4/9/2012, Jean-Luc Mélenchon, Front de Gauche, França (excerto)
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Jean-Luc Mélenchon |
Em
vez de repetir “elementos de linguagem” copiados de releases das
embaixadas dos EUA e despachos “orientados”, bastaria que algum jornalista
viajasse ao Equador. Ali, ele ou ela logo constataria, muito jornalisticamente,
que no Equador reina a mais ampla e total liberdade para caluniar e insultar o
governo eleito: toda a imprensa-empresa equatoriana, de propriedade de seis
famílias, é absolutamente livre para publicar despachos do Departamento de
Estado dos EUA ou todas as mentiras que qualquer jornalista invente ou queira
repetir, ouvida de alguma ‘fonte’ também mentirosa ou viciada.
De
fato, nada mais difícil de encontrar no Equador que algum jornal, programa de
televisão ou de rádio, ou livro nas livrarias, que seja favorável ao governo
eleito pela maioria dos eleitores! A oligarquia, no Equador, é completamente
livre para fazer campanha eleitoral durante todo o ano e, sempre, sempre, contra
o voto da maioria que, afinal, elegeu o presidente
Correa.
Julian Assange |
O affaire
Assange é questão de Estado para os EUA. A partir do
momento em que se interpôs, o governo progressista de Rafael Correa atraiu contra
si o assalto das agências de influência norte-americanas, pústulas fétidas. Os
grandes jornais do “bloco” puseram-se em movimento. E com eles vieram, de modo
surpreendente, também jornais da periferia, como Charlie Hebdo, ao qual
Maxime Vivas e Le
Grand Soir responderam
de modo argumentado, considerando a importância desse jornal nos meios da outra
esquerda. Mas o essencial da dita “grande imprensa” rapidamente pôs-se em
posição de atirar para matar. Primeiro, insidiosos; em seguida, abertamente
acusatórios. O assalto aconteceu em dois planos.
Primeiro,
contra a pessoa de Assange. Descrito como personagem isolado, cujos apoiadores
lhe teriam retirado apoios e se desdito; sujeito psicologicamente instável e,
além do mais, acusado de “violações e agressões sexuais”, no plural, claro!
O
outro plano de ataque visa o presidente do Equador. Todo o governo do Equador
foi apresentado como inimigo da liberdade de imprensa, que professaria concepção
de geometria variável do que seja o direito de asilo. Nesses registros
apareceram todos os modelos menos recomendáveis, no domínio da repetição de
elementos importados de linguagem, abundantes em algumas colunas do Figaro.
É um exemplo, e nem todos os artigos seguem a mesma linha, variando conforme os
autores. Assim, variando, eles afinam a mira e alcançam diferentes pessoas.
Rafael Correa - Presidente Eleito do Equador |
A
técnica é sempre a mesma: soma de opiniões apresentadas como se fossem “fatos
bem conhecidos”, e que não passam de mentiras, apresentadas de tal modo que o
leitor não pode saber que são só opiniões e mentiras. Na mesma linha, meia página no Monde sobre o direito de
asilo que teria sido negado a um bielorrusso no Equador, e exemplo de jornal que
se rende à influência de certos “amigos”. Em todos os casos, dizem o que lhes dê
na cabeça; depois, publicam notas quase invisíveis, em que as mentiras mais
flagrantes são “corrigidas” e desditas.
O que se vê, de
fato, é que os “argumentos” das seis famílias que são
proprietárias de praticamente toda a imprensa equatoriana são repetidos em toda
a imprensa-empresa internacional. Como é possível que a repetição seja tão
“unânime”? Será assim, perfeita repetição, porque os jornalistas das editorias
internacionais dos grandes jornais da grande imprensa-empresa em todo o mundo
leem diariamente todos os jornais do Equador? É claro que não. Então, quem
distribui as “notícias”?
Seja quem for, o
resultado aí está. Rafael
Correa é apresentado, em todos os veículos, sempre com as
mesmas palavras e os mesmos registros em que aparece pintado na imprensa-empresa
de direita e de extrema direita no Equador, como “desinteressado em defender as
liberdades de expressão”. E o Equador – sem qualquer nem vestígio de fato que
justifique a ‘'versão'’ ‘'jornalística'’ – é apresentado como “estado conhecido por
repetidas violações da liberdade de imprensa” (Le Figaro), como “gestor
incompetente da liberdade de expressão” (Le Monde), quando não é
abertamente chamado de “ditador” (nos jornalões da América Latina). Ah! Todos
conhecemos bens os “veículos independentes”! O problema é que muitos dos maiores
jornais são super nada-independentes!
No Equador, por
exemplo, os “jornais e televisões independentes” são propriedade de
seis famílias completamente empenhadas em fazer oposição de direita e extrema
direita ao governo eleito de Rafael Correa. Conhecem bem
o affaire Assange, é claro, desde que proibiram seus veículos de publicar
os telegramas diplomáticos do Departamento de Estado dos EUA, publicados por
Wikileaks.
Mas
até Le Monde, El Pais, Der Spiegel, The Guardian e o
The New York Times publicaram aqueles telegramas. Naquela ocasião, com
grande alarido e muitas manifestações de autoelogio e bla-bla-blá de
autocelebração da “imprensa livre”.
Todos
deveríamos olhar com extrema desconfiança o que aqueles jornalões publicaram –
e, sobretudo, o que não publicaram. Ocorre-me que, muito provavelmente,
publicaram o que lhes pareceu que ajudava os interesses deles. E muito
provavelmente não publicaram o que mais interessaria ao grande público. O que se
sabe é que todos esses grandes jornais triaram o material bruto, o que não deixa
de ser surpreendente. Triar por quê?
A verdade é que os
telegramas de WikiLeaks publicados pela imprensa francesa só mostraram aos
franceses algumas cenas estranhíssimas: um desfile infindável de socialistas em
reuniões com os EUA, sempre a garantir que apoiavam a Guerra do Golfo – o que a
França acabara de recusar-se a fazer, por iniciativa do presidente Jacques
Chirac.
Mas, pouco tempo
depois, o micromundo “midiático” virou casaca. Abandonaram
Assange e, com ele, abandonaram toda a doxa tradicional sobre a
preservação e proteção das fontes; e Assange foi convertido em alvo do
vingancismo mais furioso das agências de segurança dos EUA!
De
modo muito significativo, quer dizer, como manifestação coordenada, os golpes
concentram-se em atacar e por sob suspeita o Equador e seu governo progressista.
É mais do que razoável supor que não haja e jamais tenha havido algum
“affaire Assange”; que o que houve foi o affaire das agências
norte-americanas de segurança numa parte do mundo onde as práticas imperiais
estão sob discussão e crítica, e os braços armados do “império” enfrentam
derrota sobre derrota!
Em
vez de repetir “elementos de linguagem” das embaixadas e despachos “orientados”,
bastaria que algum jornalista viajasse ao Equador. Ali constataria, muito
jornalisticamente, que no Equador reina a mais ampla e total liberdade para
caluniar e insultar o governo eleito: toda a imprensa-empresa equatoriana, de
propriedade de seis famílias, é absolutamente livre para publicar todas as
mentiras e despachos do Departamento de Estado dos EUA que queira. De fato, nada
mais difícil de encontrar no Equador que algum jornal, programa de televisão ou
de rádio, ou livro nas livrarias, que seja favorável ao governo eleito! A
oligarquia, no Equador, é completamente livre para fazer campanha eleitoral
durante todo o ano e, sempre, contra a maioria que elegeu o presidente Correa.
Não
há quem não saiba de onde vêm as subvenções que sustentam os “Repórteres Sem
Fronteira” franceses – verdadeiro ninho de cobras peçonhentas onde habita o
neo-LePenista Robert Ménard, mas citado como autoridade com competência para
classificar o Equador em 104º lugar, de 179 países, como local de fracasso quase
total da liberdade de expressão!
E
quem conhece os critérios da tal “classificação”?! Evidentemente, não são nem
“repórteres” ou “jornalistas” que trabalhem para noticiar o assalto que aquelas
meia dúzia de famílias “midiáticas” promovem contra a opinião pública.
Baltazar Garzon |
Só
assim se compreende que o Le Fígaro dê a palavra a um ex-ministro de
Aznar, que se põe a falar sobre “fraude ao Estado de direito” no caso de
Assange, porque o advogado de Assange é agora o juiz Baltasar Garzon, contra o
qual o governo de Aznar moveu céus e terra – mas esse detalhe, o tal “grande
jornal independente” jamais noticia!
Em
seguida, o grande jornal da direita francesa apresenta-se como autoridade para
declarar o caráter ditatorial do governo de Correa... o que o jornal “prova”! A
“prova” é que Correa recebe o apoio da Aliança Bolivariana das Américas
(ALBA)... quer dizer, o governo do Equador é apoiado pela Venezuela e por Cuba!
Claro! Está(ria) provado!
E
houve também a investigação judicial feita pelo Monde, que, sem esperar
pela sentença da Justiça equatoriana, denuncia “a hospitalidade equatoriana de
geometria variável”, no caso do bielorrusso Alexandre Barankov. Dever mínimo de
respeito aos leitores, do Monde, seria mencionar que o presidente Correa
vive sob leis de separação dos poderes entre Executivo e Judiciário e não
poderia ter-se pronunciado sobre a extradição de Aliaksandr Barankov na Suprema
Corte do Equador.
É o tal jornalismo
de mentiras, de insinuações, de desavergonhada calúnia. A função desse
“jornalismo” é condicionar a opinião internacional para que não reaja no caso de
golpe de Estado. Porque, evidentemente, o império jamais se desarma e nunca para
de tentar golpes de Estado: tentou golpes contra Correa, Chávez, Evo Morales.
Conseguiu recentemente derrubar Fernando Lugo no Paraguai e Manuel Zelaya em
Honduras. Nesses dois casos, a “notícia” calou. Calou-se até o corporativismo
ordinário dos jornalistas, porque nesses dois países houve jornalistas presos e
assassinados. Nem por isso se viu movimento de indignação dos jornalistas de
consciência de economia variável.
O encarniçamento
contra o presidente Correa tem também uma
âncora local, se se pode dizer assim. Por toda a América do Sul em processo de
libertação, está posta a questão do papel dos meios de informação! Em cada país,
nossos amigos definiram diferentes estratégias de ação. Mas hoje estamos por
cima. Os trabalhos de emancipação e de libertação estão postos também na esfera
midiática. Discutem-se e votam-se novas leis de liberdade de imprensa
democráticas e republicanas. Sem exceção, visam a quebrar os monopólios da
imprensa e a garantir a pluralidade de expressão. Também o Equador abraçou essa
luta.
O governo do
presidente Correa está firmemente decidido a aplicar a
Constituição do país, aprovada em referendo pela população por maioria de 63,9%
dos votos. A nova Constituição prevê, sobretudo pelo artigo 17 a proibição de oligopólios
ou monopólios nas empresas de imprensa e o apoio aos veículos públicos,
comunitários e privados. Para adaptar-se ao que ordena a Constituição, o governo
Correa está propondo uma lei orgânica das comunicações. A oposição, claro, em
primeiro lugar as próprias empresas midiáticas, já se puseram a denunciar o
projeto de lei, que chamam “ley mordaza”, “lei da mordaça”.
Mas
a nova lei é, de fato, o fim da mordaça: a lei proíbe qualquer tipo de censura
prévia à publicação ou difusão; e cria um conselho de regulação da informação,
com a missão de combater a censura. E também sempre a posteriori, a nova
Constituição oferece meios para punir qualquer apologia da violência, as
discriminações (do racismo, da toxicomania, do sexismo e da intolerância
religiosa ou política), nos termos da Constituição do Equador. O texto obriga os
veículos à transparência sobre o modo como operam. Obriga o governo a por em
ação todos os meios necessários para garantir o acesso de todos os cidadãos a
uma informação plural. Legendagem e tradução em língua dos sinas [no Brasil,
Libras, Língua Brasileira de Sinais, NTs] também serão obrigatórias.
Quanto à
pluralidade, será assegurada por uma divisão em três, do espectro de frequências
de rádio e televisão: 1/3 serão privadas, 1/3 serão associativas (sem objetivos
de lucro) e 1/3 serão frequências para uso público (de propriedade do Estado,
mas também de coletividades territoriais). Eis aí a “lei terrível” que ameaça a
oligarquia equatoriana e que os veículos da imprensa-empresa internacional
denunciaram em coro, sem qualquer atenção à necessidade da pluralidade das
informações ou respeito ao voto dos equatorianos.
(...) Todos
conhecemos os pontos negros da imprensa-empresa que conhecemos. (...) Para
começar, o horrendo corporativismo que vicia, sem exceção, até à completa
traição à verdade dos fatos e que, apesar disso, nunca se cansa de propagandear
a infalibilidade dos novos “grandes sacerdotes”. Além disso, a grosseria dos
insultos que esses ridículos budas empresários “da mídia” nunca se cansam de
vomitar contra quem bem entendam, porque os desagrade, falhando sempre na tão
alardeada luta da imprensa contra a violência e a intolerância que os mesmos
empresários “jornalistas” nunca se cansam da alardear, hipócritas. Em vários
campos, a lei da omertá, de criminosos que protegem criminosos, reina
absoluta na imprensa-empresa. (...). De fato, já praticamente nem mais nos
surpreendemos: uns dão dinheiro aos partidos políticos; outros, diretamente a
jornais e jornalistas. Grande diferença!
Em todos nossos
países em vias de libertação, nossos amigos
governam sem a mídia e contra a mídia. A França, quando a hora chegar, terá de
aprender a fazer o mesmo.
Mas
o que nossos amigos do sul têm a nos ensinar é que, por mais encarniçada
campanha de difamação e mentiras que sofram da empresa-imprensa, nada perdem em
termos de popularidade.
Há
décadas, as seis famílias dos empresários da imprensa-empresa sempre fizeram
chover e fazer sol em matéria de política no Equador. Continuam a ser o que
sempre foram e a fazer o que sempre fizeram. Mas o presidente Correa mantém seus
80% de intenções de votos, às vésperas de novas eleições. Pior para os inimigos!
A chuva deles chove, o vento deles venta, e as provas dos progressos obtidos
pelo governo do presidente Correa são tão tangíveis para os equatorianos e as
equatorianas, que as mentiras da imprensa-empresa já não surtem efeito.
O
mesmo se vê na Argentina, da qual a França em breve ouvirá falar, e da qual
falarei em breve, nessa página. Antes disso, falarei sobre o posto que vou
assumir na Venezuela, onde a campanha eleitoral caminha bem.
Nesse
mês de setembro, efeito de vários artigos e “dossiês” armados pela
empresa-imprensa venezuelana, correrão rios de lama sobre nossos amigos. A
palavra de ordem das agências já é preparar a opinião pública com vistas a mais
um golpe de Estado que está, como já é hábito, em preparação. Se ganharmos por
larga margem nas urnas também na Venezuela, os reacionários nada poderão fazer.
Mas se ganharmos vitória mais apertada, criarão espaço para vastíssima campanha
de desestabilização e, sem dúvida, para operações violentas.
Voltarei em breve
ao assunto... (...)
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