segunda-feira, 12 de maio de 2014

Ucrânia: “O referendo no Donbass − Mais um fracasso abjeto da política exterior dos EUA”

12/5/2014, The Saker, The Vineyard of the Saker
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

The Saker
Ainda não são conhecidos os exatos resultados do referendo no Donbass, mas os seguintes três fatos já são inegáveis:

1) A participação foi extremamente alta
3) A junta neonazista fez de tudo, mas não conseguiu fazer fracassar a votação.

Sabemos também que esse referendo será contestado; que a maioria esmagadora dos membros da ONU não lhe reconhecerá a validade. Foi o que “ordenou” o regime reinante, que já declarou que o referendo seria “uma farsa”. Quanto aos esquadrões da morte dos neonazistas no Donbass, o mais provável é que façam as malas e se mudem de lá.

Nessas circunstâncias, uma pergunta bem simples se impõe: O referendo é um “não evento”? Ou tem alguma importância?

Minha posição é que, longe de ser não evento, o resultado desse referendo é desenvolvimento de ENORME importância, imenso, vastíssimo, de fato, uma avalanche. Por quê?

Porque a importância desse referendo não advém de ele ser aceito ou acatado por algum partido, mas do fato de que, agora, já é fato inegável o que, antes, não se podia dar por estabelecido com certeza:

O Donbass não quer ser parte do Banderastão.

Em movimento de desespero, num último esforço para negar o inegável, o New York Times publicou artigo dia 8/5/2014, intitulado Ucranianos querem unidade, não a Rússia, mostram pesquisas – no qual o jornal pretende que a maioria dos ucranianos, inclusive falantes de russo, desejariam permanecer numa Ucrânia unitária. Observe que o quadro do Pew Institute de pesquisas só diz que 70% dos leste-ucranianos, inclusive 58% dos falantes de russo, preferem uma Ucrânia unitária. Como se lê no próprio relatório Pew [tabela a seguir]:


Dentre os ucranianos, 77% dizem que a Ucrânia deve manter-se unida, comparados aos 14% que entendem que as regiões devem ser deixadas fazer a própria independência, se assim o desejarem. No oeste da Ucrânia, que inclui a região central em torno de Kyiv (Kiev), e porções do país que fazem fronteira com Polônia, Eslováquia e Hungria, mais de 9 em cada 10 (93%) entendem que sua nação deve permanecer unificada. Uma maioria menor (70%) no leste do país, que inclui área da costa do Mar Negro e a fronteira com a Rússia – também prefere a unidade. Só no território da Crimeia mais da metade (54%) declaram apoio ao direito de as regiões fazerem a própria independência.

Agora, graças a referendo, esse conto de fadas está morto e enterrado.

Ah, sim, sim, a imprensa-empresa ocidental cumprirá seu dever “patriótico” [só rindo!] e declarará que o referendo foi mal organizado, nada democrático, que as pessoas votaram sob ameaça de armas, etc. De fato, essa parte final é verdade:

– o povo do Donbass teve de ir votar sob ameaça de armas. Mas o problema é que as armas estavam apontadas contra os votantes, e pelos bandidos dos esquadrões da morte da Junta de Kiev. Um desses esquadrões da morte, chamado “Batalhão Especial Dnieper” teve papel especialmente doentio e vicioso, e abriu fogo diretamente contra civis desarmados em Mariupol e em Slaviansk.

Ah, sim, sim! O povo do Donbass votou em área que, sim, foi convertida em zona de guerra de-facto, e sob a ameaça de armas. O terror era palpável em torno dos locais de votação. Mas eram terror, terrorismo e terroristas ucranianos promovidos e inflados pela Junta de Kiev. Em Slaviansk, o povo votou literalmente ao som de tiros e, até, de fogo do morteiro.

E nada disso conteve o povo do Donbass ou o impediu de votar: queriam votar e votaram a favor da soberania.


É claro que eleições podem ser falseadas. Tudo pode ser convertido em farsa. Mas é mais difícil quando a participação é muito alta, com números da ordem dos 75%-100%, onde praticamente todos têm telefone com câmera fotográfica, e multidões estão empenhadamente interessadas em votar e, para fazer isso, permaneceram horas em filas de espera, numa eleição na qual os votos são contados em público diante dos próprios eleitores e cada urna é contada e recontada três vezes, ali mesmo.

A imprensa-empresa ocidental que publique e diga e repita o que bem entender, como fez na Criméia: a batalha do Donbass está perdida para o “ocidente” e a guerra de propaganda, mais hora menos hora, terá de jogar a toalha. Se persistirem na conversa fiada de “agentes russos”, Spetsnaz que se ‘infiltram” ou “terroristas”, só conseguirão se pôr, eles mesmos, em papel cada dia mais ridículo.

Além do mais, esse referendo põe a Junta dos neonazistas em Kiev em situação terrível: não apenas a sua “máquina de repressão” não conseguiu assumir o controle, sequer, de uma única cidade, que fosse (não conseguiu nem cercar Slaviansk!), mas, agora, todos, na gangue da Junta, terão de admitir também para eles mesmos, que a batalha está perdida.

Ainda que as forças “ukies” (terroristas) especiais venham a ser substituídas por unidades reais de combate, que conseguiriam facilmente pôr sob controle várias cidades, isso já não resolverá a questão de o que fazer NA SEQUÊNCIA.

Pensem bem: você afinal “toma”, digamos, Slaviansk; assassinou metade da população e aterrorizou a outra metade. E agora? O que é que você faz? Implanta o equivalente a um batalhão de SS em cada bairro ou cidade do Donbass? Porque é a única fórmula que há, para manter populações permanentemente aterrorizadas. E quanto mais tempo eles lá ficarem, piores ficarão as coisas para o lado do ocupante-terrorista. Quer dizer: que sentido faz “tomar” o Donbass?

Honestamente, não vejo solução no Donbass, nem a favor da Junta, nem a favor do Império anglo-sionista. A coisa mais esperta a fazer seria cortar as perdas e retirar-se completamente das regiões de Lugansk e Donetsk – mas isso criaria imediatamente duas outras dores de cabeça:

primeiro, outras regiões, incluindo Odessa, quase com certeza seguirão o mesmo exemplo; e
segundo, o Donbass é onde mora o dinheiro! É, de longe, a parte mais rica e mais desenvolvida da Ucrânia.

Ter perdido a Crimeia já é perda muito grave; perder o Donbass é muito pior. Mas... como manter o controle sobre região muito grande e complexa, com “milícias” que não conseguem aterrorizar satisfatoriamente nem uma cidade pequena, como Slaviansk?

Nesse momento, um doido-lunático feito Oleg Liashko provavelmente sugeriria artilharia pesada e fogo aéreo, até pôr no chão, em ruínas, qualquer cidade que se rebele. Mais fácil de dizer, que de fazer; há aí dois problemas:

a) não fará aumentar a popularidade da Junta em Kiev; e
b) com absoluta certeza provocará ataque de artilharia/mísseis russos contra posições ukies-neonazistas, e imposição de zona aérea de exclusão.

O comparecimento ao REFERENDUM no Leste da Ucrânia foi de quase 90% e o "SIM" recebeu mais de 85% de aprovação (foto obtida por Maurício Porto)
E, caso as autoridades locais apelem oficialmente à Rússia para dar-lhe proteção, em questão de horas haverá risco real de os bandidos do Setor Direita (Pravy Sektor) e o “batalhão especial do Dnieper” estarem às voltas com degoladores eficientíssimos e absolutamente bem educados, polidos e elegantemente uniformizados de verde, os tais “homens vestidos de verde e armados”. A Rússia pode também mandar algumas equipes especializadas em “distração”, como os Vympel do FSB ou os Zaslon do SVR, pessoal especialista em eliminar todos os comandantes de campo da Junta no Donbass, em ações que, todas, serão perfeitos acidentes.

Resumo final disso tudo é o seguinte: depois do referendo, Kiev ficou absolutamente sem opções viáveis. E Moscou, por sua vez, está cheia de opções, todas bastante boas.

Primeiro, Moscou pode decidir suspender o reconhecimento dos resultados dos referendos, assim como não reconheceu a independência da Ossétia do Sul e Abkhazia até 8/8/2008. A mensagem seria bem simples: “comportem-se corretamente ou, então, será hecatombe-padrão 8/8/2008 na cabeça de vocês”.

Moscou também pode optar por exacerbar deliberadamente a situação e declarar que esse referendo expressa o desejo do povo e que, doravante, Moscou só apoiará solução que reconheça o Donbass como estado soberano e deixará de apoiar todas as que não o reconheçam. Nesse caso, o Kremlin bem pode decidir enviar abertamente conselheiros militares e equipamento militar.

De um modo ou de outro, sabemos que Psaki continuará a negar o óbvio e que Hollande e Merkel tentarão arrancar mais sanções da União Europeia, mas só podem fazer isso; e isso é pouco; e, dito francamente, nada disso preocupa “um peido”, a Rússia.

Mapa étnico-linguístico da Ucrânia
Logicamente, o centro de gravidade da “guerra civil paralisante” ucraniana mudar-se-á para as cidades de Kherson, Dniepropetrovsk, Carcóvia e Zaporozhie, e especialmente Odessa – região ainda maior que a primeira que acaba de votar no referendo. [vide mapa]

A única notícia relativamente boa para a junta neonazista é que as três regiões que, de um modo ou de outro, “separaram-se” da Ucrânia até agora, são as mesmas cuja maioria absoluta da população fala russo. Aparecem em verde escuro, no mapa de idiomas acima. Esse mapa, por falar dele, é “oficial” e gravemente distorcido: de fato, o número de regiões que falam russo como primeira língua é muito maior e inclui Odessa, Dniepropetrovsk e até Kiev – mas isso nem interessa. O que interessa é que o mapa mostra que até a “Kiev oficial” sabia e “em certo sentido até aceitava” que Lugansk, Donetsk e a Crimeia eram menos “ucranianas” que qualquer outra região.

Espero que a Junta prossiga em direção à eleição presidencial (embora ninguém saiba quais as competências e poderes do presidente, porque ninguém sabe o que será a Constituição da Ucrânia, ainda inexistente). De fato, ao remover regiões como Lugansk, Donetsk ou Crimeia, alterou-se o equilíbrio entre falantes de ucraniano e falantes de russo no país. Lembram que Yanukovich sempre vencia eleições por pequenas margens?

Mapa do Leste e Sul da Ucrânia regionalizado. O Donbass está pintado de rosa
Agora pode bem acontecer que uma maioria do povo que permanecer no que venha a ser alguma “nova” Ucrânia, terá, pelo menos, como língua principal, o ucraniano. Mas falar ucraniano não converte ninguém em galiciano banderista em neonazista/neofascista ou em russófobo assassino, e quanto mais regiões pró-Rússia separarem-se do Banderastão, mais a questão nacional sairá do centro da cena, substituída pela questão econômica.

A questão agora é se a Junta neonazista continuará a consumir recursos já praticamente exauridos, para continuar a lutar guerra que não poderá vencer contra o Donbass; ou se concentrará as próprias forças nas quais ainda talvez haja algo a ganhar. Até aqui, o Império Anglo-sionista e sua junta-fantoche fizeram tudo, literalmente tudo, errado: desperdiçaram todas as oportunidades que surgiram para uma solução negociada; rejeitaram inúmeras ofertas de diálogo que Moscou lhes ofereceu; recusaram-se obcecadamente a ver a realidade em campo; e, a cada passo que deram, sempre pioraram as coisas para todos, inclusive para eles mesmos.

Será que o resultado desse referendo no Donbass bastará para forçá-los a abrir os olhos para a realidade? Pessoalmente, duvido muito. Não consigo pensar em um só nome, no governo no ocidente que tenha manifestado um pouco, que fosse, de aproveitável pragmatismo: Obama e Kerry estão claramente desconectados da realidade e ninguém se atreve a desobedecer instruções de doidos-de-hospício.

Será que o Banderastão terá de encolher até reduzir-se só às regiões de Lvov e Ivano-Frankovsk, para abrir os próprios olhos ao fato de que, mais que qualquer outra coisa, são as próprias políticas deles, que se autoderrotam e estão destruindo um país que, por 22 anos, foi conhecido como “Ucrânia”? Honestamente, não sei responder.


The Saker 

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