos nacionalistas
culparão a Rússia por todas as suas desgraças.
Nessa
situação, o melhor que a Rússia pode fazer é deixar que os ucranianos mergulhem
em seu inferno nacional, e esperar que um ou outro lado prevaleça. Isso, antes
de tentar enviar alguns “olheiros”, fora dos holofotes políticos, para
verificar se alguém do lado de lá da fronteira começa a recuperar a razão e
está em posição (e tem competência) para começar a reconstruir a Ucrânia e sua
inevitável parceria com a Rússia e o restante da União Eurasiana. Enquanto isso
não for possível, a Rússia deve manter-se o mais distante possível dessa
“revolução”.
Sarajevo no
[rio] Dniepr
Nesse
momento, todos os sinais indicam que a Ucrânia descerá pela “estrada bósnia” e
que as coisas ficarão realmente muito feias. A mistura explosiva que está
fermentando hoje na Ucrânia é exatamente a mesma que explodiu tão terrivelmente
na Bósnia: nacionalistas locais apoiados por imperialistas externos
absolutamente decididos a ignorar qualquer tipo de bom-senso, que se opõem a
qualquer solução negociada – decididos a alcançar a qualquer preço seus
objetivos ideológicos.
Gente mais
racional e sensível talvez ache esse meu cenário excessivamente pessimista. Os
mais céticos, com certeza, nunca ouviram a seguinte piada, muito conhecida:
Um polonês
encontra uma lâmpada mágica e, para limpá-la, dá-lhe uma esfregadela. E salta
um gênio, de dentro da lâmpada: “Sou o gênio da lâmpada e posso conceder-lhe
três desejos”. “Ótimo”, diz o polonês. “Quero que o Exército Chinês invada a
Polônia”. Desejo estranhíssimo, pensa o gênio. Mas, ok, concede o desejo ao
polonês e o Exército Chinês vem da China, invade a Polônia, e retorna à China.
“Agora, o segundo desejo. Por que você não deseja algo mais... construtivo?”,
diz o gênio. “Nada disso”, responde o polonês. “Quero que o Exército Chinês
invada outra vez a Polônia”. E lá vem o Exército Chinês, lá da China, torna a
invadir a Polônia e retorna à China. “Escute aqui”, diz o gênio. “Você tem mais
um desejo. Posso fazer a Polônia o lugar mais rico e belo do mundo.” “Não”, diz
o polonês. “Se você não se incomoda, eu quero que o Exército Chinês invada a
Polônia pela terceira vez.” E assim foi. O Exército Chinês veio, invadiu,
acabou de destruir o que restava da Polônia, e voltou para a China mais uma
vez. “Não entendo!” Disse o gênio. “Por que você pediu que o Exército Chinês
invadisse três vezes a Polônia?” “Ora essa”, respondeu o polonês. “Porque,
assim, eles passaram SEIS VEZES por cima da Rússia”.
Esse é o
tipo de “humor” que pode brotar de um sentimento de inferioridade profundamente
arraigado, combinado a um nacionalismo estridente compensatório. Falem com
qualquer um que conheça um ucraniano nacionalista e verão: os nacionalistas
ucranianos fazem os nacionalistas poloneses parecer sóbrios e ponderados.
Desnecessário
dizer que quando a Ucrânia explodir, os euroburocratas farão ar de quem nada
tem a ver com aquilo e trancarão firmemente as fronteiras respectivas. E os
líderes dos partidos nacionalistas ucranianos fugirão rapidamente para o
ocidente, onde logo arranjarão bons empregos em universidades, think-tanks
e ONGs. E o povo ucraniano será deixado lá, matando-se uns os outros, num
oceano de lágrimas de crocodilo derramadas pela chamada “comunidade
internacional”?
Lasciate
ogne speranza, voi ch'entrate? [1]
Espero
sinceramente estar errado, e que surja algum indivíduo ou movimento, do atual
caos, para impedir que a Ucrânia desabe para um “cenário bósnio”. Mas,
infelizmente, não vejo sinal algum de que possa acontecer no curto prazo. Os
políticos ucranianos fazem triste figura. Os políticos da União Europeia não
fazem melhor. Nos melhores casos, são tediosos, sem imaginação e sem
competências. Na maioria, são mentirosos patológicos, politicamente
prostituídos e tolos delirantes, arrogantes demais e imbecis demais a ponto de
não verem o que salta aos olhos de qualquer analista, nem que apareça diante deles
em letras garrafais.
Fiquem
sabendo: por treinamento e por personalidade, sou pessimista (alguém algum dia
viu analista militar que fosse otimista?). Por exemplo: desde meu primeiro
postado nesse blog, prevejo sempre que EUA-Israel atacarão o Irã, o que ainda
não aconteceu (pior: continuo a prever que, mais dia menos dia, os
israelenses e seu sayanim [heb. “auxiliar, servente”] neoconservador
provocarão um ataque norte-americano ao Irã; se for preciso, haverá um primeiro
ataque, que será atribuído a outros). Várias vezes, portanto, estive errado,
muito errado. E espero, de coração, estar errado também agora. Mas,
infelizmente, não vejo fatos nem argumentos que sugiram, mesmo indiretamente,
qualquer outro melhor cenário para o futuro da Ucrânia. Alguém vê?
___________________
Nota dos tradutores
[1] “Abandonai toda a esperança, vós que
entrais”. Da Divina Comédia, de Dante; sem o ponto de interrogação, é o
que se lê sobre o portal de entrada do Inferno.
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