EJÉRCITO
DE LIBERACIÓN NACIONAL, ELN-COLOMBIA
18/9/2012,
Entrevista concedida a Carlos Lozano (Marcha, Argentina)
Traduzida
pelo pessoal da Vila Vudu
Carlos Marín Guarín |
Desde
que o presidente Santos anunciou o acordo para iniciar negociações de paz com as
FARC, praticamente nada mais se ouviu do Ejército de Liberación
Nacional, ELN.
Até agora, o único a falar fora o dirigente Carlos Marín Guarín, “Pablito”, integrante da Frente Oriental do ELN, onde se localizam os níveis mais intensos de atividade da guerrilha. Em entrevista coletiva da a um grupo de correspondentes nacionais e internacionais, distribuída na Argentina pela rede Cartago TV, Guarín disse apenas que “Como chefe do ELN, cabe a nosso comandante Nicolás Rodríguez Bautista decidir com quem mantém negociações”.
Nicolás Rodríguez Bautista |
Rodríguez
Bautista, conhecido como “Comandante Gabino”, integra a guerrilha desde a
formação, em 1964. De família católica, chegou ao comando em 1998, depois da
morte do sacerdote e dirigente guerrilheiro Manuel Pérez Martínez. O
correspondente do jornal argentino Marcha, que acompanham na Colômbia as
negociações de paz, fez contato com o Comandante Gambino, que concordou em
conceder essa entrevista, na qual o comandante histórico do ELN fala
sobre o que sua organização pensa dessa nova etapa da luta política na
Colômbia.
Marcha:
Por
que só as FARC, não o ELN, participam das negociações de paz
recentemente anunciadas?
Comandante Gabino: Antes de tudo, recebam saudações respeitosas do ELN da Colômbia, com nosso desejo de que mantenhamos aberta essa linha de comunicação. Esperamos que a irmandade de nossos povos nos una sob as bandeiras de nossos grandes, como San Martín, Bolívar, Artigas, o Che, Camilo Torres e tantos outros lutadores pela liberdade e pela democracia.
Respondendo sua pergunta: a única vez que a guerrilha sentou à mesma mesa de negociações foi na década dos 1990 do século passado, nos diálogos com o presidente Gaviria. Todas as outras experiências foram diálogos em separado, com cada força guerrilheira. Mais uma vez, será feito assim. O ELN entende que o mais acertado, para construir um processo de paz, é uma única mesa de negociações para toda a guerrilha. Temos de nos esforçar para chegar lá. É preciso alcançar níveis de unidade e estamos caminhando para conseguir isso. Respeitamos o processo que o governo iniciou com os companheiros das FARC e desejamos a eles o máximo êxito. Confiamos que, adiante, o processo que agora se inicia, de negociações em separado, possa convergir para uma mesma mesa. Exceto algumas diferenças, somos forças com objetivos semelhantes, o que é o mais importante.
Marcha:Quais são hoje, na Colômbia, os requisitos para essa paz que voltou a estar na boca de todos, inclusive do presidente Santos?
Comandante Gabino: A maioria dos colombianos estão cansados de uma guerra interna que já dura mais de 50 anos; os vários setores sociais foram-se organizando e falou-se de uma saída política que leve ao término dos confrontos, como é o caso do Congresso dos Povos, que está organizando um Congresso de Paz para o próximo ano. Também muitas organizações populares e sociais já se manifestaram sobre a urgência de construir a paz. Quando se fala de paz, todos os colombianos e colombianas queremos que o momento chegue. O problema é que entendemos a paz de diferentes modos e a queremos em condições diferentes, conforme a situação e os interesses de cada grupo. As grandes maiorias na Colômbia, inclusive a guerrilha, entendemos que paz é justiça e igualdade social, democracia e soberania. Mas para a classe dominante, paz é o que se consegue quando se derrota o inimigo interno no campo de batalha – palavras do próprio presidente Santos, dias antes de se iniciarem os diálogos com as FARC.
Processo de paz, nas condições colombianas, para que leve a paz estável e duradoura, requer a participação não só da guerrilha e do governo, mas dos vários setores populares que são os que carregam às costas o peso da guerra. A paz é processo longo e dispendioso, contra o qual se alinham inimigos poderosos, os mesmos que lucram muito com a guerra.
Marcha: Como é a situação social, nas comunidades onde o ELN está presente?
Comandante Gabino: Nas comunidades onde o ELN está presente, vive-se em estado de guerra. São os territórios conhecidos como “zonas vermelhas”, submetidos a operações militares e policiais permanentes. Tudo ali é controlado, movimentos, provisões, especialmente alimentos e remédios. Toda a vida da população é vigiada, sob o pretexto de que as pessoas colaboram com a guerrilha. As forças repressivas do governo, aliadas a forças mercenárias paramilitares, atuam com a população como força de ocupação. A população é exposta a todos os tipos de vexames e ações repressivas.
As áreas onde os camponeses subsistem do cultivo de plantas de uso ilícito, como a folha de coca, são castigadas, os proprietários, por serem proprietários das terras, e as plantações por serem consideradas ilegais, todos submetidos à aspersão permanente de um fungicida, Glifosato, que destrói as plantas da folha de coca e também outras plantas, e causa danos irreparáveis a animais e seres humanos, às crianças e aos idosos, sobretudo, e a mulheres grávidas.
Essa repressão já gerou massa considerável de exilados internos, que não podem circular nos centros urbanos, porque são considerados ilegais, e perambulam pelo país, como alvos vivos dos ataques das forças armadas, que os consideram alvo militar. Está gerada uma situação muito grave para numerosas famílias, cuja única proteção é a guerrilha. Passou a ser dever da guerrilha proteger essas pessoas, contra o ataque das forças governamentais. Nada disso é novidade. Essa é uma das explicações pelas quais muitos jovens camponeses, homens e mulheres, não têm alternativa de sobrevivência, além de alistar-se na guerrilha.
Marcha:Em função das experiências anteriores, como o senhor acredita que terminará essa recente nova tentativa de diálogo?
Comandante Gabino: Apesar de diálogos tentados antes não terem tido êxito, vemos com expectativa a possibilidade de um processo sério e realista, que abra caminho para a paz, como desejam as maiorias colombianas, esgotadas em mais de meio século de conflito social e armado, que já ultrapassou todos os limites. A classe dominante não conseguiu derrotar a guerrilha, nem o movimento popular, apesar da violência da guerra suja e do terrorismo de Estado.
As forças governamentais, assessoradas pelos EUA e por Israel, tentaram aplicar aqui a experiência de outras guerras; mas, apesar da violência e da crueldade, nem o movimento popular nem a guerrilha foram derrotados, e se mantêm.
Entendemos que nessa realidade, o caminho certo a seguir é o que chamamos “uma saída política” – que significa que, mediante um diálogo aberto, que envolva não só a guerrilha e o governo, mas as mais variadas expressões populares e sociais, consiga chegar-se a um acordo responsável para superar as causas que produziram o levante armado e ponha fim à confrontação, com solução bilateral e todos possamos cuidar de reconstruir o país, superando a crise profunda que destroçou o tecido social e a convivência normal na Colômbia.
O ELN propôs, há mais de 20 anos, a saída política. Cinco governos anteriores assumiram nossa proposta como sinal de fraqueza e trataram, só, de aproveitar como vantagem militar o nosso interesse em dialogar. Dessa vez, afinal, parece que a classe do poder está assumindo com mais realismo a responsabilidade de construir a paz, como as maiorias reclamam, em nosso país.
Marcha: Como o ELN vê o futuro da guerrilha na Colômbia, para os próximos anos. Consideram a possibilidade de renunciar à luta armada e dirigir toda sua força para a luta política?
Comandante Gabino: Nos levantamos em armas há quase 50 anos, porque a luta popular ampla e legal não recebeu garantias políticas e jurídicas. Quando se alterar essa lógica perversa, e haja garantias e respeito para que a luta popular prossiga, o povo já não precisará de armas para defender seus direitos. Mas essa decisão, hoje, está em mãos da classe que ainda domina a Colômbia; são os únicos que, como se diz, têm a palavra. Se, depois de 50 anos de guerra fratricida, dispõem-se afinal a reconhecer à maioria da população seu direito a justiça e igualdade social, à democracia e à soberania, então, afinal, se poderá avançar para a paz. Claro que não se faz paz por decreto. Mas é urgente que se comece a andar nessa direção.
Não
concebemos que a solução esteja na desmobilização e no desarmamento da
guerrilha. Essa forma já foi tentada e fracassou, porque a essência do conflito
é social; e foi o conflito social que levou ao levante armado. É preciso
portanto ir às causas originárias do conflito, para encontrar soluções. Só assim
será possível superar o conflito e mudar a situação em
campo.
Continua na Parte 2 de 17/9/2012
(a seguir)
Marcha:
Depois
das fortes ofensivas do governo do ex-presidente Uribe, há territórios
liberados, sob controle da guerrilha?
Comandante
Gabino: Nesse
meio século de luta guerrilheira, não houve territórios liberados, no sentido de
territórios nos quais as forças governamentais não podem entrar. Os
desenvolvimentos dessa guerra de quarta geração não permitem territórios vedados
nem para as forças do governo nem para as forcas da guerrilha. O que existe são
extensas regiões nas quais a guerrilha permaneceu por meio século e, embora a
força militar inimiga tenha entrado, não pôde nem aniquilar nem expulsar a
guerrilha. A esses territórios, vários analistas chamam de “zonas vermelhas”.
São regiões de população camponesa de centenas de quilômetro onde o Estado
apenas marca presença com suas forças repressivas.
Marcha:
Arauca é
uma das províncias petroleiras mais importantes da Colômbia, onde o ELN
consolidou presença mediante ações de defesa dos bens comuns e das
comunidades indígenas. Qual a situação atual em Arauca?
Comandante
Gabino:
Propusemos
ao governo e ao país uma proposta soberana e de benefício social para a
exploração do petróleo, mas os governos mantiveram-se surdos, porque sua
política na exploração dos recursos minerais e energéticos é imposta pelo
capital internacional, em troca de financiamento para a guerra contra o povo.
Denunciamos a exploração irracional de petróleo em Arauca e no país, em
detrimento dos interesses dos colombianos, o dano às comunidades indígenas, a
destruição da biodiversidade o grave dano ao meio ambiente. Nossa política tem
várias identidades com a dos trabalhadores do petróleo e da população dessa
região.
Recentemente
desenvolvemos campanha político-militar, de 7/6 a 16/8, contra as forças armadas
que protegem o capital estrangeiro. Tivemos ali oito combates contra o exército,
17 emboscadas, 47 ações de comando, 11 explosões no oleoduto Caño Limón Coveñas,
foram destruídos dois blindados militares e provocamos 105 baixas no exército e
polícia do governo.
Desde
junho, até hoje, a construção do Oleoducto Bicentenario está paralisada,
resultado de ação revolucionária.
É
urgente discutir-se uma proposta de exploração dos recursos minerais e
energéticos, que se baseie na soberania e no bem-estar para os colombianos,
particularmente para os trabalhadores e a gente que vive na região araucana e em
harmonia com o meio ambiente. É preciso pensar no bem-estar e no bem-viver das
futuras gerações. A política do presidente Santos em matéria de minérios e
energia á anti-pátria, a serviço do capital transnacional. E se não for contida,
a Colômbia no futuro será um imenso lixão, sem vida para os seres humanos, com
gravíssimas consequências para a mãe-terra.
Uma
mesa de diálogo com o governo deve por, no centro da discussão a questão
sensível do interesse nacional. O ELN dispõe-se a suspender sua ação
revolucionária contra a infraestrutura petroleira, se se abrir discussão sobre
esse tema, para abrir caminho para uma saída soberana e em benefício das
maiorias.
Marcha:
O governo
de Santos, de algum modo, buscou um equilíbrio com o governo de Chávez,
diferente da pressão belicista que o antigo presidente Uribe mantinha. Veem isso
como positivo?
Comandante
Gabino: Consideramos
que os países do continente americano estão unidos por laços históricos que os
irmanam, apesar de suas diferenças políticas e ideológicas. A classe governante
colombiana não é monolítica, e uma das expressões disso são os mandatários.
Tanto
no primeiro como no segundo mandato, boa parte dos votos que elegeram e
reelegeram Uribe foram conseguidos pelos paramilitares, a sangue, fogo e terror.
Na Colômbia, todos sabem disso. O lema de Uribe como presidente foi a luta sem
quartel contra o terrorismo, para conseguir a chamada “segurança democrática”.
Essa concepção delirante levou-o a ver como acérrimos inimigos todas as
organizações que foram críticas ao seu governo, além de organizações,
personalidades e governos do exterior que o criticaram.
Qualifica
todos esses como terroristas ou auxiliadores de terroristas. Nessa concepção,
atacou o Equador, que é país irmão, e participou das intentonas golpistas contra
o governo do presidente Chávez. Recentemente, o ex-presidente disse que lhe
faltou tempo para atacar a Venezuela e fez campanha na fronteira, buscando
canalizar os setores mais retrógrados, num esforço desesperado para
desestabilizar o governo bolivariano e fortalecer a oposição.
O
presidente Santos é parte de uma grande família de raízes históricas misturadas
com o poder econômico e político colombiano, representante da oligarquia
tradicional. Santos chega à presidência com o caudal eleitoral dos partidos
políticos que representam esse poder oligárquico, mas também muitos eleitores
seguidores e intimidados pelo uribismo, para os quais sua campanha não mostrava
diferenças políticas em relação ao antecessor, que Uribe apenas continuava.
Não
é que o presidente Santos seja profundamente diferente de Uribe, mas tem outro
modo de governar e dá ênfase a pontos que Uribe nunca destacou. Parte disso são
as relações internacionais, dar força à institucionalidade e um pacote de leis
reformistas para o Estado, com forte componente publicitário.
Não
há dúvidas de que a política internacional de Santos é inteligente e está
afinada com a atual fase do capitalismo; e a de Uribe foi torpe e isolou seu
governo, do mundo externo que é
importante para qualquer país.
Marcha:
Organizações
camponesas da Venezuela queixaram-se da alegada presença da guerrilha naquele
país. Qual é a política do ELN nas áreas de fronteira e em relação às
organizações populares da Venezuela?
Comandante
Gabino:
Nossas
frentes de guerrilha no Norte, Nordeste e Leste estão assentadas num amplo
território da fronteira com a Venezuela há mais de 30 anos. Nossos eventos
democráticos definiram nossa política de profundo respeito à soberania,
autodeterminação dos países, governos e povos irmãos e reafirmamos nossa
coerência com esses postulados. A acusação de que nossas forças cruzam a
fronteira é invenção dos inimigos da revolução dos dois lados, do lado
colombiano e do lado venezuelano. Inventaram um escândalo, a serviço dos
interesses que se beneficiam de gerar confusão e animosidade contra as boas
relações entre nossos dois países.
Estamos
informados de uma das recentes campanhas publicitárias, orquestrados pela
oposição venezuelana, na qual nos acusavam de prejudicar as organizações
populares na Venezuela. É muito significativo que aquela campanha tenha sido
patrocinada pelos setores mais duros da oposição venezuelano nos estados de
fronteira entre Colômbia e Venezuela.
Marcha:
Cuba e
Venezuela apresentaram-se como avalistas dos diálogos de paz entre Santos e
as FARC. O ELN
teve diálogo direto com os mediadores desses governos?
Comandante
Gabino:
Os
governos de Cuba e Venezuela trouxeram generosa contribuição nos esforços
anteriores, feitos pelo ELN, em
busca da paz, com os governos de Cesar Gaviria, Andrés Pastrana e Álvaro Uribe.
Temos certeza de que também agora têm a mesma disposição de antes, o que muito
valorizamos, com alto respeito.
Outros
governos do Continente e de outras regiões do mundo, entre os quais a Noruega,
também estão interessados em contribuir para o processo de paz da Colômbia. A
participação da comunidade internacional é vital para que o processo de paz
tenha confiabilidade e êxito, até a paz.
Marcha:
No marco
das negociações de paz atuais, qual pode ser a contribuição do governo
argentino? O que esperam das organizações populares da Argentina e do
continente?
Comandante
Gabino:
Hoje,
quando se tornam maiores as possibilidades de um diálogo do governo com toda a
guerrilha colombiana, solicitamos mais uma vez e respeitosamente ao governo da
presidenta Cristina Fernández, sua contribuição decidida, como parte do grupo de
governos do continente que são amigos da paz da Colômbia. Para a paz na
Colômbia, é indispensável a contribuição da comunidade internacional e dos
países que integram a União de Nações
Sul-americanas (Unasul), a Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América
(Alba) e a Comunidade dos Estados
Latino-americanos e Caribenhos
(Celac), que podem trazer apoio muito positivo.
O
povo argentino que, em sua grandeza, ergueu símbolos como San Martín, Che
Guevara e tantos outros, é irmão do povo colombiano, e suas organizações devem
estreitar laços de união, solidariedade e luta, para construir e sonhar o futuro
de justiça, democracia, soberania e paz que nós todos merecemos.
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