1/5/2014, The Saker, The Vineyard of the Saker
Tradução: mberublue
The Saker |
Todo santo dia
produz sua cota de notícias completamente insanas que vêm dos fundões da
Ucrânia/Banderastão. Hoje não é exceção. Vejam vocês mesmos esta manchete do site da
BBC:
“Enquanto a crise se aprofunda, a
Ucrânia restabelece o serviço militar obrigatório”
Para os
telespectadores zumbificados em frente à TV, talvez soe significativo. Mas que
sentido tem isso? Temos que voltar no tempo, para lembrar de onde vem o
exército ucraniano e como era quando da independência do país, da URSS.
Destruí meus
arquivos há tempos e simplesmente não tenho paciência para fuçar na internet
durante horas, na busca do que a Ucrânia herdou da URSS em termos militares. Eu
já tinha conhecimento que eles herdaram o que comumente se chama de “2º escalão
estratégico”, que pode traduzir-se, numa linguagem bem simples, por “sistemas
modernos de armamento, não; mas em grande quantidade”. De repente, me deparei
hoje com um interessante artigo da mídia
russa, que acabou por me fornecer exatamente a informação de que eu
estava precisando: uma descrição do tipo de armamento e de pessoal de que
dispunham as forças armadas ucranianas no início, logo após a independência.
Ucrânia oriental - região revoltada (cor mais escura) contra o "Banderastão" - 1/5/2014 |
Pelo visto, a
Ucrânia tinha:
700.000 militares em
serviço
14 divisões de fuzileiros
motorizados.
4 divisões de tanques
3 divisões de artilharia
8 brigadas de artilharia
4 brigadas Spetsnaz
2 brigadas
aerotransportadas
7 regimentos de
helicópteros de ataque
3 exércitos aéreos (mais
ou menos 1.100 aviões de combate)
1 Exército de Defesa Aérea
independente.
Nada mau, n’é?
Atualmente,
existe todo tipo de especulação sobre o número das forças militares ucranianas.
Essas especulações vão desde várias dezenas de milhares, até uns poucos
milhares. Na realidade, tudo sempre depende do modo de contar e do objeto da
contagem. Deve-se deixar bem claro que de nada adianta contar feijões, se o
exército ucraniano é tão relutante e/ou tão incapaz de esmagar uma rebelião de
apenas algumas centenas de homens armados apoiados por sua vez por alguns
milhares de civis desarmados (falo aqui apenas sobre pessoas que estejam
efetivamente guarnecendo barricadas e ocupando prédios, não sobre simpatizantes
da causa). Falando sério: a insurgência pró-Rússia no leste ucraniano poderia
ter sido vencida só com um batalhão bem treinado de tropas aerotransportadas. O
regime não tem nem isso.
Por quê?
Duas razões
concorrem para esta situação: a primeira é que existe um fluxo constante de
relatórios consistentes e que se confirmam, dando conta de que os insurgentes
pró-Rússia e os soldados ucranianos simplesmente resistem a atirar uns contra
ou outros, mesmo quando recebem ordens nesse sentido. Além disso, consta que
ambos os lados mantêm contatos regulares, tendo firmado um acordo informal de
não atirarem uns nos outros.
A outra razão é,
claro, 22 anos de “democracia”. Não esqueça que apenas nove anos de “democracia” quase destruíram a Rússia, que, por volta de 1998-9, estava à beira de um colapso total. Alguns fatores contribuíram para impedir que acontecesse,
principalmente a nomeação de Putin, mas a Rússia esteve mesmo muito perto de
simplesmente deixar de existir como Estado unitário. Agora pense: se em apenas
8/9 anos, a “democracia” conseguiu causar isso a um gigante como a Rússia, dá
para imaginar o que fez a um país muito menor e fraco, como a Ucrânia,
decorridos 22 anos.
Ativistas expulsam da Procuradoria de Donetsk a guarda do Banderastão em 1/5/2014 |
Raciocine que
se os militares foram apenas e simplesmente abandonados; o resto da economia
foi pilhado, completa e entusiasticamente, pelos oligarcas. Pense em
Berezovski, pense em Khodorkovski e depois multiplique por 10 ou 20; e amplie o
período de constante prevaricação, de nove para 22 anos. Você verá que é muito
surpreendente que ainda exista algo levemente assemelhado a uma economia na
Ucrânia. É verdade que muito do que restou está localizado no leste e é mantido
respirando através do apoio do dinheiro russo. E tenho que dizer que, mesmo não
sendo eu admirador do sistema soviético, reconheço que o simples fato de que a “democracia”
levou tanto tempo para destruir a Ucrânia é testemunho da capacidade de resistência
do que eu gostaria de chamar “dinâmica de capital” deixada pela União
Soviética, para os Estados que a sucederam. A própria Rússia só resistiu ao
absoluto terror econômico dos anos 1990, graças a essa “dinâmica” herdada da
URSS.
É por isso que
não é de se admirar que as pessoas acabem tendo saudade nostálgica da era
soviética – por um mecanismo de defesa, de autoproteção, o ser humano tende a
recordar o que foi bom, muito mais facilmente que o que foi mau (e quem serviu
ao exército e teve treinamento de campo sabe muito bem disso). E se torna
inegável que, comparando-se as atuais promessas vazias e os horrores da “democracia”
e o sistema soviético, o sistema soviético mostre-se muito, mas muito, melhor.
Agora, já é
claro que a Ucrânia eventualmente conseguiu perder tudo o que recebera da União
Soviética. Já não há o impulso da esquerda. A Ucrânia está completamente parada
no tempo e se desintegra com rapidez.
Com tudo isso,
o que dizer da ideia de voltar ao alistamento militar obrigatório de recrutas?
Para dizer
pouco, é estupidez realmente fantástica. Não há outra maneira de dizer.
Primeiro, e por
mais paradoxal que possa soar, a Ucrânia não precisa de militares, e para nada,
pela simples razão de que não pode pagar para tê-los. Na realidade, um país
está MUITO mais seguro sem militares, de que com militares inúteis, porque os
militares podem justificar um ataque de país inimigo, mas a ausência deles
torna um ataque muito improvável, pela falta de justificativa para a agressão,
pelo menos em termos políticos. Mais. Custa décadas e quantia substancial de
dinheiro (re)fazer um militar. Como a Ucrânia na crua realidade não pode pagar
por isso, por que se preocupa?
Também deve ser
levado em conta que a via militar não é a adequada para lidar com insurgências.
Nem com os de língua russa no leste, nem com os banderistas do oeste. Essa é tarefa para forças militares
responsáveis pela segurança interna, que têm equipamento e treinamento
totalmente diferentes do que recebem exércitos regulares. Em outras palavras, a
Ucrânia neste momento necessita primeiro e principalmente de forças
equivalentes à Berkut – precisamente a força que a Junta acabou
de desmobilizar.
Ativistas ocupam a Procuradoria em Donetsk após expulsar guarda do Banderastão em 1/5/2014 |
Agora,
considere a economia. Existiria alguma sabedoria em pôr para fora da economia
um segmento enorme de jovens, precisamente no momento em que eles são mais
necessários, pelo dinamismo e capacidade de produção? Por quanto tempo
permanecerão fora da economia? Leva entre quatro a seis meses, para treinar um
soldado. Depois, o tempo normal de serviço é de seis a 12 meses, dependendo do
sistema que o exército adote. Em outras palavras, um jovem recruta é tirado de
casa, do mercado e da economia, por, no mínimo, um ano completo. Isso – sem
sistema que funcione perfeitamente e sem bom enquadramento jurídico – pode ser
catastrófico.
Além disso, o
que se tornará essa força enorme, mal paga, mal alimentada e mal treinada?
Virará mão de obra escrava, para deleite dos generais. Poderá ser utilizada
para construir casas e reformar estradas, mas, como força de combate, será zero
à esquerda. Acrescente o seguinte: em país quebrando, o que é mais provável que
aconteça, com a força recrutada? Virará distribuição gratuita de armas de fogo.
Finalmente, mas
não menos importante, Turchynov e Iatsenyuk enganam-se a si mesmos: um grande
exército ucraniano não seria menos pró-Rússia, por ser grande. Qual a vantagem
de criar um enorme exército se, na realidade, tudo o que se faz é aumentar o
número de soldados em serviço, os quais mudarão de lado, para acabar ajudando os
civis de língua russa? Não me lembro: mencionei que os maiores centros
populacionais da Ucrânia se localizam no leste?
Francamente: a
proposição de voltar a ter um enorme exército, com o retorno do recrutamento, é
insanidade total, nada mais, nada menos. Só queria saber quais os loucos idiotas
do ocidente que deram a Turchynov e Yatsenyuk essa ideia maluca. McCain?
Hillary? Kerry?
Mas nem tudo
são más notícias. A boa nova é que esse tipo de coisa doida mostra que os
líderes da Junta perderam de vez qualquer noção de realidade. E cada medida
oficialmente e pomposamente anunciada só faz piorar as coisas.
A continuar
este ritmo de besteiras, o fim do Banderastão pode estar bem perto.
The Saker
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