28/5/2014, [*] Moon of Alabama
Traduzido por mberublue
Num entre-copos no
Bar do Xibiu na Vila Vudu, o Mosca Triste perguntou pro Mberublue:
— Uai! E quem será que piscou no Vietnã, no Iraque,
na Síria e agora está piscando no Afanagistão
e no Panaquistão (sic)?
Thomas Friedman |
Thomas Friedman continua a ser o comentarista de política
externa mais imbecil de toda a mídia norte-americana. Hoje ele afirmou que, ao
não invadir a Ucrânia, Putin “piscou”, mesmo sabendo que a Federação Russa
nunca teve essa intenção. A interpretação equivocada que Friedman faz da
história é ainda pior que a sua incompreensão daquilo que está acontecendo bem
embaixo do seu nariz em política externa. Sua coluna de hoje começa
assim:
Em outubro de 1962, em plena crise dos
mísseis em Cuba, houve um instante, quando navios soviéticos que se aproximavam
e estavam a apenas algumas milhas de um bloqueio naval dos Estados Unidos, no
último instante se retiraram, levando o então Secretário de Estado, Dean Rusk,
a dizer uma das mais famosas frases sobre a Guerra Fria: “estávamos olho no
olho. Acho que o adversário piscou”.
...
Como se trata afinal, de putinismo versus
obaminismo, eu gostaria de ser o primeiro a declarar, aqui em minha coluna, que
o adversário – Putin – “piscou”.
Nikita Kruschev na ONU |
Não foi a União Soviética que “piscou” na crise dos mísseis
em Cuba, mas os Estados Unidos. Quem recuou foi Kennedy e não Kruschev.
Os Estados Unidos, já nos idos de 1959/60 tinham planos
para instalar e efetivamente começaram em 1961 as instalações de mísseis
balísticos intercontinentais nucleares na Itália e na Turquia. Esses mísseis “Júpiter”
poderiam atingir Moscou em minutos e dariam aos Estados Unidos a possibilidade
de um primeiro ataque incapacitante contra a União Soviética.
Em abril de 1961
a CIA treinou e apoiou uma força de cubanos exilados
para a invasão de Cuba. Foram derrotados e expulsos de Cuba, mas o incidente
fez aumentar o desejo de Cuba por proteção da União Soviética.
As conversações com Cuba foram iniciadas e um acordo
firmado, cujo escopo era conter a ameaça norte-americana de instalação de
mísseis na Europa através da implantação de mísseis em Cuba, na mesma proporção.
Aconteceu então a “crise dos mísseis de Cuba”, na qual, em
troca da retirada de seus mísseis de Cuba, a União Soviética exigia a retirada dos
mísseis Júpiter da Europa. Também exigiu que os Estados Unidos se
abstivessem de qualquer nova tentativa de invasão de Cuba.
Robert Kennedy |
Kennedy “piscou”, concordando nos seguintes termos:
Ainda naquela noite, mais tarde, houve um encontro secreto entre Robert
Kennedy e o embaixador russo, Anatoly Dobrynin. Chegaram ambos a um acordo
básico: a União Soviética retiraria seus mísseis de Cuba sob a supervisão das
Nações Unidas em troca da promessa de Washington de não invadir Cuba. Em acordo
adicional, os Estados Unidos concordavam em eventualmente remover seus mísseis
Júpiter da Turquia.
Através das instalações dos mísseis Júpiter na Turquia, os
Estados Unidos teriam obtido vantagem. Mas a União Soviética a anulou e no
final os Estados
Unidos recuaram. Cuba nunca mais foi invadida e os mísseis Júpiter na
Turquia foram desmontados. A União Soviética entregou a seus aliados em Havana
garantias de segurança, enquanto os EUA desistiram de garantir os interesses de
seus aliados Itália e Turquia.
A crise ucraniana, iniciada através de um golpe instigado
pelos Estados Unidos, está ainda longe do fim, mas até o momento, o grande
prêmio foi conquistado pela Rússia. A Criméia e seus mares adjacentes com suas
reservas de centenas de bilhões de dólares em reservas de hidrocarbonetos são
novamente parte da Federação Russa. A Ucrânia continua dependente da Rússia para
seus suprimentos de energia e trocas econômicas em geral. Nem União Europeia
nem Estados Unidos darão armas ou dinheiro em quantidade suficiente que garanta
a sobrevivência da Ucrânia. Deixarão o novo governo da Ucrânia no gancho até
ver como ele lidará com a inevitável crise de energia que se seguirá. Enquanto
isso, Rússia e China formam uma nova aliança. No médio e longo prazo, a Rússia
imporá sua vontade à Ucrânia e não há o que os Estados Unidos possam fazer em
relação a isso, a não ser bombardear a Rússia, para mudar o desenrolar dos
acontecimentos.
A administração Kennedy criou
um mito: na crise dos mísseis em Cuba, que foram os soviéticos que
piscaram para encobrir sua própria retirada. Copiando esse mito,
Friedman está criando outro, mais falso ainda. O novo mito é que a Rússia “piscou”
na Ucrânia. O fato de Friedman pensar ser necessária a criação de um novo mito
só pode ser explicado pela necessidade de mais uma vez encobrir a inevitável
retirada dos EUA da Ucrânia.
[*] “Moon of Alabama” é título popular de “Alabama
Song” (também conhecida como “Whisky
Bar” ou “Moon over Alabama”) dentre outras formas. Essa canção aparece na
peça Hauspostille (1927) de Bertolt Brecht, com música de Kurt
Weil; e foi novamente usada pelos dois autores, em 1930, na ópera A Ascensão e a Queda da Cidade de
Mahoganny. Nessa utilização, aparece cantada pela personagem Jenny e suas
colegas putas no primeiro ato. Apesar de a ópera ter sido escrita em alemão,
essa canção sempre aparece cantada em inglês. Foi regravada por vários grandes
artistas, dentre os quais David Bowie (1978) e The Doors (1967). No Brasil,
produzimos versão SENSACIONAL, na voz de Cida Moreira, gravada em “Cida Moreira
canta Brecht”, que tínhamos incorporado às nossas traduções do blog Moon of Alabama, à guisa de homenagem.
Poderia ser ouvida se não tivesse sido retirada do YouTube.
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