18/5/2014, [*] Pepe Escobar, Tom Dispatch
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
A aliança Rússia-China |
HONG KONG – Um espectro ronda
Washington, visão enervante, enlouquecedora, de uma aliança sino-russa, casada
numa simbiose de comércio e trocas em expansão que cresce e se alastra pela
massa continental de territórios da Eurásia – e à custa dos EUA.
Não surpreende que Washington esteja
ansiosa. Em vários sentidos, aquela aliança já é negócio fechado: através do
grupo das potências emergentes BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do
Sul); na Organização de Cooperação de Xangai, o contrapeso asiático à OTAN; dentro
do G-20; e mediante o Movimento
dos Países Não Alinhados [orig. Non-Aligned Movement, NAM]. Comércio e trocas são só uma parte da
barganha futura. As sinergias no desenvolvimento de novas tecnologias
militares, idem. Depois que estiver implantado o ultrassofisticado sistema
russo de defesa antimísseis, padrão Star
Wars, S-500, em 2018, não há dúvidas de que Pequim
também quererá uma versão para ela. Entrementes, a Rússia está a um passo de
vender dúzias de jatos de combate estado-da-arte Sukhoi
Su-35 aos chineses, com Pequim e Moscou andando a
passos largos para selar uma parceria no campo da indústria da aviação.
Sukhoi Su-35 - características técnicas (clique na imagem para aumentar) |
Essa semana deve fazer ver os
primeiros grandes fogos de artifício na celebração de um novo século eurasiano
que vai nascendo, quando o presidente Vladimir Putin encontrar o presidente da
China Xi Jinping, em Pequim.
Vocês lembram bem do Oleogasodutostão – toda aquela malha de oleodutos e
gasodutos que cruzam a Eurásia e são, de fato, o verdadeiro sistema
circulatório pelo qual caminha e do qual se alimenta a própria vida naquela
região. Agora, o negócio-mãe-de-todos-os-negócios do Oleogasodutostão, no valor
de 1 trilhão de dólares e em preparação há uma década, será afinal posto em
papel e tinta e assinado. Por esse negócio, a gigante russa de energia,
Gazprom, controlada pelo estado, se comprometerá
a fornecer à CNPC [China
National Petroleum Corporation], estatal chinesa, 3,75 bilhões de pés
cúbicos de gás natural liquefeito por dia, por período não inferior a 30 anos,
que se iniciará em 2018. É o equivalente a ¼ do total do gás que a Rússia
exporta para toda a Europa. A demanda diária de gás na China está hoje em torno
de 16 bilhões de pés cúbicos por dia; e as importações respondem por 31,6% do
consumo total.
Malha de oleogasodutos Europa e Oriente Médio (clique na imagem para aumentar) |
A Gazprom pode até continuar a
recolher o grosso de seus lucros da Europa, mas a Ásia será seu Everest. A
empresa usará essa mega-negócio para dar novo fôlego aos investimentos
no Leste da Sibéria, e toda a
região será reconfigurada como fonte privilegiada de gás também para o Japão e
a Coreia do Sul. Se você quiser entender por que nenhum país chave na Ásia deu
ou dará qualquer sinal de querer “isolar” a Rússia em plena crise ucraniana – e em
aberto desafio ao que ordene o governo Obama – basta examinar o que se passa
hoje no Oleogasodutostão.
Sai o petrodólar. Entra o gás-o-yuan
E é quando, por falar de ansiedade em
Washington, há também a considerar o triste destino que espera o petrodólar, ou,
em vez dele, a possibilidade “termonuclear” de que Moscou e Pequim contratem o
pagamento do negócio Gazprom-CNPC, não em petrodólares, mas em yuans chineses.
Difícil imaginar tumulto tectônico maior que esse, com o Oleogasodutostão em
intersecção-somatória com uma crescente parceria de energia sino-russa. E com
ela, cresce também a possibilidade futura de forte impulso, comandado também
por China e Rússia, em direção a uma nova moeda internacional de reserva [1] – de
fato, uma cesta de moedas – que deslocaria o dólar (pelo menos, nos sonhos
otimistas dos países BRICS ).
Imediatamente depois dessa cúpula
sino-russa que tem potencial para mudanças cataclísmicas, começará, em julho, a
reunião de cúpula dos BRICS, no Brasil. É quando, afinal, um banco de
desenvolvimento dos BRICS, com capital de US$
100 bilhões, anunciado em 2012, nascerá oficialmente, como
alternativa possível ao Fundo Monetário Internacional (FMI) e ao Banco Mundial,
como fonte de financiamento de projetos para o mundo em desenvolvimento.
Malha de ferrovias e o Oleogasodutostão unindo Rússia (Sibéria) e China (clique na imagem para aumentar) |
Mais cooperação entre os BRICS, com
vistas a “atropelar” o dólar, aparece também no “gás-o-yuan” – gás natural comprado e pago em moeda
chinesa. A Gazprom já considera, inclusive, lançar papéis especiais em Yuan,
como parte do planejamento para financiar a expansão da empresa. Bônus com
lastro em Yuan já estão sendo comercializados em Hong Kong, Singapura, Londres
e, recentemente, começaram a ser comercializados também
em Frankfurt.
Nada
pode ser mais sensível para o novo Oleogasodutostão, que os contratos serem
assinados em moeda chinesa. Pequim pagará à Gazprom russa nessa moeda (que pode
ser convertida em rublos); a Gazprom acumulará Yuan; e a Rússia, então poderá
comprar montanhas de bens e serviços made-in-China, em Yuan conversíveis em
rublos.
Todos sabem que os bancos em Hong
Kong, do Standard Chartered ao HSBC – além de outros intimamente ligados à
China por cadeias negociais – já vêm diversificando seus portfólios na direção
do Yuan, o que implica que o Yuan pode tornar-se uma das moedas globais de
reserva de facto, antes, até, de que seja totalmente conversível.
(Extraoficialmente, Pequim já está trabalhando na direção de um Yuan totalmente
conversível, já para 2018.)
O negócio Rússia-China de gás é
inextrincavelmente ligado ao relacionamento de energia entre a União Europeia
(UE) e a Rússia. Afinal, o grosso do PIB da Rússia vem de vendas de petróleo e
gás, motivo pela qual a Rússia tanto se empenha em manter o mais perfeito
equilíbrio na gestão da questão ucraniana. Por sua vez, a Alemanha depende da
Rússia para suprir gordos 30% de suas carências de gás natural. Mas imperativos
geopolíticos de Washington – temperados com histeria polonesa – empurraram Bruxelas
a encontrar meios para “castigar” Moscou na futura esfera de energia (sem gerar
riscos para os relacionamentos de energia hoje vigentes).
Há boatos insistentes em Bruxelas nos
últimos dias sobre o possível
cancelamento do Ramo Sul [orig. gasoduto South Stream],
projeto de 16 bilhões de euros, cuja construção deve começar em junho. Depois
de pronto, bombeará mais gás natural russo para a Europa – nesse caso, pelo
subsolo do Mar Negro (contornando a Ucrânia), para Bulgária, Hungria,
Eslovênia, Sérvia, Croácia, Grécia, Itália e Áustria.
Projeto de oleogasodutos do ramo sul e do Nabucco prestes a serem abandonados |
Bulgária, Hungria e República Checa já
deixaram claro que se opõem firmemente a qualquer cancelamento. E não é
provável que se cogite de cancelar coisa alguma. Afinal, a única alternativa é
o gás do Mar Cáspio, do Azerbaijão, e dificilmente acontecerá, a menos que a
União Europeia consiga, repentinamente, mobilizar vontade política e muito
dinheiro para, afinal, e contra todas as expectativas, organizar-se e construir
o fabuloso oleoduto Baku-Tblisi-Ceyhan (BTC), concebido nos anos Clintons, para
deixar na poeira a Rússia e o Irã.
Seja como for, em nenhum caso o
Azerbaijão teria capacidade necessária para suprir os níveis necessários de gás
natural, e outros atores, como o Cazaquistão, assolado por problemas de
infraestrutura, ou o pouco confiável Turcomenistão, que prefere vender seu gás
à China, já estão em boa parte fora do enquadramento. E não esqueçam que o Ramo
Sul, combinado com projetos subsidiários de energia, criarão muitos, muitos
empregos e investimentos, em muitos dos mais economicamente devastados países
da União Europeia.
Mesmo assim, essas ameaças da União
Europeia, embora pouco realistas ou completamente irrealistas, só servem para
acelerar a simbiose crescente entre a Rússia e os mercados asiáticos. Para Pequim,
especialmente, é situação de ganha-ganha. Afinal, entre energia fornecida
através de mares policiados e controlados pela Marinha dos EUA, e rotas
seguras, estáveis e sobretudo terrestres a partir da Sibéria, não é difícil
preferir a Sibéria.
Escolha aí a sua própria Rota da (sua
própria) Seda
Claro que o dólar norte-americano
permanece como principal moeda global de reserva, envolvendo 33% do total das
trocas em moeda estrangeira no final de 2013, segundo o FMI. Mas em 2000, eram
55%. Ninguém conhece a porcentagem em Yuan (e Pequim não abre a boca), mas o
IMF observa que reservas “em outras moedas” em mercados emergentes chegaram a
400%, desde 2003.
O Fed
parece estar monetizando 70% da dívida do governo dos EUA, numa
tentativa de impedir que as taxas de juros tomem o rumo da estratosfera. Jim
Rickards, conselheiro do Pentágono – e de todos os banqueiros que operam em
Hong Kong – tende a acreditar que o Fed está quebrado (mas eles nada dizem aos
jornalistas sobre o tema). Ninguém se atreve sequer a imaginar a extensão de um
possível dilúvio que o dólar dos EUA pode vir a sofrer, sob um Monte Ararat de
$1,4 trilhão de derivativos financeiros. Que ninguém suponha que seria a morte
do capitalismo ocidental; seria só um tropeço do neoliberalismo, essa fé
econômica reinante, e ainda a ideologia oficial dos EUA, da maioria da União
Europeia e de partes da Ásia e da América do Sul.
No que tenha a ver com o
“neoliberalismo autoritário” (como talvez se possa dizer) do Império do Meio,
qual o problema do qual reclamar hoje? A China provou que há alternativa
orientada para resultados ao modelo capitalista ocidental “democrático”, para
nações que visem a ser bem-sucedidas. Trata-se de construir não uma, mas
miríades de novas Rotas da Seda, (vídeo,
em inglês no fim do parágrafo) redes massivas de vias de alta velocidade,
rodovias, oleodutos, gasodutos, portos e redes de fibra ótica por toda aquela
abundância vastíssima de terras que é a Eurásia. Aí se inclui uma estrada do
Sudoeste da Ásia, uma estrada da Ásia Central, uma “via marítima” pelo Oceano
Índico e, até, uma ferrovia de alta velocidade que atravesse o Irã e a Turquia
e chegue diretamente à Alemanha.
Em abril, quando o presidente Xi
Jinping visitou a cidade de Duisburg no Rio Reno, onde há o maior porto de
atracação do mundo, da indústria de aço alemã, fez ali uma proposta das mais
ousadas: uma nova “Rota da Seda econômica” que se deveria construir entre a
China e a Europa, sobre o eixo da ferrovia Chongqing-Xinjiang-Europa, que vai
da China ao Cazaquistão, atravessa Rússia, Bielorrússia, Polônia e, finalmente,
a Alemanha. São 15 dias de viagem por trem, 20 dias a menos que os cargueiros
consomem viajando pelo litoral leste da China. E, sim, seria o terremoto
geopolítico total, em termos de integrar o crescimento econômico por toda a
Eurásia.
Tenham em mente que, se nenhuma bolha
eclodir, a China deve passar a ser – e ficar nessa posição – a maior potência
econômica global... de volta à posição que foi dela durante 18 dos últimos 20
séculos. Mas não contem aos hagiógrafos em Londres; eles vivem da fé de que a hegemonia dos
EUA é eterna, inabalável, que durará, digamos assim, para todo o sempre.
Leve-me para a Guerra Fria 2.0
Apesar de recentes graves lutas
financeiras, os países BRICS seguem trabalhando conscientemente para
converter-se numa contraforça em oposição ao [novamente] G7 – depois que de lá expulsaram
a Rússia, em março. Anseiam por criar uma nova arquitetura
global para substituir a que foi imposta logo depois da IIª Guerra Mundial, e
veem-se, eles mesmos, como desafio possível ao mundo excepcionalista e unipolar
que Washington imagina para nosso futuro (com ela própria no papel de robocop
global, e a OTAN como seu braço-robocop-policial armado). O historiador e líder
de hooliganismo imperialista, Ian Morris, em seu livro War! What is
it Good For? [Guerra! Que utilidade tem a guerra?], define os EUA como o
“globocop” radical e “derradeira esperança da Terra”. Se esse globocop
“desperdiçar sua missão”, escreve ele, “não há plano B”.
Ora... Há, sim, um plano BRICS – ou,
pelo menos, os países BRICS gostam de pensar que haja. E quando os BRICS agem
nesse espírito, no cenário global, eles rapidamente mobilizam e conjuram contra
si uma estranha mistura de medo, histeria e fúria, no establishment de Washington.
Tomem, por exemplo, Cristopher Hill. O
ex-secretário de Estado assistente para o Leste da Ásia e embaixador dos EUA no
Iraque é agora conselheiro do Grupo Albright Stonebridge – empresa de
consultoria com conexões profundas com a Casa Branca e o Departamento de
Estado. Quando a Rússia andava por baixo, Hill gostava de delirar sobre uma
“nova ordem mundial” norte-americana hegemônica. Agora que os russos, esses
mal-agradecidos, estragaram
tudo que “o Ocidente ofereceu” – quer dizer,
“status especial com a OTAN; relacionamento privilegiado com a União Europeia;
e parceria em missões diplomáticas internacionais” – os russos estão, diz ele,
trabalhando para fazer reviver o império soviético! Tradução: se você não é
nosso vassalo, você está contra nós. Bem-vindos à Guerra Fria 2.0.
O Pentágono tem sua própria versão
disso, dirigida nem tanto à Rússia, mas, mais, contra a China, a qual, dizem os
think-tanks especialistas em guerras futuras, já está, em vários
sentidos, em guerra
contra Washington. Assim sendo, se não é Apocalipse-hoje, é
Armageddon-amanhã. E nem é preciso dizer que, com tanta coisa dando errado,
enquanto o governo Obama “pivoteia-se” acintosa e publicamente para a Ásia, e a
imprensa-empresa
nos EUA faz a parte de
reviver uma política da era da Guerra Fria, de “contenção” no Pacífico, tudo é,
sempre, culpa da China.
Embutidos no enlouquecimento geral da
Guerra Fria 2.0, há alguns estranhíssimos fatos em campo: o governo dos EUA,
com dívida interna de $17,5 trilhões e aumentando, contempla um confronto
financeiro com a Rússia, o maior produtor global de energia e grande potência
nuclear, assim como também está promovendo um “cerco” militar economicamente
insustentável contra seu próprio principal credor, a China.
A Rússia conta com considerável
superávit comercial. Bancos chineses gigantescos não terão problema algum em
ajudar bancos russos, se os fundos ocidentais secarem. Em termos de cooperação
inter-BRICS, poucos projetos batem um oleoduto de $30 bilhões, em planejamento,
que
se estenderá da Rússia à Índia, pelo noroeste da China.
Empresas chinesas discutem empenhadamente a possibilidade de participarem na
criação de um corredor
de transporte da Rússia para a Crimeia, além de um aeroporto, um
estaleiro e um terminal de gás natural líquido. E há outro gambito “termonuclear”
em preparação: o nascimento de uma organização equivalente à Organização dos
Países Exportadores de Petróleo (orig. Organization of the Petroleum
Exporting Countries OPEC), que incluirá Rússia, Irã, e, ao
que se noticia, também o
Qatar, super insatisfeito aliado dos EUA.
Os planos de longo prazo (não
declarados) dos BRICS envolvem a criação de um sistema econômico alternativo
que incluirá uma cesta de moedas com lastro em ouro, que deixaria de lado o
atual sistema financeiro global EUA-cêntrico. (Não surpreende que Rússia e
China estejam acumulando a maior quantidade possível de ouro). O Euro – moeda
sólida apoiada em grandes mercados de papéis com liquidez e sólidas reservas de
ouro – será também bem-vindo.
Não é segredo em Hong Kong que o Banco
da China está usando uma rede paralela SWIFT para conduzir todo o tipo de
negócio ou troca comercial com Teerã, apesar do pesado sistema de sanções
comandado pelos EUA. Com Washington manobrando Visa e Mastercard como armas numa campanha econômica de estilo mais
Guerra Fria a cada dia, contra a Rússia, Moscou está a um passo de implementar
sistema alternativo de pagamento e cartões de crédito, não controlado pela
finança ocidental. Via ainda mais fácil seria adotar o sistema
Union Pay chinês, cujas
operações já ultrapassaram, em volume global, o sistema American Express.
Estou só a pivotear-me, eu comigo
mesmo...
Não há “pivotagem” do governo Obama
para a Ásia, para conter a China (e ameaçá-la com o controle
pela Marinha dos EUA
de
todas as rotas marítimas de energia para aquele país) que consiga empurrar
Pequim para longe de sua estratégia autodescrita de “desenvolvimento
pacífico” inspirada em Deng
Xiaoping, e que visa a converter a China em usina global de comércio e
negócios. Nem futuros deslocamentos de soldados dos EUA ou da OTAN para o leste
da Europa, ou outros
movimentos guerra-friistas como esses conseguirão
impedir Moscou de empreender
sua ação de equilibramento: assegurar que a esfera de influência da Rússia na
Ucrânia permanecerá forte, sem comprometer os negócios e o comércio, nem,
tampouco, os laços políticos com a União Europeia – e, sobretudo, com sua
parceira estratégica, a Alemanha. Esse é o Santo Graal de Moscou; uma zona
de livre comércio de Lisboa a Vladivostok, sonho o qual (não
por acaso) é em tudo equivalente ao sonho chinês de uma nova Rota da Seda até a
Alemanha.
Cada vez mais desconfiada contra
Washington, Berlin, por sua vez, detesta a noção de a Europa ser apanhada nas
vascas de uma Guerra Fria 2.0. Os líderes alemães têm peixe maior para fritar,
inclusive tentar estabilizar a oscilante União Europeia, que se vê presa nos
meandros de um colapso econômico nos países do sul e do centro, vendo avançar
os partidos da direita mais extremistas.
Eu fico com 2 namorados, eu fico com o petróleo e eu fico com a potência |
Do outro lado do Atlântico, o
presidente Obama e seus principais assessores e funcionários mostram todos os
indícios de que se vão enredando nas próprias pivotagens e pivoteamento – para
o Irã, para a China, para as fronteiras leste da Rússia e (fora
do radar) também para a África. A ironia de todas
essas manobras, antes de tudo, militares, é que de fato só fazem ajudar Moscou,
Teerã e Pequim a construir sua própria profundidade estratégica na Eurásia e em
outros pontos – como já se vê acontecer na Síria, ou, crucialmente, em mais e
mais novos negócios de
energia. Estão também ajudando
a cimentar a crescente parceria estratégica entre
China e Irã. A narrativa do incansável Ministério da Verdade de Washington
sobre todos esses desenvolvimentos ignora atentamente o fato de que, sem
Moscou, o “ocidente” jamais teria sentado para discutir um acordo nuclear com o
Irã, nem teria conseguido o desarmamento químico de Damasco.
Quando as disputas entre China e seus
vizinhos no Mar do Sul da China e entre aquele país e o Japão pelas ilhas
Senkaku/Diaoyou encontrarem a crise ucraniana, a conclusão inevitável será que
ambas, Rússia e China, consideram suas fronteiras e rotas marítimas como propriedade
privada e não admitirão desaforos sem revidar – ainda que o desaforo venha sob
formato de expansão da OTAN, do cerco militar pelos EUA, ou de escudos de
mísseis. Nem Pequim nem Moscou se curvarão à forma usual de expansão
imperialista, apesar da versão dos eventos que vem sendo servida à opinião
pública ocidental. As respectivas “linhas vermelhas” são e permanecerão
essencialmente defensivas, não importa o trabalho que, vez ou outra, seja
necessário para mantê-las protegidas e seguras.
Seja o que for que Washington deseje,
tema ou tente impedir que aconteça, os fatos em campo sugerem que, nos próximos
anos, Pequim, Moscou e Teerã só farão aproximar-se cada vez mais, lenta mais
firmemente construindo um novo eixo geopolítico na Eurásia. Entrementes, EUA
desnorteados-metendo-pés-pelas-mãos parecem estar ajudando a acelerar a
desconstrução de sua própria ordem unipolar, ao mesmo tempo em que oferecem aos
BRICS uma genuína janela de oportunidade para tentar mudar as regras do jogo.
Rússia e China em modo “Pivô”
Na think-tank-elândia de
Washington, a convicção de que o governo Obama deve focar-se em reencenar a
Guerra Fria mediante uma nova versão de política de contenção para “limitar o
desenvolvimento da Rússia como potência hegemônica” tomou conta de todas as
cabeças. A receita: armas até os ossos os vizinhos, dos estados do Báltico ao
Azerbaijão, para “conter” a Rússia. Guerra Fria 2.0 na veia, porque, do ponto
de vista das elites de Washington, a Guerra Fria, de fato, nunca acabou.
Mas, por mais que os EUA combatam
contra a emergência de um mundo multipolar, de várias potências, fatos
econômicos em campo apontam sempre, regularmente, nessa direção. A questão é
sempre a mesma: o declínio do hegemon será lento e razoavelmente digno e
decente, ou todo o mundo será arrastado para o buraco, na opção que tem sido
chamada de “opção Sansão”?
Zbigniew Brzezinski |
Enquanto se assiste ao espetáculo que
se desdobra, sem fim de jogo à vista, convém manter em mente que uma nova força
está crescendo na Eurásia, com a aliança estratégica sino-russa ameaçando
dominar o coração do mundo e grandes porções das áreas continentais. Ora, do
ponto de vista de Washington, é pesadelo de proporções mackinderescas. Pense, por exemplo, em como Zbigniew Brzezinski, o ex-conselheiro de
segurança nacional, que se tornou mentor de política global do presidente
Obama, veria a coisa.
Em seu livro de 1997, O Grande
Tabuleiro de Xadrez, Brzezinski argumentava que “a luta pelo primado global
continuará a ser disputada” no “tabuleiro” eurasiano, do qual “a Ucrânia era um
pivô geopolítico”. “Se Moscou reconquistar o controle sobre a Ucrânia”,
escreveu ele naquele momento, a Rússia “automaticamente reobterá os meios para tornar-se
poderoso estado imperial, que se estenderá sobre Europa e Ásia”.
É o argumento básico que há por trás
da política imperial de contensão, pelos EUA – da “Rússia próxima”, europeia,
ao Mar do Sul da China. Assim sendo, e sem fim de jogo à vista, fiquem de olho
no pivoteamento da Rússia em direção à Ásia; da China, por todo o planeta; e no
duro trabalho dos BRICS, tentando fazer serviço de parteiros do Novo Século
Eurasiano.
__________________
Nota dos tradutores
Hugo Chávez |
[1] O presidente Hugo Chávez
muito falou dessa petromoeda. Mas é absolutamente IMPOSSÍVEL encontrar hoje,
pelo buscador Google-Brasil, as falas do presidente Chávez! Há uma censura
total, na imprensa-empresa comercial brasileira ‘livre’ [só rindo]. Depois de
muita procura, encontramos, para citar aqui, o que se lê em: Chávez
quer Brasil na Opep e criação da “petro-moeda”; é matéria de 2009, e
nada tem de “fato”: só tem, mesmo, de opinionismo tosco golpista do Estadão.
AQUI FICA, ENTÃO, como NOSSA HOMENAGEM AO PRESIDENTE
HUGO CHÁVEZ.
Chávez insiste que a
aproximação com os países árabes deve incluir a criação de uma nova moeda
internacional e até num Banco Petroleiro Internacional, o que evitaria que os
governos que contam com recursos tenham de colocar suas reservas em investimentos
e fundos nos países ricos. “Temos de pensar nisso”, disse. “Já basta do domínio
do dólar no mundo”, disse Chávez. Ele lembrou que a China e a Rússia irão
sugerir a criação de uma moeda de reserva durante o encontro do G-20.
___________________
[*] Pepe Escobar (1954)
é jornalista, brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e Paris, mas publica
exclusivamente em inglês. Mantém coluna (The Roving Eye) no Asia
Times Online; é também analista de política de blogs e sites como: Tom
Dispatch, Information Clearing House, Red Voltaire e outros; é
correspondente/ articulista das redes Russia Today, The
Real News Network Televison e Al-Jazeera. Seus artigos podem
ser lidos, traduzidos para o português pelo Coletivo de Tradutores da Vila Vudu
e João Aroldo, no blog redecastorphoto.
Livros:
− Globalistan:
How the Globalized World is Dissolving into Liquid War, Nimble Books, 2007.
− Red
Zone Blues: A Snapshot of Baghdad During the Surge, Nimble Books, 2007.
− Obama
Does Globalistan, Nimble Books, 2009.
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