Países semiemergentes, China, Rússia e o
capitalismo monopólico generalizado [1]
Entrevista concedida a Irene León, Fedaeps*,
março/2012
“El
mundo visto desde el Sur” (Parte
l)
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Leia também:
Irene León |
ENTREVISTADORA:
Gostaríamos de dividir a entrevista em
três partes distintas, mas relacionadas: sua visão do mundo e as possibilidades
de mudar o mundo; sua proposta conceitual e política – a ideia da implosão do
capitalismo e a ideia de nos desconectar dele; e o contexto mundial, visto
especialmente do Oriente Médio e da África. Comecemos pela primeira parte: como
o senhor vê o mundo, do sul, a partir de uma perspectiva do sul?
Samir Amin |
SAMIR
AMIN: Sua
pergunta não é simples. Proponho também minhas três partes. Começaremos por
sugerir três características importantes e decisivas do capitalismo
contemporâneo. Não do capitalismo em geral, mas do capitalismo contemporâneo: o
que tem de novo, o que caracteriza o capitalismo contemporâneo (Parte 1 da
entrevista). Em segundo lugar, trataremos a natureza da atual crise a qual, mais
que uma crise, tenho definido como uma implosão do sistema capitalista
contemporâneo (Parte 2 da entrevista, em tradução). Em terceiro lugar,
sob o mesmo critério e no mesmo campo, analisaremos as estratégias e as forças
reacionárias hoje dominantes, quero dizer, do capitalismo dominante, da trinca
imperialista Estados Unidos-Europa-Japão e de seus aliados reacionário em todo o
mundo (“Samir Amin: Parte III - Estratégias imperialistas e lutas políticas”, 10/9/2012, em português).
Só tendo compreendido isso será possível dimensionar o desafio que os povos do
sul enfrentamos, nos países emergentes, semiemergentes e nos demais países.
Minha
tese sobre a natureza do sistema capitalista contemporâneo – que, mais
modestamente, chamo de “hipótese”, porque está aberta à discussão – é que
entramos numa nova fase do capitalismo monopólico; é etapa qualitativamente
nova, pautada pelo grau de centralização do capital, cuja condensação chega a
tal ponto que, hoje, o capital monopólico controla tudo.
Claro
que o conceito de “capital monopólico” não é novo. Foi cunhado no final do
século 19 e, de fato, desenvolveu-se como tal, em três fases sucessivas durante
todo o século 20. Mas é a partir dos anos 1970-1980 que se inicia etapa
qualitativamente nova, porque, antes, o capital monopólico existia, mas não
controlava tudo. Atualmente, já não há qualquer atividade econômica capitalista
que seja autônoma ou independente do capitalismo monopólico, que controla todas
e cada uma das atividades econômicas capitalistas, inclusive as que ainda
conservam alguma aparência de autonomia. Exemplo, dentre vários que há, é a
agricultura nos países capitalistas desenvolvidos, que é completamente
controlada pelos monopólios que fornecem insumos, sementes selecionadas,
pesticidas, crédito e cadeias de comercialização.
Essa
é característica decisiva, é mudança qualitativa, que cria o que chamo de
“monopólio generalizado”, quero dizer, que se estende a todos os campos e
esferas. Esta característica provoca consequências substantivas e importantes.
Em
primeiro lugar, a democracia burguesa foi completamente desvirtuada. Se, antes,
se fundamentava numa oposição esquerda-direita, que correspondia a alianças
sociais mais ou menos populares, mais ou menos burguesas, mas diferenciadas
pelas diferentes concepções da política econômica, hoje, por exemplo nos EUA,
Republicanos e Democratas; ou, na França, os socialistas de François Hollande e
a direita de Sarkozy; são todos iguais, ou quase iguais. Estão todos já
alinhados num consenso que é o consenso ordenado pelo capital monopólico.
Essa
primeira consequência já constitui uma mudança na vida política. A democracia
assim desvirtuada converteu-se em farsa – o que se vê claramente nas eleições
primárias nos EUA. O capital monopolista generalizado provocou consequências
muito graves: converteu os EUA em nação de idiotas. É grave, porque a democracia
já não tem como expressar-se.
A
segunda consequência é que o “capitalismo generalizado” é a base objetiva da
emergência do que chamo de “imperialismo coletivo” da trinca Estados
Unidos-Europa-Japão. Afirmo esse ponto com veemência porque, embora como
hipótese, posso defendê-la. Não há já grandes contradições entre
EUA-Europa-Japão; há alguma concorrência no plano comercial, mas, no plano
político, o alinhamento com as políticas definidas pelos EUA como “a” política
mundial, é imediato e completo. O que há quem chame de “comunidade
internacional”, copia o discurso dos EUA e três minutos depois lá estão os
embaixadores europeus, com alguns comparsas e notórios democratas, como o emir
do Qatar ou o rei da Arábia Saudita. A ONU não existe. Como representação dos
Estados, é uma caricatura.
Essa
transformação fundamental, a transição do capitalismo monopólico ao “capitalismo
monopólico generalizado”, explica a financeirização, porque esses monopólios
generalizados conseguem, dado o controle que têm sobre todas as atividades
econômicas, bombear parte cada vez maior da mais-valia em todo o mundo e
convertê-la na rampa monopolista, a rampa imperialista, que é a base da
desigualdade e do estancamento do crescimento dos países do norte e da trinca
Estados Unidos-Europa-Japão.
Chega-se
assim ao segundo ponto: esse é o sistema que está em crise e, ainda mais, não é
simplesmente uma crise: é uma implosão, no sentido de que esse sistema não é
capaz de reproduzir-se a partir das próprias bases, quero dizer: é a primeira
vítima de suas próprias contradições internas.
Esse
sistema implode, não porque seja atacado pelo povo, mas por causa de seu êxito.
O sucesso que teve no processo de impor-se no povo leva-o a provocar crescimento
vertiginoso das desigualdades, que não só é socialmente escandaloso, mas também
é inaceitável. Mas acaba por ser aceito, e aceito sem objeções. Essa, claro, não
é a causa da implosão. O sistema implode porque não consegue reproduzir-se a
partir das próprias bases.
E
há à terceira dimensão, que tem a ver com a estratégia das forças reacionárias
dominantes. Quando falo de forças reacionárias dominantes refiro-me ao capital
monopólico generalizado da trinca imperialista histórica Estados
Unidos-Europa-Japão, à qual se somam todas as forças reacionárias em todo o
mundo, que se agrupam, de um modo ou de outro, em blocos dominantes locais, que
se inscrevem nela e mantém essa dominação mundial reacionária. Essas forças
reacionárias locais são extremamente numerosas e diferem enormemente de um país
a outro.
A
estratégia política das forças dominantes, isso é, do capital monopólico
generalizado, financeirizado, da trinca imperialista coletiva histórica
tradicional: Estados Unidos-Europa-Japão, está definida por sua identificação do
inimigo. Para eles, o inimigo são os países emergentes, quer dizer, a China; os
demais – Índia, Brasil e outros são países semiemergentes.
Por
que a China? Porque a classe dirigente chinesa tem um projeto. Não vou entrar em
detalhes sobre a natureza socialista ou capitalista deste projeto. O importante
é que tem um projeto, que consiste em não aceitar o que ordene o capital
monopolista generalizado financeirizado da trinca; que se impõe mediante suas
vantagens: controle da tecnologia, controle do acesso aos recursos naturais do
planeta, dos meios de comunicação, propaganda, etc., controle do sistema
monetário e financeiro mundial integrado e das armas de destruição
em massa. A
China , sem alarido, questiona essa ordem estabelecida.
A
China não é subcontratualista, há setores na China que, sim, são
subcontratistas, na qualidade de fabricantes e vendedores de brinquedos baratos
de má qualidade, só porque precisam obter divisas. É fácil, mas não é isso que
caracteriza a China. O que caracteriza a China é seu desenvolvimento e a rápida
absorção de tecnologia de ponta, sua reprodução e desenvolvimento próprio. A
China não é a fábrica do mundo, como dizem alguns. Não se trata de “made in
China” [feito na China], mas de “made by China” [feito pela China]. E
isso é hoje possível, porque fizeram uma revolução: o socialismo construiu,
paradoxalmente, a via que tornou possível entrar na disputa num certo campo do
capitalismo.
Eu
diria que, exceto a China, os demais países emergentes são secundários. Se
tivesse de classificá-los, classificaria a China como 100% emergente; o Brasil,
como 30% emergente; e os demais países como 20% emergentes. O resto, comparados
à China, são subcontratistas, porque têm negócios importantes de subcontratação,
porque têm uma margem de negociação, há um compromisso entre o capital
monopolista generalizado financeirizado da trinca e os países emergentes como
Índia, Brasil e outros. No caso da China, é diferente.
Por
isso a guerra contra a China é parte da estratégia da trinca. Há 20 anos, já
havia norte-americanos doidos que defendiam a ideia de declarar guerra à China
imediatamente, porque, depois, seria tarde demais.
Os
chineses tiveram êxito. Por isso sua política exterior é tão pacífica. E, agora,
a Rússia também já integra, com os chineses, a categoria de verdadeiros países
emergentes. Lá está Putin, modernizando o exército russo, tentando refazer o que
foi a armada russa, que, noutros tempos, constituiu efetivo contrapeso à
potência militar dos EUA. Isso é importante. Não discuto aqui se Putin é ou não
é democrata, ou se sua perspectiva é ou não é socialista; não se trata disso;
hoje se trata da possibilidade de fazer frente ao poder da trinca.
O
resto do mundo, o resto do Sul Global, todos nós egípcios, todos vocês
equatorianos, e muito outros, ninguém de nós conta ou faz qualquer diferença. Ao
capitalismo monopólico coletivo, nossos países só interessam por uma única
razão: como fonte de recursos naturais aos quais o capitalismo monopólico
coletivo tem de ter acesso, porque esse capital monopólico não consegue
reproduzir-se sem controlar, sem consumir, sem detonar os recursos naturais de
todo o planeta. Só isso tem interesse para ele.
Para
garantir para eles mesmos acesso exclusivo aos recursos naturais, os
imperialistas necessitam que nossos países não se desenvolvam.
O
“lumpen-desenvolvimento”, como Andre Gunder Frank definiu-o, aconteceu em
circunstâncias muito distintas, mas tomo a palavra emprestada agora, noutras
condições, para explicar como o único projeto do imperialismo para nós é o “não
desenvolvimento”.
Desenvolvimento,
só, do anômalo: pauperização mais petróleo; falso crescimento; ou gás, ou
madeira, o que for, desde que seja acesso a recursos naturais. E isso é que está
a um passo de implodir, porque isso, precisamente, tornou-se moralmente
intolerável. O povo já não aceita.
E
aqui se geram as implosões. As primeiras ondas de implosões aconteceram na
América Latina. Não por acaso, aconteceram em países marginais – Bolívia,
Equador, Venezuela. Não é acaso. Depois, a Primavera Árabe. E já há outras
ondas, no Nepal e em outros países. Porque
esse não é movimento de uma região específica.
Para
o povo, protagonista disso tudo, o desafio é enorme. Quero dizer: o desafio não
se dá sob o marco desse sistema, tentando transcender o neoliberalismo rumo a um
capitalismo “com cara humana”, entrar na lógica da “boa governança”, da redução
da miséria, da democratização da vida política, etc., nada disso. Esses todos
são modos de administrar, de gerir, a pauperização – único produto dessa lógica.
Minha
conclusão – que toma por foco, principalmente, o mundo árabe – é que não estamos
passando por alguma simples conjuntura: estamos passando por um momento
histórico, que se mostra formidável para o povo. Falo de revolução, mas não
quero abusar desse termo. Digamos que estão postas as condições objetivas para
construir grandes blocos sociais alternativos, anticapitalistas. Há contexto
para a audácia. Para pensar uma mudança radical.
[Continua]
Nota dos
tradutores
[1]
Samir
Amin: Parte II - A implosão do
capitalismo,
Irene
León entrevista Samir Amin (junho 2012), [em
tradução] e Samir Amin: Parte
III - Estratégias imperialistas e lutas políticas,
Irene León entrevista
Samir Amin, junho/2012 [traduzida].
Fedaeps* –
Fundación de Estudios, Acción e Participación Social (Av.
La Coruña
N 28-26 e Bello Horizonte, Quito, Ecuador. Fone (593 2) 290
4242. Fax: (593 2) 252 4481. info@fedaeps.org
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