27/9/2012, Pepe Escobar,
Asia Times Online – The Roving
Eye
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Que
ninguém se engane (Make no mistake, como diria o presidente Barack
Obama): o Emir do Qatar entrou na dança.
Hamad bin Khalifa al-Thani |
Que aparição, na Assembleia Geral
da ONU em New York! O Xeique Hamad
bin Khalifa al-Thani convocou uma coalizão de vontades árabes, nada mais nada
menos, para invadir a Síria. [1]
Nas
palavras o Emir, “Melhor para os países árabes que eles mesmos interfiram,
cumprindo seus deveres nacionais, humanitários, políticos e militares e façam o
que tem de ser feito para parar o banho de sangue na Síria”. Destacou que os
países árabes têm um “dever militar” de invadir.
“Países
árabes” significa, nessa frase, as petromonarquias do Clube
Contrarrevolucionário do Golfo (CCG), antes chamado Conselho de Cooperação do
Golfo (CCG) – com ajuda implícita da Turquia, com a qual o CCG tem um amplo
acordo estratégico.
Não
há botequim no Oriente Médio em que todos não saibam que Doha, Riad e Ankara
estão armando/ financiando/ abastecendo com ajuda logística as várias tendências
da oposição armada na Síria que obram pela mudança de regime.
O Emir até citou um “precedente
similar” dessa invasão, quando “forças árabes intervieram no Líbano” nos anos
1970s. Já que ele tocou no assunto: durante boa parte daqueles anos 1970s, o
próprio Emir vivia engajado em intervenções mais mundanas, como deixar crescer
os cabelos, ombro a ombro com outros membros da realeza golfista em seletos
destinos à moda do Club Med, como mostra a foto abaixo (o Emir é o da
esquerda
[2]).
O
Emir, pois, está pregando uma versão árabe da doutrina da R2P
(“responsabilidade de proteger”) proposta anteriormente pela Três Graças da
Intervenção Humanitária (Hillary Clinton, Susan Rice e Samantha Power)?
É
mensagem que com certeza já chegara a Washington – para nem falar de Ankara e
mesmo a Paris, dado que o presidente francês François Hollande acaba de pedir
que a ONU dê proteção a “zonas libertadas” na Síria.
Quanto
ao precedente libanês que o Emir lembra, não é coisa que se recomende, para
dizer o mínimo. A chamada Força Árabe de Contenção, de 20 mil soldados, que
entrou no Líbano para tentar conter a guerra civil, lá ficou por nada menos de
sete anos, convertida em força militar da ocupação síria no norte do Líbano, de
onde só saiu oficialmente em 1982, com a guerra civil ainda rugindo solta.
Imaginem
cenário semelhante na Síria – super bombado.
“Sujeito
muito influente”
Quanto ao ardor humanitário do
Emir – além de democrático –, ajuda saber o que pensa dele o presidente Barack
Obama.
[3]
Obama –
para quem o Emir é “sujeito muito influente” – parece sugerir nessa fala que,
embora “pessoalmente, não esteja reformando muito” e “não se vê grande movimento
na direção da democracia no Qatar”, só porque a renda per capita do
emirado é gigantesca... Nenhum movimento pró-democracia seria, assim, digamos,
muito urgente. OK. Nada sugere, mesmo, que o Emir esteja muito interessado
em fazer da
Síria uma Escandinávia.
Assim,
afinal, se abre o caminho que leva a um motivo do qual ninguém nunca consegue
escapar – ligado a, e a o que mais seria? – o Oleogasodutostão.
Vijay Prashad |
Vijay
Prashad, autor do recente Arab Spring, Libya Winter, está preparando uma
série sobre o Grupo de Contato Sírio, para Asia Times Online. Vijay
recebeu um telefonema de um especialista em energia, que lhe disse que
investigasse urgentemente “a ambição do Qatar de levar seus oleodutos até a
Europa”. Segundo essa fonte, “a rota proposta passaria pelo Iraque e Turquia. O
país de passagem antes cogitado está dando problemas. Mais fácil seguir para o
norte (o Qatar prometera gás gratuito à Jordânia)”.
Mesmo antes de Prashad terminar
sua pesquisa, já está claro o plano do Qatar: matar o óleogasoduto de US$10
bilhões Irã-Iraque-Síria, negócio firmado apesar de o levante sírio já estar em
andamento.
[4]
Aqui
se vê o Qatar concorrendo diretamente contra, ao mesmo tempo o Irã (como
produtor) e a Síria (como destino) e também, em menor extensão, contra o Iraque
(como país de passagem). Bom lembrar que Teerã e Bagdá são figadalmente contra
mudança de regime em Damasco.
O
gás viria da mesma base geográfica/geológica – de Pars Sul, o maior campo de gás
do mundo, partilhado por Irã e Qatar. O gasoduto Irã-Iraque-Síria – se algum dia
for construído – solidificaria um eixo predominantemente xiita, costurado por um
cordão umbelical econômico, de aço.
O
Qatar, por sua vez, construiria seu gasoduto por uma via “sem Crescente Xiita”,
com a Jordânia como destino; as exportações partiriam do Golfo de Aqaba para o
Golfo de Suez e dali para o Mediterrâneo. Seria o Plano B ideal, com as
negociações com Bagdá tornando-se cada vez mais complicadas (além do que, a rota
que atravessa Iraque e Turquia é muito mais longa).
Washington
– e os consumidores europeus – muito apreciariam um gambito crucial no
Oleogasodutostão que passasse a perna no Gasoduto Islâmico.
Oleogasodutostão na Eurasia |
Claro
que, com mudança de regime na Síria – ajudada pela invasão que o Emir do Qatar
propôs – as coisas ficariam muito mais fáceis em termos de Oleogasodutostão.
Um regime pós-Assad, em mãos muito muito provavelmente da
Fraternidade Muçulmana, seria muito, muito bem-vindo ao oleogasoduto qatari. E
uma extensão para a Turquia seria ainda mais fácil.
Ankara e Washington venceriam.
Ankara, porque o objetivo estratégico da Turquia é converter-se em principal
entroncamento da passagem de energia do Oriente Médio/Europa Central, para a
Europa (e o Oleogasoduto Islâmico deixa de fora a Turquia). Washington, porque
toda sua estratégia energética no sudoeste da Ásia desde o governo Clinton
sempre foi passar a perna, contornar, isolar e ferir de morte o Irã, servindo-se
para isso de qualquer meio necessário. [5]
O
periclitante trono hashemita
Tudo
isso aponta para a Jordânia como peão essencial no audacioso jogo
geopolítico/energético do Qatar. A Jordânia foi convidada a integrar o CCG –
embora não fique exatamente no Golfo Persa (mas não importa. O que importa é que
é monarquia).
No
momento, a monarquia hashemita jordaniana periclita, o que é subavaliação de
proporções transcendentais.
Há
fluxo ininterrupto de refugiados sírios. Que se somam aos refugiados palestinos
chegados em ondas durante as fases cruciais da guerra árabes-Israel, em 1948,
1967 e 1973. Acrescente-se a isso um sólido contingente de jihadistas-salafistas
que lutam contra Damasco. Há poucos dias, foi preso Abu Usseid. Sobrinho de
ninguém menos que Abu Musab al-Zarqawi, ex-líder da al-Qaeda no Iraque, morto em
2006. Usseid estava a um passo de cruzar o deserto, da Jordânia para a Síria.
Rei "Play Station" |
A
Fraternidade Muçulmana na Jordânia não é o único ator na onda de protestos:
sindicatos e movimentos sociais também são ativos. Muitos manifestantes são
jordanianos – e, historicamente, sempre controlaram os altos postos da
burocracia do estado. Mas o neoliberalismo bateu duro ali; a Jordânia viveu
processo selvagem de privatizações nos anos 1990s. O reino empobrecido depende
hoje do Fundo Monetário Internacional e de doações extras que recebe dos EUA, do
CCG e até da União Europeia.
O
parlamento é piada – dominado pelas afiliações tribais e devoto da monarquia.
Reformas, nem cosméticas. Um primeiro-ministro foi trocado em abril e
praticamente ninguém nem viu. Monarquia árabe clássica, o regime combate as
reivindicações, com mais repressão.
Nesse
pandemônio, entra em
cena o Qatar. Doha quer que o Rei Playstation acolha o Hamás. Foi o Qatar
que promoveu o encontro, em janeiro, entre o rei e o líder do Hamás, Khaled
Meshaal – expulso da Jordânia em 1999. A reunião fez os jordanianos
nativos temerem que o reino fosse inundado por nova onda de refugiados
palestinos.
A
mídia árabe – quase toda ela controlada pela Casa de Saud – está sendo inundada,
isso sim, por matérias e editoriais que pregam que, depois de a Fraternidade
Muçulmana subir ao poder na Síria, chegará a vez da Jordânia. Mas o Qatar está
dando tempo ao tempo. A Fraternidade Muçulmana quer a Jordânia convertida em
monarquia constitucional; assim, os Irmãos chegarão ao poder na sequência de uma
reforma eleitoral contra a qual o rei Abdullah luta há anos.
Hoje,
a Fraternidade Muçulmana já conta até com o apoio das tribos beduínas, cuja
tradicional submissão ao trono hashemita nunca foi mais periclitante. O regime
ignorou os protestos por tempo demais; agora, paga o preço. A Fraternidade
Muçulmana já convocou manifestação de massa contra o rei, para o próximo dia
10/10. O trono hashemita cairá, mais cedo ou mais tarde.
Ainda
não se sabe como Obama reagirá – além de continuar a rezar para que nada de
substancial aconteça até 6/11. Quanto ao Emir do Qatar, tem todo o tempo do
mundo. Quanto mais regimes caiam (no colo da Fraternidade Muçulmana), tantos
mais oleogasodutos se constroem.
Notas de rodapé
[1] 26/9/2012, France Presse,
The National, em: “Qatar’s
emir calls for Arab-led intervention in Syria”.
[2] Foto incluída no
artigo.
[3] Assista (em inglês) em:
[4] 6/8/2012, Al
Jazeera, Pepe Escobar, redecastorphoto, em: “A
guerra do oleogasodutostão na Síria”.
[5] 17/9/2012, Oilprice.com, Felix Imonti em: “Qatar:
Rich and Dangerous”
(comentário enviado por e-mail e postado por Castor)
ResponderExcluirMais teatrinho. Mais do mesmo.
Novidade na real seria a Liga Árabe bombardear a OTAN (i.é, os países da OTAN). Mas esse plot passa ao largo do teatrinho conservador e previsível que os poderes costumam fazer. Falta de criatividade aí é mato!
A tradução do artigo do Pepe, como do artigo (também do Pepe) da mensagem anterior, é da tchurma do Vila Vudu, sempre colaborando pra manter a gente bem informada.
Baby Siqueira Abrão