O
confronto mais declarado de todos os tempos
19/9/2012, Mike Allison, Al-Jazeera, Qatar
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Romney critica Obama por não fazer o suficiente para proteger a fronteira EUA-México de "migrantes indocumentados" e não facilitar a movimentação de “trabalhadores documentados” do Sul |
Mike Allison |
Infelizmente,
o que se vê é que o Partido Republicano optou por abordagem mais confrontacional
com a América Latina, que com qualquer outra região do mundo.
A plataforma dos Republicanos
[1] para essa eleição, sobre a liderança
dos EUA na Comunidade do Pacífico asiático, começa com conclamação à
solidariedade: “Somos nação pacífica, com laços econômicos, militares e
culturais com todos os países do contorno oceânico, de Austrália, Filipinas e as
ilhas dos nossos Estados Livremente Associados nas ilhas do Pacífico, até o
Japão e a República da Coreia”.
Mas sua discussão sobre “Estreitar
laços nas Américas” começa mal: “Resistiremos contra influência estrangeira em
nosso hemisfério”. Os Republicanos estão preocupados, sobretudo, com o que
consideram atividade de desestabilização, pelo Irã e o Hezbollah na região
[2]. Mas no momento, ao que parece,
seus medos não são partilhados por nenhum outro governo no hemisfério. E o mesmo
vale para Cuba e Venezuela.
Os
eleitores Republicanos poderiam estar preocupados com ameaças vindas de Cuba e
Venezuela, mas esses países tampouco despertam preocupações entre outros países
da região. Cuba e Venezuela participam atualmente das conversações de paz entre
as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) e o governo da Colômbia.
Nas
questões econômicas, as principais críticas de Romney concentram-se contra a
abordagem do governo Obama para a América Latina; Romney entende que Obama
falhou ao não enviar ao Senado, para rápida ratificação, acordos de livre
comércio com Panamá e Colômbia. O candidato diz que teria feito isso
imediatamente depois da posse, se tivesse sido eleito em 2008.
Sobre o que fará imediatamente
logo no primeiro ano de governo, Romney prometeu [3] “lançar vigorosa diplomacia
pública e esforço de promoção de comércio na região – a Campanha para
Oportunidade Econômica na América Latina [orig. Campaign for Economic
Opportunity in Latin America (CEOLA) – para exaltar as virtudes da
democracia e do livre comércio e construir a partir das vantagens dos acordos de
livre comércio que se obtenham com Panamá e Colômbia, e com os já vigentes com
Chile, México, Peru e os estados-membros do CAFTA (Central American Free
Trade Agreement).
Nada
muda, se não há unanimidade sobre benefícios que os acordos de livre comércio
tragam aos EUA e aos países citados, mas poucos dos países aí não citados da
América Latina – Equador, Bolívia, Venezuela, Brasil, Argentina, Paraguai,
Uruguai e Cuba – estão atualmente interessados no tipo de livre comércio que os
EUA exportam. E não se trata de explicar, mais uma vez, àqueles países, os
benefícios do livre comércio. Melhor fariam os EUA se reforçassem os acordos
vigentes com nossos parceiros comerciais no hemisfério, cuidando de oferecer às
populações mais vulneráveis na região comércio mais livre e mais justo.
Romney
espera que a CEOLA possa “preparar o cenário para que nações de toda a
América Latina engajem-se na Zona Econômica Reagan [orig. Reagan Economic
Zone] e para a criação de relações econômicas mutuamente benéficas entre a
região e os EUA”. Mas, ao batizar a iniciativa como “Zona Econômica Reagan”, o
governador Romney pode já ter bombardeado a própria iniciativa já antes, até, de
assumir algum governo.
Uma
coisa é promover o presidente Ronald Reagan como força a favor da democracia no
mundo, em campanha para obter a indicação dos Republicanos, há alguns meses.
Outra coisa, bem diferente, é usar seu nome e seu legado para promover reformas
econômicas e democracia numa região onde muitos – inclusive vários dos atuais
presidentes – associam o mandato do ex-presidente dos EUA com tortura,
desaparecidos, assassinatos e outras violações de direitos humanos. E não é só
sobre a história recente que Romney e os povos das Américas divergem.
O coordenador geral da campanha de
Romney disse recentemente que o presidente James K Polk [4] é bom modelo para a presidência de
Romney. Ao mesmo tempo, os Republicanos andam à caça do voto dos latinos. Que
sentido, portanto, faria comparar aproximativamente Romney e o Presidente Polk?
A “Guerra Polk” – como é conhecida a guerra entre México e EUA e a invasão do
México pelos EUA – resultou em os EUA tomarem quase metade do território
mexicano (pelo Tratado de Guadalupe Hidalgo, em 1848).
Os Republicanos estão preocupados
com o que consideram “atividade
desestabilizadora” do Irã na AL.
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Outra
preocupação que aparece com destaque na plataforma dos Republicanos, com a
América Latina tem a ver com o tráfico de drogas. Em meses recentes, líderes do
governo e da sociedade civil vêm debatendo os méritos da descriminalização.
Presidentes e ex-presidentes, além de cidadãos com diferentes inserções, têm
conclamado os EUA a reconsiderar seriamente a abordagem militar-armada, na
questão das drogas.
O governador Romney e os
Republicanos, com razão, têm chamado a atenção para o dano que a “guerra às
drogas” tem provocado na América Latina. [5] Sob vários aspectos, a proposta de
Romney e dos Republicanos é similar ao modo como o presidente Obama aborda a
questão regional das drogas. Mas, diferente de Obama, Romney não faz qualquer
referência a responsabilidade compartilhada dos EUA, nos quadros de violência na
região.
Jamais
fez qualquer menção a diminuir a atividade dos EUA na região, como fator
necessário para reduzir a violência. Nada diz sobre reduzir o fluxo de armas dos
EUA para o México ou sobre fortalecer a democracia e o estado de direito. Nessa
mesma linha, como seria de esperar, nem Romney, nem os Republicanos parecem
considerar sequer a possibilidade de qualquer descriminalização de narcóticos
ilegais.
Romney
e o Partido Republicano “propõem um esforço unificado contra o crime e o
terrorismo, com inteligência coordenada e reforço aos nossos aliados regionais,
além de treinamento militar aos exércitos locais e compartilhamento de
inteligência com o México, cujo pessoal está resistindo ao assalto selvagem dos
cartéis da droga”. Não está claro que diferença haveria entre isso e o que o
governo Obama está fazendo.
De
fato, as declarações de Romney levam a temer que, no governo, os Republicanos
teriam abordagem ainda mais militarista, no trato dos problemas de produção e
tráfico de droga nas Américas. (...)
Relações
Brasil-EUA
Uma
das áreas em que Romney poderia criticar, com acerto, a abordagem do presidente
Obama em relação à América
Latina diz respeito ao Brasil. O Brasil é a 6ª economia do
mundo, com população de aproximadamente 200 milhões. Em anos recentes, o Brasil
adquiriu posição de liderança no hemisfério e em todo o mundo.
Obama cometeu gafe grave, no início desse ano, ao não
recepcionar a presidenta Dilma Rousseff do Brasil com cerimonial de Jantar a
Chefe de Estado. [6] Também tem sido muito criticado
por não apoiar decididamente o pleito brasileiro, que aspira a assento
permanente no Conselho de Segurança da ONU.
O
que faria um presidente Romney no relacionamento com um dos mais importantes
parceiros dos EUA no hemisfério? Não se sabe: o Brasil é dos mais importantes
ausentes da plataforma de governo do Partido Republicano e de todas as
discussões de Mitt Romney, quando fala da América Latina.
Dentre os BRICs (Brasil, Rússia,
Índia e China), o Brasil é o único sobre o qual não há qualquer referência na
plataforma do Partido Republicano, no item “Relações Exteriores”, do capítulo
sobre o “Excepcionalismo Norte-americano” [7]. Quanto à Rússia, só se diz que
“O heroísmo – e o sofrimento do povo russo – merecem o respeito do mundo”. Sobre
a Índia: os EUA “veem com bons olhos relacionamento mais forte com a maior
democracia do mundo, a Índia, no plano econômico e cultural e em termos de
segurança nacional. Nesse documento, afirmamos e declaramos que a Índia é nossa
aliada geopolítica e parceira comercial estratégica”.
E no Leste... “Consideramos
bem-vinda a emergência de uma China pacífica e próspera e será também bem-vindo
desenvolvimento cada vez maior de uma China democrática”. Não é grande coisa,
mas Rússia, Índia e China pelo menos são lembradas na política exterior de
Romney. Ao Brasil, nem referência. [8]
Plataformas
de partidos políticos publicadas durante campanhas eleitorais nem sempre
refletem acuradamente o que qualquer partido ou candidato planeja efetivamente
fazer, se eleito. No caso de os EUA chegarem a ter um presidente Romney,
esperemos que o que se lê sobre a América Latina [9] na plataforma que os
Republicanos publicaram nada tenha a ver, de fato, com o que vier a ser
feito.
Notas de rodapé e dos
tradutores
[1] Em Republican
Platform - Strengthening Ties in the Americas (em
inglês).
[2] 6/9/2012, The Nicaragua Dispatch, Tim Rogers em:
“Nicarágua:
no comment on reports of Hezbollah activity” (em
inglês).
[3] MittRomney plan to Latin
America (em inglês).
[4] 5/9/2012, Foreign
Policy, Joshua Keating em: “What
would a Polkian presidency look like?” (em inglês).
[5] Idem nota [1].
[6] 6/4/2012, Reuters, em:
“What
Brazil wants from White House visit: dinner” (em
inglês).
[7] Agosto de 2012, Republican
Platform 2012 (em inglês).
[8] Sobre isso ver: 8/9/2012, redecastorphoto, Vila Vudu: “O
Brasil no relatório/plataforma política do Partido Democrata
(EUA)”.
[9] A Rede Al Jazeera acrescentou
originalmente o vídeo: “Counting the Cost: The rise of Latin America” [trad. Contabilizando o Custo: A ascenção da América Latina]
que o pessoal da redecastorphoto considerou interessante e decidiu inserí-lo a
seguir, em inglês:
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