Adriano Benayon |
Adriano
Benayon*
– 11.09.2012
I
- 24 de agosto de 1954
1.
Este aniversário é o da deposição do presidente Getúlio Vargas, programada e
dirigida pelos serviços secretos estadunidense e
britânico.
a) a falta
de divisas, advinda da crise financeira e econômica mundial, com a queda da
demanda por café e outros produtos primários;
b) a tensão
entre potências mundiais de 1933 a 1939, e daí a
1945 a
Segunda Guerra Mundial;
c) a
Revolução de outubro de 1930 e os posteriores eventos políticos no Brasil até à
primeira deposição de Getúlio Vargas, em
29.10.1945.
3.
Os dois primeiros fatores são as condições de crise e oportunidade. O terceiro é
o papel das instituições políticas geradas em resposta à crise, as quais
transformaram a estrutura econômica no sentido de reduzir a dependência da
exportação de matérias-primas. Além disso, Vargas mandou proceder à auditoria da
dívida e liquidou os títulos no mercado secundário, com grande
desconto.
4.
Ele se manteve na chefia do governo durante aqueles 15 anos, conquanto de
novembro de 1937
a 1945 dependesse das Forças Armadas, a fonte de poder
instituidora do Estado Novo.
5.
Por terem as políticas de Getúlio Vargas desagradado as potências
anglo-americanas, era questão de tempo ele ser apeado da presidência, terminada
a Guerra Mundial (maio de 1945),
6.
Durante a Guerra, Vargas teve de colaborar com essas potências, as quais, não
mais precisando dele, teleguiaram a oligarquia local, políticos, mídia e chefes
militares para depor o “ditador”, sob o pretexto de que queria ficar no
poder.
7.
Isso não tinha cabimento, porque Vargas convocara eleições e se dispunha a
passar a presidência ao eleito. O golpe de 1945 foi só vingança e tentativa de
humilhar o líder trabalhista.
8.
Por ocasião do golpe de 1937, os chefes militares, movidos pelo anticomunismo,
estavam divididos entre simpatizantes do imperialismo anglo-americano e
partidários das potências nazi-fascistas. Assim, Vargas pôde atuar como fiel da
balança e no interesse nacional.
9.
Os militares nacionalistas não ocupavam posições que lhes habilitassem a
imprimir rumos diferentes em 1937, e menos ainda em 1945, quando os de tendência
fascista convergiram com os admiradores das potências
anglo-americanas.
10.
Eleito em 1945, o Marechal Dutra (1946-1950), mentor do golpe de 1937, reprimiu
os comunistas, converteu-se mais que à “democracia”, à abertura irrestrita às
políticas do agrado de Washington.
11.
Entretanto, Vargas ganhara a simpatia dos trabalhadores, elegeu-se senador por
vários Estados, e voltou à presidência em 1951, por grande maioria popular.
Criou a Petrobrás e deu passos para a fundação da Eletrobrás. Apoiou os
excelentes projetos de sua assessoria econômica e cuidou de deter as abusivas
remessas de lucros ao exterior das transnacionais.
12.
Se prosseguissem as realizações de Vargas, o Brasil teria chances de se
desenvolver, e esse foi o móvel do golpe de agosto de 1954, organizado pelas
potências imperiais.
13.
Os agentes externos postos por esse golpe na direção da política econômica
instituíram enormes subsídios em favor dos investimentos das transnacionais, que
operavam em muitos mercados no exterior, cada um de dimensões muito maiores que
o brasileiro.
14.
Em vez de proteger as indústrias de capital nacional para viabilizar competirem
com as transnacionais, aquelas sofreram discriminação, com os imensos subsídios
que só podiam ser utilizados pelas corporações
estrangeiras.
15.
Eleito para o quinquênio 1956-1960, Juscelino manteve esses subsídios e
estabeleceu facilidades adicionais para as empresas estrangeiras. Implantadas no
País, estas transferem ao exterior, de diversas maneiras, os enormes lucros
obtidos no mercado brasileiro, causando déficits no Balanço de
Pagamentos.
16.
Primeira cena dessa tragicomédia: eleito, antes de tomar posse, JK viajou ao
exterior para atrair investimentos estrangeiros, com notórios entreguistas na
comitiva. Segunda cena: sai JK, entra Jânio Quadros, e este envia ao exterior
missão chefiada por Roberto
Campos para rolar dívidas externas vencidas, contratadas
durante o governo de JK.
17.
Depois do conturbado período entre a renúncia de Jânio e o golpe de 1964,
derrubando Goulart, o primeiro governo militar, a pretexto de fazer face à alta
da inflação e à crise externa, adotou, sob a direção de Roberto Campos , políticas
fiscal, monetária e de crédito restritivas, eliminando grande número de empresas
nacionais.
18.
As lições econômicas disso tudo são importantes, como também as lições
políticas. Entre elas avulta esta: prevalece sobre a Constituição escrita a
regra constitucional, não-escrita, de que os governos em regime “democrático” só
concluem seus mandatos, se se curvarem às pressões das potências
imperiais.
19.
Vargas e João Goulart realizaram políticas que visavam a gerar maior autonomia
econômica para o País, embora fizessem concessões ao poder
imperial.
20.
Diferentemente, Dutra cedera aos interesses das potências estrangeiras, e JK
deu-lhes plena satisfação no essencial: a abertura aos investimentos
estrangeiros, escancarada pela outorga de privilégios que permitiram as
transnacionais, a médio prazo, assenhorear-se do mercado
brasileiro.
21.
Até a proteção tarifária e não-tarifária aos bens duráveis produzidos no Brasil
significou uma vantagem a mais às multinacionais, ampliada, quando, em
1969-1970, Delfim Neto estabeleceu vultosos subsídios para a exportação de
manufaturados, entre os quais créditos fiscais no valor do imposto de importação
dos bens de capital e dos insumos.
22.
Os governos militares de 1967
a 1978 tentaram redinamizar a economia sem alterar o
modelo dependente, nem garantir espaço às empresas nacionais em face da então já
dominante ocupação do mercado pelas transnacionais. O resultado disso nos leva a
outro aniversário.
II
- Agosto/setembro de 1982
23.
Em 16.08.1982, o México declarou moratória. Em seguida, o setembro negro, em que
os gestores da política econômica brasileira, sob o espectro da inadimplência,
imploraram aos banqueiros internacionais refinanciar as
dívidas.
25.
JK recebeu a dívida externa de US$ 1,4 bilhões em 1955. Ao sair, deixou US$ 3,5
bilhões. Em 1964 ela fechou com US$ 3,1 bilhões, pulando para US$
43,5 bilhões, em 1978, e para US$
70,2 bilhões em 1982, tendo-se avolumado ainda mais pela elevação das
taxas de juros e comissões, em 1979, além da composição desses encargos
arbitrários.
26.
As altas taxas de crescimento do PIB de 1967 a 1978 foram pagas pelo povo
brasileiro, não só com a queda do PIB, de 1980 a 1984, e a estagnação nas duas
décadas perdidas (anos 80 e 90). Em 1984, o Brasil transferiu para o
exterior 6,24% do PIB e mais 5,54% em 1985.
27.
Mas o dano maior - e irreversível sob as presentes instituições - é a
deterioração estrutural. Esta prossegue até hoje e se caracteriza pela
infra-estrutura deficiente e pela produção quase totalmente desnacionalizada,
inclusive através das privatizações de 1990 a
2002.
28.
Há um processo cumulativo em que a desnacionalização faz crescer a dívida, e
esta é usada como pretexto para desnacionalizar mais. Tudo isso faz prever
novas e piores crises, em que cresce a
desindustrialização.
29.
As débâcles, como a de 1982, ilustram
a mentalidade servil diante dos “conselhos” e pressões imperiais, pois o Estado
brasileiro curvou-se às imposições dos credores, aceitando a integralidade de
dívidas questionáveis, depois de tê-las alimentado, subsidiando a ocupação
estrangeira da economia e inviabilizando a tecnologia
nacional.
30.
“O Globo” veicula a desculpa de Delfim Neto, de que o colapso de 1982 decorreu
da elevação dos preços do petróleo. Isso não procede: a Argentina não importava
petróleo, e o México era grande exportador. O denominador comum das maiores
economias latino-americanas é o modelo dependente.
31.
Nos anos 70,
a Petrobrás já substituía razoável quantidade de petróleo
importado, e as importações eram pequena fração das de Alemanha, Japão,
França.
32.
O primeiro choque do petróleo deu-se em 1973. Daí a 1982 são nove anos. Tempo
suficiente para medidas na estrutura produtiva, com resultados em seis anos,
antes, portanto, do segundo choque do petróleo em
1979.
33.
Tecnologia não faltava para substituir as importações de petróleo. O Brasil
havia adotado, durante a Segunda Guerra Mundial, uma solução que funcionou muito
bem: o gasogênio, para mover os veículos, com equipamentos que usavam carvão
mineral do Sul, carvão e óleos vegetais. Foi abandonado após a Guerra, mas
poderia ter sido retomado em 1973.
34.
Geisel apoiou Severo Gomes e Bautista Vidal, no Programa do Álcool. Mas este não
prosseguiu na forma planejada, nem se avançou nos Óleos Vegetais, que oferecem
ao Brasil grande campo – até hoje não aproveitado – para produzir excelentes
óleos e fabricar motores próprios para eles.
35.
O dendê, na Amazônia e no Sul da Bahia, pode render mais de 6 mil litros
hectare/ano. Para produzir quase tanto como a Arábia Saudita, ou seja,
mais de cinco vezes o consumo brasileiro da época, bastaria plantar
dendê em 60 milhões de hectares, ou seja, 12% da Amazônia Legal, associado a
culturas alimentares. Em outras regiões a macaúba dá 4 mil litros
ha/ano.
36.
Essas opções são mil vezes melhores para a ecologia que extrair madeira para
exportar, enquanto as ONGs vinculadas ao poder mundial fazem demagogia a
respeito do desmatamento da Amazônia.
37.
O óxido de carbono só é absorvido pelas plantas quando crescem. A Amazônia, com
a floresta estável, não é pulmão do mundo. Esse papel cabe aos oceanos, que as
petroleiras mundiais poluem de modo brutal.
38.
É fácil e praticado, há muito, na Alemanha, produzir kits para adaptar motores
ao uso de óleo vegetal. Melhor seria, mas o sistema de poder nunca o permitiu -
produzir motores para esse óleo, o verdadeiro diesel. Biodiesel é um dos golpes
do sistema para impedir o desenvolvimento dessas tecnologias, bem como as da
química dos óleos vegetais e da alcoolquímica.
40.
Moral: se houvesse autonomia política, coragem e discernimento,
ter-se-ia aproveitado o choque do petróleo para desenvolver produções agrárias e
industriais com tecnologia própria e adequada aos recursos naturais.
Resultaria em prosperidade social incalculável com a energia renovável, além de
esse padrão de desenvolvimento autônomo estender-se a outros
setores.
41.
Em suma, o mega-entreguismo de Collor e FHC não teria sido possível sem as
políticas inauguradas em 1954 e continuadas de 1956 a 1960 e de 1964 até hoje. Por
que? Porque essas políticas engendraram a relação de forças econômicas e
políticas determinantes das desastrosas eleições daqueles
dois.
III
- Sete de setembro de 1822
42.
Está, pois, claro que o povo brasileiro precisa de real independência e que esta
não existe. Não merece crédito o argumento de que há autonomia política, embora
falte a econômica, porquanto uma não é possível sem a outra. Não se confunda a
independência formal com a real.
Adriano
Benayon*
é doutor em economia e autor de “Globalização versus
Desenvolvimento”.
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