Rebelião contra o Primeiro Governo Fascista implantado
pelos EUA-Europa no Pós-Guerra
17/5/2014, [*] Lionel Reynolds,
Global Research
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
@akarlin88 Mais
ucranianos morreram em 90 dias de governo dos fascistas aliados dos EUA, que em
três anos de presidência de Yanukovych
É
absoluto, é total escândalo, que EUA, União Europeia e OTAN, com seus/suas “rainhas
da bateria” nas empresas de imprensa comercial, estejam promovendo,
fazendo propaganda e divulgando um governo que deixa correr, com rédeas soltas, os
grupos de fascistas mais ensandecidos, e justamente na área onde se localiza o
coração da classe trabalhadora industrial da Ucrânia.
Membros do Batalhão nazista do Donbass sediado na pequena cidade de Dnipropetrovsk |
Essa semana,
a guerra no leste da Ucrânia continuou, apesar dos referendos realizados em
Donetsk e Lugansk no domingo. Nas circunstâncias, os referendos foram bem
organizados. O grau de acuidade dos resultados pode ser questionado, mas já não
cabe dúvida de que os grupos regionais que se opõem ao regime de Kiev gozam,
sim, de apoio forte e declarado da população.
O regime ucraniano rotulou os “rebeldes” de “terroristas”.
Ao mesmo tempo, recrutaram batalhões de bandidos mascarados e armados dos
grupos de direita e os enviaram para o Donbass. Esses “homens
vestidos de negro”, cuja existência nem a empresa-imprensa mais comercial
consegue negar (ver também em: 14/5/2014, Kiev Post, em: “Volunteer
Donbass Battalion takes up arms to defend Ukraine, defeat separatists”), são pagos,
pelo menos em parte por interesses comerciais e empresariais bem íntimos do
próprio governo de Yatsenyuk. Semana passada, assassinaram civis em Mariupol e
Slavyansk.
Ao longo dos referendos, os veículos comerciais da
imprensa-empresa falaram muito de a votação estar acontecendo “sob mira de
fuzis”. Até que acertaram, dessa vez: os eleitores tiveram de enfrentar o
perigo de serem fuzilados, para conseguir votar. Em Krasnoarmeisk um grupo de
bandidos armados neonazistas pró-governo de Kiev tentou impedir que eleitores
se aproximassem das zonas eleitorais. Ouviram-se tiros e houve civis feridos.
Foi ação sem qualquer lógica militar. Não há motivo algum pelo qual o regime
devesse dar “tratamento especial” ao referendo nessa específica cidade. O mais
provável é que tenha sido ação de puro exibicionismo terrorista, com o objetivo
de intimidar os votantes e criar “noticiário” para a campanha de propaganda
pró-Kiev de toda a imprensa-empresa comercial ocidental. Praticamente com
certeza, foi ato de alguma gangue de bandidos neonazistas pró-Kiev & EUA.
Bem-vindos à Ucrânia-EUA: primeiro governo neofascista na
Europa do pós-guerra
O regime neofascista e seus apoiadores no “bloco
atlanticista” (Washington, União Europeia, OTAN) e a imprensa-empresa comercial
dominante muito falaram sobre os rebeldes do Donbass, que seriam agentes
russos. E ainda insistem em falar da rebelião antifascista como se fosse
terrorismo “pró-russos”.
É possível até que funcione, como propaganda, entre os que
nada saibam do elemento etnocultural russo crucialmente importante dentro da
Ucrânia. RT publicou recentemente matéria interessante sobre correlação
que há entre o empenho com que os norte-americanos apoiam o regime golpista na
Ucrânia, de um lado; e, de outro, a total ignorância dos norte-americanos sobre
a própria Ucrânia que eles, sequer, sabem encontrar num mapa.
Mas se a rebelião fosse “coisa” “pró-Rússia”, por que,
afinal, estaria acontecendo exatamente agora, em 2014. Por que não aconteceu em
2004? É absolutamente óbvio que há mais aí, do que a imprensa-empresa ocidental
mostra.
Onde estão as provas de que os “homens polidos vestidos de
verde” são russos? Provas, não meras fotografias distribuídas por conta de
instagram e “tratadas” para fazer ver dois homens, igualmente barbudos, onde
parece haver um único homem, em duas imagens cortadas-coladas sobre diferentes
cenários. Fosse aquilo verdade confirmada, não há dúvida de que a imagem
estaria em todas as manchetes. O fato de não estar já fala por ele só.
Arsen Avakov, comemora o assassinato de 30 civis na região do Donbass em 6/5/2014 |
O regime ucraniano e seus apoiadores falam dos rebeldes
antigoverno golpista de Kiev como “terroristas”. O ministro do Interior, Avakov,
escreveu recentemente em sua página de Facebook que “a única atitude contra
terroristas é atirar para matar”. Estranho, para dizer o mínimo, vindo de
ministro do Interior de regime que chegou ao poder mediante golpe! E em
fevereiro de 2014? Por acaso não estavam ali, perfeitamente visíveis, todos os
traços e pegadas de terrorismo, pré-organizado, de ataques armados planejados
com antecedência contra a política e as forças de segurança e executados por gangues
de bandidos de extrema direita organizados na praça Maidan, já em fevereiro de
2014?!
Yanukovich fez inúmeras concessões ao movimento da Praça
Maidan e, inclusive, assinou acordo de paz. O atual regime não tomou
conhecimento do acordo que ele próprio assinara. Resolveu que não negociaria
com “terroristas”. A resposta do governo golpista de Kiev e seus apoiadores
norte-americanos foi armar as gangues de bandidos de direita já reunidos na Praça
Maidan e lançá-los, como matilha de cachorros loucos, contra os cidadãos no
Leste da Ucrânia.
Os russos, a Organização de Segurança e Coordenação da
Europa (OSCE) e o Ministério de Relações Exteriores da Alemanha, todos, já se
manifestaram: entendem que o regime golpista de Kiev tem de aceitar o início de
negociações com os rebeldes. De fato, como todos sabemos – apesar das mentiras
do regime ucraniano e do bloco atlanticista – os rebeldes têm considerável
apoio nas suas respectivas regiões. Mas o regime golpista de Kiev-EUA não
aceita negociar: continua a fazer guerra contra civis ucranianos.
Assim sendo, e deixando de lado a propaganda simplória
sobre os tais “agentes russos” e “terroristas pró-Rússia”, é hora de
examinarem-se mais a fundo as razões reais do levante popular antifascista que
se vê em andamento no leste da Ucrânia.
O contexto de fundo
O estado da Ucrânia que temos hoje é recente e pode-se
dizer que seja uma espécie de entidade política artificial, que incorpora
regiões com normas culturais e experiência histórica muito diferentes. Em
linhas gerais, a Ucrânia é constituída de quatro regiões: o Oeste, cujo núcleo
são as províncias (Oblasts) de Galicia, Ternopil e Volhynia; o Centro,
baseado em Kiev e Dnieper; o Sul, que inclui Odessa e Dnipropetrovsk; e o
Leste, essencialmente
o Donbass e Carcóvia.
De fato, os atuais residentes na Ucrânia só coexistiram sob
política unificada em 1939 (deixando de lado, por hora, a complexa história da
Crimeia e de algumas outras pequenas áreas de fronteira).
A Ucrânia central e do oeste, inclusive Kiev, é área em que
predomina o idioma ucraniano. Na Ucrânia do leste, predominam os falantes de
russo como primeira língua; como na maioria das áreas urbanizadas no Sul.
Muitos falantes de ucraniano são ucranianos étnicos. Cerca de 65% dos falantes
de russo são russos étnicos. A Crimeia, já reincorporada à Federação Russa, é
etnicamente e linguisticamente predominantemente russa.
Mapa linguístico da Ucrânia |
Paralelas às distinções étnicas e linguísticas, há também
variações religiosas. Os ucranianos étnicos tendem a pertencer ou à Igreja
Católica Ucraniana (fortemente concentrada no oeste do país) ou à Igreja do
Patriarcado Ucraniano Ortodoxo de Kiev. Os russos étnicos pertencem à igreja do
Patriarcado Ortodoxo de Moscou.
Muitos ucranianos do oeste, e números cada vez maiores de
ucranianos do centro do país e de Kiev, apoiam fortemente um nacionalismo
aspiracional nascido de um senso de destino histórico frustrado. O nacionalismo
ucraniano clássico tem raízes no início do século passado. Como muitos
movimentos nacionalistas europeus, tem inimigos declarados – grupos que ameaçam
ou oprimem a nação, negando-lhe a realização de algum destino manifesto. Para os
nacionalistas ucranianos, o “inimigo” sempre teria sido os judeus, os poloneses
e os russos. No atual clima político, os nacionalistas ucranianos entraram em
modo de ataque ao elemento semita, traço que sempre se observou no nacionalismo
ucraniano clássico. O elemento anti-polonês também sempre foi muito marcado, no
passado.
O inimigo ideológico do nacionalismo ucraniano é o
comunismo, que é visto como uma espécie de “disfarce” a encobrir a dominação
pelos russos étnicos. Sempre houve amargo ressentimento contra os russos,
vistos como responsáveis pelo sofrimento terrível pelo qual passaram os
camponeses ucranianos durante a coletivização forçada da agricultura nos anos
1930s, quando milhões morreram de fome.
Os russos étnicos na Ucrânia têm senso de identidade
completamente à parte. Identificam-se como parte de um espaço etnocultural
pan-russo, e descendem, sobretudo, de duas ondas de colonização. A primeira foi
a criação da Novorossiya, como resultado da expansão imperial russa no
final do século 18. A
segunda, a criação da União Soviética. Os russos étnicos não são tipicamente
comunistas; de fato, o leste da Ucrânia é algo como um reduto comunista dentro
do espaço ex-soviético.
Mapa étinico da Ucrânia |
Além do mais, há grande número de ucranianos que falam
russo. São ucranianos étnicos que foram socializados no idioma russo no
contexto da urbanização industrial. Isso porque nas áreas nas quais predomina o
russo a predominância sempre foi mais comum nas cidades, que no campo.
São dois grupos etnolinguísticos básicos (há outros grupos,
mas relativamente pequenos e sem impacto considerável na questão em curso),
cada um deles com suas específicas memórias históricas partilhadas – o que
tende a reforçar, simultaneamente, tanto a solidariedade intragrupo como a
exclusividade extragrupo.
O que se pode chamar de “etnocultura ucraniana” memorializa
o terrível sofrimento dos tempos das coletivizações soviéticas (interpretadas
sempre como “russas”). É fator usado como justificação histórica básica para a
colaboração de muitos dos ucranianos do oeste, com os nazistas. Mas essa
colaboração jamais foi “simples” e sem oposição, dado que os nazistas alemães
sempre manifestaram o mais absoluto desprezo pelos povos eslavos; o único
interesse dos nazistas sempre foi explorar os sentimentos anti-Rússia, a favor
dos objetivos nazistas.
Por outro lado, o que se pode chamar de “etnocultura russa”
memorializa o horrendo genocídio nas garras dos invasores nazistas e seus
colaboradores, e a eventual vitória do Exército Vermelho. Muitos, o maior
número de ucranianos, lutaram no Exército Vermelho que contra ele, mas, dada a
atual ascendência do nacionalismo ucraniano, esse equilíbrio não se reflete na história
contemporânea como é hoje “reimaginada”.
Os ucranianos étnicos tendem mais facilmente a votar pelo
centro direita, com os partidos burgueses liberais de orientação “ocidental”
[norte-americana e/ou União Europeia & OTAN]. Os russos étnicos tendem mais
a votar pelo centro-esquerda e partidos mais “estatizantes”, de orientação “eurasiana”.
Os partidos nacionalistas praticamente não têm apoio entre os russos. Os
partidos comunistas têm pouco apoio entre os ucranianos.
As duas “etnoculturas” internalizaram narrativas históricas
que são potencialmente antagônicas. Para um lado, o inimigo são os russos
(soviéticos), e os heróis são os nacionalistas ucranianos que combateram contra
os russos (soviéticos) na IIª Guerra Mundial. Para o outro lado, o inimigo são
os nazistas, além dos nacionalistas ucranianos os quais, ou lutaram com os
nazistas ou lutaram contra os soviéticos; e os heróis são os soviéticos –
ucranianos étnicos e russos étnicos.
Numa cultura política pluralista e inclusiva, essas
diferenças não são necessariamente problema insolúvel, desde que os grupos
consigam construir o próprio senso de identidade de modo respeitoso e
tolerante.
Infelizmente, a Ucrânia contemporânea viu crescer uma onda
virulenta de etnonacionalismo entre os que se autoidentificam como “ucranianos”.
Esses nacionalistas rejeitam furiosamente o aspecto “russo” da identidade civil
e política da Ucrânia. Veem a Rússia como inimiga e, no mínimo, desconfiam
muito dos russos étnicos na Ucrânia. Ressentem-se também do uso disseminado do
idioma russo; e dos remanescentes históricos e culturais do Comunismo
Soviético.
Stepan Bandera (ao centro) com farda de coronel do exército nazista na IIa. Grande Guerra |
O confronto resultante de narrativas etnoculturais e
identidades histórico-políticas pode ser exemplificado pela “batalha dos
monumentos”. Em anos recentes, monumentos em homenagem a Stepan Bandera
brotaram por todo o oeste da Ucrânia. Os monumentos em homenagem a Lênin
concentram-se agora quase totalmente no leste e no sul da Ucrânia. Havia um em
Kiev, mas foi derrubado como parte da “ação” do golpe de Maidan. Para muitos,
no leste, Bandera foi criminoso, colaboracionista e fascista. Para muitos, no
oeste, Lênin foi criminoso e precursor das coletivizações stalinistas (além de
ser russo).
Deve-se enfatizar que a Ucrânia conseguiu manter a própria
unidade durante 80 anos, apesar de todas essas diferenças. Mas a unidade da
nação ucraniana está, agora, sob pesado estresse.
A Praça Maidan e o golpe nacionalista
O levante fascista da Praça Maidan, e o golpe subsequente
contra o governo de Yanukovich foi apoiado pelo bloco atlanticista e pela
imprensa-empresa comercial dominante, como se fosse vitória de forças liberais
e democráticas contra regime estatizante, corrupto e – pior! – “pró-Rússia”.
Essa é a narrativa padrão que os atlanticistas usam para “colorir”
as “revoluções” que produzem; é o meio para expor a vitória do lado que
interessa ao bloco atlanticista como se fosse vitória de algum bloco “naturalmente”
democrático; os interesses desse bloco, coincidentemente, correspondem também “naturalmente”
aos interesses do mesmo bloco (i)
atlanticista; e (ii) golpista. Essa
narrativa, como se demonstra aqui, adiante, no caso da Ucrânia, e como se pode
demonstrar também no caso da Síria, é uma sequência de mentiras em cadeia ou,
pelo menos, é uma cadeia em que se ligam mais mentiras, que fatos demonstráveis
e confirmáveis.
A narrativa atlanticista também encobre outro fato
crucialmente importante. O movimento da Praça Maidan e o regime pós-golpe são,
em vasta medida, criação de apenas um dos dois amplos grupo políticos e etnoculturais
que coabitam na Ucrânia. Essa evidência é determinante e tem de ser bem
compreendida para que se possa avaliar com clareza a resposta de muitos no
leste e no sul, aos eventos recentes.
O movimento de protesto de Maidan foi gerado, sobretudo,
pelo sentimento nacionalista ucraniano e por manifestantes do oeste e do centro
da Ucrânia. O regime que está hoje no poder é uma coalizão de três partidos
políticos. O centro de gravidade geográfico dos três partidos está no
Oeste/Centro da Ucrânia, com presença menor no sul (especialmente
Dnipropetrovsk), mas apoio muito atenuado no leste.
Neonazistas do Svoboda desfilam em Kiev com o retrato de Stepan Bandera |
Um desses partidos, o Svoboda fascista (adiante,
mais sobre ele), tem praticamente toda a sua base concentrada exclusivamente no
oeste do país. Nas eleições para o Parlamento, em 2012, o partido fascista Svoboda
recebeu apenas cerca de 1-2% dos votos dos milhões de eleitores do leste
industrializado falante de russo. Mas tiveram mais de 30% dos votos em cidades
do oeste da Ucrânia, como Ternopil e Lyviv.
A natureza anti-russos, como um dos elementos
significativos no novo governo pós-Maidan, já ficou bem evidente desde o
primeiro momento. Ouviram-se vozes que exigiam que o ucraniano fosse tornado
língua oficial obrigatória, com proibição do uso do idioma russo, websites
em russo foram derrubados; estações de televisão que transmitem em russo foram
bloqueadas e jornalistas russos influentes tiveram cancelados os passaportes ou
os vistos de residência ou de passagem pelo país.
Em Kiev,
fascistas russofóbicos andavam acintosamente pelas ruas atacando oponentes; por
exemplo, invadiram e saquearam os escritórios do Partido das Regiões e do
Partido Comunista, e atacaram jornalistas de televisão que divulgavam notícias
favoráveis à reincorporação da Crimeia à Federação Russa, a pedido dos
crimeanos.
E como se
isso não bastasse, à luz do contexto histórico acima exposto, é difícil avaliar
a extensão da ofensa da qual a classe trabalhadora industrial socialista russa
da região do Donbass ressentiu-se, cometida contra ela, quando os mineiros e
trabalhadores deram-se conta de que um golpe do qual não participaram, feito à
revelia deles, havia instalado um novo governo que incluía fascistas do oeste
da Ucrânia.
A natureza
etnocultural viciosa, orientada só por uma visão, cega e surda às diferenças
que dividem o país, marca registrada do golpe da Praça Maidan e do regime que
dali se espalhou para todo o país, terá provocado alguma preocupação entre os
apoiadores atlanticistas – EUA, União Europeia, OTAN, esses bastiões de defesa
do pluralismo e da inclusão? Não e não. Não lhes fez nem cócegas. Por quê?
Porque o único interesse desse grupo era explorar a situação para seu próprio
ganho geopolítico.
Sempre se
tratou exclusivamente de ganhar a Ucrânia para o bloco atlanticista, aprofundar
a presença e o engajamento da OTAN, estender os tentáculos da oligarquia
empresarial da União Europeia; criar mais um estado endividado a ser “depenado”
pelo Fundo Monetário Internacional; e “punir” Putin por ter feito gorar os
esquemas do bloco atlanticista para vaporizar a Síria do Partido Ba’ath e
converter o Oriente Médio em quintal um pouco mais seguro para EUA, União
Europeia, OTAN e Israel – ou, como os “jornalistas” da imprensa-empresa
comercial ocidental denominam o mesmo grupelho: para a “comunidade
internacional”.
Na busca
dessa meta, não apenas o bloco atlanticista tratou os falantes de russo e o
leste de tendências socialistas como se não existissem, mas, também, o bloco “ocidental”
não se envergonhou de alistar-se abertamente ao lado dos fascistas!
O bloco
atlanticista teve de encobrir o fato de que atropelara todas as delicadas
divisões na Ucrânia para obter o que se pudesse apresentar como “vitória”
geoestratégica, pondo sob grave ameaça o próprio tecido da unidade ucraniana
pluralista [que fazia contrapeso ao etnonacionalismo extremista]. Teve de
explicar por que tantos no leste, no sul e na Crimeia puseram-se a protestar em
número crescente, muitos dos quais acenando com bandeiras russas – brandidas
como signo de “nova via”, ante a identidade etnocultural ofendida dos
ucranianos.
Para obter
isso, o bloco atlanticista teve de inventar e distribuir até implantar na
opinião pública uma narrativa histérica, fortemente enviesada anti-Rússia,
conspiracional, na esperança de, mediante essa narrativa histérica, conseguir
empurrar a opinião pública para bem longe do fato de que as divisões na Ucrânia
de hoje foram, de fato, em larga medida PROVOCADAS, numa sequência de eventos
que o bloco atlanticista explorou desavergonhadamente a seu próprio favor e
para seu próprio e exclusivo benefício.
Por exemplo,
segundo o “noticiário” dos veículos de imprensa-imprensa atlanticista, a
Crimeia não se autosseparou da Ucrânia: a Crimeia teria sido invadida. Culpa
dos russos. Assalto, puro e simples, com roubo e ocupação de terras. Não é
verdade. Essa é a versão mentirosa. Essa versão ignora convenientemente o fato
de que, por todas as normas existentes e concebíveis de autodeterminação
nacional democrática – as mesmas que o bloco atlanticista tanto defende quando
lhe interessa, quanto agride quando os interesses mudam – a Crimeia sempre foi,
deve continuar e requereu legalmente para continuar a ser, república autônoma
incorporada à Federação Russa, como deve ser e quer ser.
A Crimeia só
foi dada à Ucrânia em 1954. Antes sempre tivera e nutrira sua forte identidade
russa. O apoio da população crimeana à reintegração
à Federação Russa foi gigante.
Vladimir Putin assina acordo de reintegração da República da Crimeia à Federação russa |
Por que, em
março de 2014, a
Crimeia optou por voltar a ser parte da Rússia? Por que não antes? Por que não
em 2004? A resposta para essas perguntas é que os eventos em Kiev provocaram
completa, compreensível e genuína reação irredentista. [1] Para a Crimeia, o negócio com a “Ucrânia”, concluído em 1954
sem o consentimento formal dos cidadãos, já era assunto velho e ultrapassado.
Etnicamente a Crimeia russa não tinha, como não tem, qualquer interesse em ser
parte integrante de um regime ucraniano nacionalista fantoche do sistema
atlanticista. Especialmente não, se, como se sabe, o atual governo nacionalista
e fantoche de EUA-UE-OTAN é aliado a partidos fascistas.
Quanto ao
crescimento, no leste, do movimento de base contra o governo de Kiev,
especialmente no Donbass, é também um fenômeno puramente reflexivo. Não houve “homens
polidos vestidos de verde e armados” antes que os “fascistas de camisas negras”
tomassem o poder e tratassem o leste russófilo, com ódio russofóbico.
Em Kiev,
membros do Parlamento há muitos meses ameaçavam banir o Partido Comunista e o
Partido das Regiões. Esse tipo de non sense antidemocrático apenas recomeçou
logo depois do referendo de Donetsk, em larga medida porque elementos do
Partido das Regiões e do Partido Comunista haviam tido coragem suficiente para
denunciar que a culpa pelos eventos no Donbass não cabia nem jamais coubera aos
russos, mas, sim, ao regime golpista de Kiev e aos seus patrocinadores
internacionais.
Mas há ainda
um aspecto mais importante que esses. A natureza da rebelião em Donetsk está
sendo sistematicamente distorcida desde o primeiro momento. A imprensa-empresa
fala sempre de que seria movimento “pró-Rússia” ou que seria movimento “separatista”.
De fato, no
plano popular, a rebelião em Donetsk é, antes de tudo, ANTIFASCISTA.
Quem tenha
visto fotos dos cartazes, faixas e pôsteres exibidos nas barricadas em torno de
prédio ocupados ou bloqueios em estradas, ou que tenha visto os cartazes e
faixas exibidos nas manifestações, ou que tenha ouvido os gritos de
“fascistas!” contra as forças ucranianas que atacavam ucranianos em Mariupol ou
Slavyansk, não deixará de perceber que, ali, se trata de a rebelião, antes
de tudo, ANTIFASCISTA.
Mas por que o
povo do Donbass define como fascista, o regime de Kiev? Será simples efeito da
propaganda russa, explorando velhos medos históricos?
O fascismo
ucraniano – de “movimento” a “governo”
Dia 21/2/2014,
o governo de Yanukovich concluiu um acordo de paz com os três principais
partidos que davam base política à liderança dos protestos da Praça Maidan.
Esse acordo foi negociado por Alemanha, França e Polônia. Foi firmado depois de
ataque armado violento, que provocou mais de cem mortos na praça; incluía um
compromisso para construir um governo de unidade nacional; realizar eleições
sem grande demora; anistia a todos os manifestantes; e investigação ampla e
transparente, sob supervisão internacional, para esclarecer os ataques à bala
na praça, contra os manifestantes, que haviam ocorrido nos três dias antes de o
acordo ser assinado.
Se esse
acordo tivesse sido honrado, é altamente provável que a Ucrânia, hoje,
estivesse em situação bem diferente. Mas não foi honrado, e por razão bem
simples – quando a liderança do Parlamento ucraniano levou o acordo ao
conhecimento do “comando” da linha mais dura do “movimento” em Maidan, ele
simplesmente rejeitaram o acordo e, na sequência, lançaram os ataques mais
violentos contra inimigos do regime. Dia seguinte, Yanuokovich desapareceu,
muito provavelmente para tentar salvar a vida (e ainda mais provavelmente, para
tentar salvar o dinheiro). O Partido das Regiões implodiu; e o velho regime foi
alvo de “impeachement”, embora em condições de constitucionalidade e de
legalidade que eram, no mínimo, muito duvidosas.
A força por
trás de tudo isso eram os radicais da Praça Maidan, já nesse momento
mobilizados em torno da liderança do conhecido Pravy Sektor (Setor Direita) –
grupo de fascistas armados. O que temos hoje como “governo de Kiev” – que a
imprensa-empresa chama de “regime de Yatseniuk” – é governo que chegou ao poder
mediante golpe e violência fascistas.
Quanto a
isso, a posição da Rússia sempre foi rigorosamente a mais acertada, a mais
ponderada e a única posição moralmente defensável: a Rússia sempre insistiu em
que se retomassem os termos negociados no acordo do dia 21/2/2014. Os EUA
opuseram-se. E os EUA apoiaram 100% o governo pós-golpe – vale dizer: o governo
dos fascistas – ignorando completamente o acordo de paz multilateral que os
fascistas da Praça Maidan haviam atropelado.
Mas há muito
mais de presença fascista no atual regime de Kiev, que as circunstâncias que
cercam o golpe.
Pode-se
voltar ao ano de 1991, à fundação do Partido Social-nacionalista. Como qualquer
aluno estudante de fascismo sabe, “social-nacionalista” significa Nazi-socialista,
em ordem invertida, só para soar menos apavorante: o significado é o mesmo.
Nacionalismo
social = Socialismo nacional = Nazismo = Fascismo
O Partido
Nacional Social foi inspirado pelo nazismo histórico, e tem conexões com o
nacionalismo radical do oeste da Ucrânia. São grupos cujos tentáculos alcançam
até as torcidas organizadas de times de futebol. Operam uma organização paramilitar,
chamada “Os Patriotas da Ucrânia”, liderada por um dos cofundadores do Partido,
um certo Andriy Parubiy. Só se admitem como membros do partido, ucranianos
étnicos.
Andriy Parubiy, neonazista do Svoboda, tornou-se o no Chefe das Forças Armadas, Polícia e dos Serviços de Inteligência da Ucrânia. |
Curiosamente,
a atual encarnação desse partido nazista é que está hoje no governo da Ucrânia.
E Andriy Parubiy é diretor da Segurança Nacional desse governo... E esse mesmo
governo conta com irrestrito apoio dos EUA, da União Europeia, da OTAN e de
toda a imprensa-empresa comercial planetária.
Em 2004, o
Partido Nacional-Social trocou de nome para Partido “Liberdade” [Svoboda],
e abandonou o símbolo cripto-rúnico que o mundo sempre identificou e sempre
identificará como emblema fascista, e que usara desde os tempos em que o
partido congregava skinheads (já chefiados, então, por Parubiy).
Oleh Tyahnybok com a tradicional saudação nazista |
Naquele mesmo
ano, o líder, Oleh Tyahnybok, o qual, durante os tumultos na Praça Maidan
apareceu nas telas de televisão do mundo ao lado de figuras como Catherine
Ashton e John McCain, fez um discurso, na cerimônia de enterro de um
ex-comandante do Exército Ucraniano colaboracionista; nesse discurso, conclamou
os ucranianos a lutar contra a “máfia judeu-moscovita”, e elogiou a Organização
dos Nacionalistas Ucranianos por terem lutado contra “moscovitas, alemães,
judeus e o resto da escória que queria roubar nosso estado ucraniano”. Esse
discurso está gravado e provocou grave controvérsia na Ucrânia já em 2004.
Quando
aconteceu a Revolução Laranja, o partido era insignificante, mas ao longo da
segunda metade daquela década houve crescimento considerável, sobretudo no
oeste na Ucrânia. Esse desdobramento tem de ser visto no contexto do
crescimento de toda uma extrema direita pan-europeia – organizações como Jobbik
na Hungria; a Frente Nacional na França, e o BNP no Reino Unido. Em 2009, o
partido Svoboda uniu-se à Aliança de Movimentos Nacionais Europeus como
membro-observador; nessa aliança, os ucranianos passaram a ter contato íntimo
(e armado e de treinamento) com fascistas italianos, húngaros, espanhóis e
portugueses.
Em 2009, o
partido Svoboda também conheceu o seu maior sucesso eleitoral,
obtendo mais de 30% dos votos nas eleições da região [oblast] de
Ternopil. Em 2010, tornou-se a maior força na Galicia; e em 2012, nas eleições
parlamentares, obteve 38 assentos com direito a voto; mais de 10% do total de
votos e conseguindo multiplicar por catorze o número de votos recebidos, em
comparação a 2007. No oeste da Ucrânia, o partido Svoboda obteve 40% dos votos;
mas no leste, não alcançou nem 2%.
Nas eleições
de 2012, o partido Svoboda fez um pacto eleitoral com o Partido Batkivshchyna,
de Yatseniuk/Yulia Timoshenko (para derrubar a legislação proposta, que
impediria propaganda fascista na Ucrânia). Depois da eleição, o partido Svoboda
fez acertos no Parlamento com o partido de Yatsenyuk e com o partido UDAR, de
Vitali Klitschko. Esses três partidos constituem o núcleo duro do Parlamento
que se transferiu para a Praça Maidan e, dali, para formar o atual governo
apoiado pelos EUA-União Europeia e OTAN.
Verdade
chocante é que, em 2004, houve a Revolução Laranja e, em 2014, a Revolução das
Camisas Marrons fascistas.
A diferença
entre 2004 4 2014 é o renascimento do fascismo do oeste da Ucrânia, ao longo da
década que separa as duas datas. Assim aconteceu de, hoje, haver na Ucrânia um
governo do qual participam partidos fascistas: é o primeiro caso, na história
da Europa do pós-guerra. Aconteceu com pleno apoio do bloco atlanticista, e em
aliança com nacionalistas burgueses antiesquerda e com os neoliberais
neoconservadores. Hoje, o partido Svoboda conta com cinco membros fascistas,
com cargos no governo da Ucrânia.
O Donbass ,
onde em 2012 havia cerca de 20 votos comunistas para cada voto fascista, vê-se
hoje governado por um regime putschista, constituído de russófobos e de
fascistas ocidentais profundamente anticomunistas.
Militantes do Pravy Sektor |
Há ainda mais
um elemento na cena fascista na Ucrânia e que também está conhecendo
extraordinário renascimento nos últimos seis meses – o facinoroso Pravy Sektor (Setor
Direita). O Setor Direita foi formado de uma associação de vários grupos
paramilitares fascistas, inclusive os Patriotas da Ucrânia, que se organizaram
dentro do Partido Svoboda, quando os fascistas decidiram passar a participar da
vida política nacional oficial na Ucrânia, em 2004.
O Setor
Direita passou a ser a força de rua decisiva durante o levante fascista da Praça
Maidan, e liderou o putsh até expulsar do governo o regime de Yanukovich,
depois que o comando do golpe rompeu o acordo assinado dia 22/2/2014. O Setor
Direita também desempenhou papel significativo ao fornecer voluntários para as
milícias secretas e batalhões ilegais do novo governo. É grupo bem armado, e
recentemente realocou sua liderança, de Kiev para Dnipropetrovsk, com o
explicitado objetivo de estar mais próximo da “ação”, no Donbass.
A
imprensa-empresa comercial dominante tentou pintar o golpe de Maidan e o
governo que dali se originou pela força como alguma espécie de “revolução
colorida” – parte da gradual nas inevitável vitória do capitalismo burguês
liberal nos espaços antes ocupados pelo bloco soviético. Mas há muito mais
marrom-cor-de-merda, que de laranja, nessa revolução.
É absoluto, é
total escândalo, que EUA, União Europeia e OTAN, com seus/suas “rainhas da
bateria” nas empresas da imprensa-empresa comercial, estejam promovendo,
propagandeando e divulgando um governo que deixa correr, com rédeas soltas, os
grupos de fascistas mais ensandecidos, e justamente na área onde se localiza o
coração da classe trabalhadora industrial da Ucrânia.
Guerra Civil?
Esse, afinal,
é o contexto real da rebelião no Donbass; e explica não só por que está
acontecendo, mas, também, por que está acontecendo agora.
O regime
ucraniano é regime neofascista que chegou ao poder por ação de golpe violento,
perpetrado por forças nacionalistas de extrema direita. E a Crimeia e o Donbass
levantaram-se contra essa usurpação inconstitucional do poder do estado.
O bloco
atlanticista deu pleno apoio ao golpe e esperava que a Rússia se curvasse
obedientemente à autodeclarada hegemonia global do bloco EUA-UE-OTAN. Putin
tinha outros planos. E a Crimeia voltou a reintegrar-se à Rússia.
A Ucrânia,
apoiada pelo bloco atlanticista, armou grupos fascistas e lançou-os contra o
Donbass. Só conseguiram piorar as coisas, e, no referendo, afinal, o povo do
Donbass declarou, para que todos vissem e ouvissem, a sua própria posição e seu
próprio desejo.
O obsceno
ataque pelas forças fascistas ucranianas contra o Donbass tem de parar. Se não
parar, a Ucrânia deslizará cada vez mais diretamente para a guerra civil. Se
isso acontecer, a culpa será deposta, integralmente, à porta do amaldiçoado
estado-governo imperialista de Washington, da União Europeia e da OTAN.
[*] Lionel
Reynolds é autor/analista
independente dos sítios Global Research, OpEd News, The 4th Media e Strategic Culture
Foundation. Também anima o próprio blog: Dispatches from the
Empire onde posta seus artigos e outros selecionados em vários blogs e
sítios.
Utiliza o twitter: @DispFromEmpire
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Nota dos tradutores
[1] Irredentismo indica a
aspiração de um povo a completar a própria unidade territorial nacional,
anexando terras sujeitas ao domínio estrangeiro ("terras irredentas")
com base em teorias de uma identidade étnica ou de uma precedente posse
histórica, verdadeira ou suposta. O irredentismo, portanto, diz respeito
aos povos que, vivendo em uma terra sujeita à autoridade de um certo Estado,
desejam separar-se deste para fazer parte do estado do qual sentem a
paternidade e a origem, ou constituir um próprio estado nacional separado. Nem
sempre as disputas territoriais são irredentistas, mas frequentemente vêm
colocadas como tais para conquistar o apoio internacional e da opinião pública.
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