31/8/2012, Jeff Faux, The Real News Network (TRNN) [vídeo
traduzido]
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
PAUL
JAY, Editor
Sênior, TRNN:
Bem-vindos à rede The Real News Network. Sou Paul Jay, falando de Baltimore.
Em
várias das entrevistas que tenho feito, repetidamente peço que nossos convidados
expliquem por que Romney-Ryan, e começou com Romney, pensam que conseguirão ser
eleitos apoiados em campanha que traz uma agenda de direita muito dura, sem
refresco. Bush, na campanha em 2000, ainda foi forçado a falar de um
“conservadorismo compassivo”.
Que eu me lembre, a última vez que os EUA vimos
campanha declarada a favor da direita, uma agenda fiscal muito de direita, foi
com Barry Goldwater, e, eleitoralmente, o resultado não foi dos melhores. Mas a
resposta óbvia à minha pergunta, sobre por que aparecem hoje com programa tão
violentamente de direita, é, claro: porque estão podendo. Então... esse é o tema
da entrevista de hoje: é verdade? O argumento está correto? Se estão podendo
[fazer campanha a favor de projeto tão violentamente e declaradamente
direitista], por quê? O que está acontecendo nesse momento da história dos EUA,
para que o Partido Republicano suponha que possa vencer as eleições para a
presidência, com campanha do tipo da que estamos vendo?
Para
nos ajudar nessa discussão, quem conversa hoje conosco é Jeff Faux. Jeff é
fundador, atualmente membro honorário, do Instituto de Política Econômica,
em Washington,
D.C. É economista e escritor. Seu livro mais recente é “The
Servant Economy: Where America's Elite Is Sending the Middle Class”. Obrigado,
Jeff, por nos atender.
JEFF
FAUX:
Obrigado. É ótimo estar com você, Paul.
JAY:
OK.
Então, se você, mais ou menos entendeu o meu pensamento... Se não entendeu,
diga, mas, se entendeu... O que está acontecendo hoje nos EUA, que levou os
Republicanos a apostar que podem vencer, com a campanha que estamos
vendo?
FAUX:
Bem... Acho que daqui em diante eles vão “encobrir”, vão modificar a campanha...
E acho que o discurso de Ryan ontem à noite [na Convenção Republicana] mostra o
que terão de dizer. Acho que vão tirar o pé do acelerador dessa linha mais dura,
depois da Convenção. Quero dizer, eles tinham de “dar energia” à militância.
Fazem do melhor modo que podem.
Mas
acho que... Acho que Ryan nos dá uma pista. Primeiro, de que vão jogar George
Bush às traças. Obama diz, com razão, que boa parte do nosso problema já
começara no governo de Bush. Ryan diz: “esqueçam aquela história toda. Não temos
nada a ver com George Bush. O que sabemos é que, nos quatro anos de Obama, nada
melhorou”. E eles já... Você sabe: apesar de toda a conversa fiada, eles já
estão colados a Obama, nas pesquisas. E quando os eleitores são perguntados
sobre quem, na opinião de cada um, está mais qualificado para administrar a
economia... Romney aparece na dianteira. Mas toda essa conversa direitista, como
você diz, só apareceria aos olhos dos eleitores, se eles ameaçam o Medicare, a Seguridade Social. Acho que,
daqui em diante, terão de suavizar essa conversa. [inaudível] ao público, ontem
à noite, e jurou “o Medicare é nossa
promessa solene.” Já se vê que não vão atacar por aí. Não se recomenda atacar os
programas mais populares, dos quais as pessoas gostam. Nenhum eleitor gosta de
ser atacado.
JAY:
Acho
que estou entendendo que há uma espécie de fraqueza histórica dos trabalhadores
nos EUA, e daí essa confusão que se vê em grandes porções da classe
trabalhadora, sobre as causas da crise, sobre o que fazer para sair da crise. Se
você concorda com isso, então, primeiro: quanto da culpa por essa falta de
clareza você atribui ao governo Obama e à liderança do Partido Democrata? E,
dois, em que medida questões como a globalização, o muito que os sindicatos
apanharam e padeceram... Você acha que a direita está prevendo uma espécie de
“bom momento”, uma oportunidade de vencer, com uma agenda com a qual jamais
seriam eleitos em outros tempos?
FAUX:
É. E a razão é que... Mas sua pergunta é muito importante e muito ampla. Em
primeiro lugar, você sabe, a história mostra que presidentes no cargo não perdem
a reeleição só porque o eleitor “goste” do desafiante. Em 1980, por exemplo,
ninguém tinha nem ideia sobre alguma “plataforma” política de Ronald Reagan...
Mas o eleitor estava cansado de Jimmy Carter. Os Republicanos, hoje, estão
apostando nesse tipo de tática. Ronald Reagan ganhou a eleição no debate de
1980, quando perguntou “Vocês estão hoje em condições melhores do que há quatro
anos?”. O pessoal de Obama entende hoje, melhor que os Republicanos, que Romney
está tentando jogada semelhante àquela. Mas em contexto muito diferente.
Então,
em primeiro lugar: não é verdade que a classe trabalhadora nos EUA esteja
repentinamente se convertendo tanto à direita. Mas, sim, muita gente está
decepcionada com o pouco que a esquerda dominante, com Obama, realizou. E fato é
que muita gente – você sabe, desemprego alto, renda doméstica caindo – está,
hoje, em condições, sim, piores do que há quatro anos.
Mas,
sim... Grande parte disso tudo tem a ver com George Bush e com o que houve nas
décadas antes de Obama chegar à presidência. Você sabe... Mas muitos
norte-americanos estão [pensando] “O que esse pessoal fez por mim, nos últimos
tempos?” Quando Ryan disse, na Convenção, “por que alguém esperaria que os
próximos quatro anos sejam melhores que os quatro anos de Obama?” Essa é
pergunta difícil de responder... Por isso, é mensagem poderosa de propaganda.
E o problema é que os Democratas
não estão correspondendo à tarefa de realmente explicar ao povo dos EUA as
razões pelas quais estamos na atual crise. Obama tem-se dedicado a explicar por
que sua mensagem de campanha é a que é. Mas a questão é que o problema não é a
mensagem. Alguém teria de explicar ao povo por que estamos no pé em que
estamos[2].
E
parte do problema com o governo Obama aconteceu porque eles terminaram por
trazer Wall Street para dentro do
governo, “resgataram” Wall Street. No
fim, ficou impossível para eles se engajarem no que alguns chamam de “luta de
classes”. O problema é que, se houve algum momento, nos EUA, em que só a luta de
classes permite entender e poderia tirar os pobres da situação em que ficaram,
foi imediatamente depois do crash e da ameaça de quebradeira
em Wall Street. Naquele
momento, todo o projeto da economia conservadora estava “por baixo”,
completamente desacreditado. Há quem diga que foi um momento que poderia ser
aproveitado didaticamente, mas... os Democratas não aproveitaram para educar o
povo, explicar as coisas de modo claro, que todos entenderiam.
JAY:
Acho que... Parte do problema é também o
muito que o governo Obama é governo de uma parte de Wall Street. Foi financiado
por aquele grupo, trouxe aqueles economistas para administrar a economia. É
gente semelhante a Obama. Em certo sentido, acho que nem cabe esperar que as
coisas fossem muito diferentes do que foram e são. Sempre foi muito óbvio que
Obama é o homem que ele é. Mas na liderança dos grandes sindicatos tampouco
havia voz independente... Também nada fizeram para educar o povo. Sim, há quem
diga que os sindicatos não têm plataforma que lhes ajude a educar a sociedade...
Mas o caso é que muita gente de sindicato vai votar em Romney.
FAUX:
O quadro nos EUA ainda é tal que o pessoal organizado, sindicalizado, são
eleitores mais progressistas, em proporção muito maior que os trabalhadores que
não participam das atividades dos sindicatos, os trabalhadores médios. Um dos
problemas do movimento sindical é que acabou ficando dependente demais do
Partido Democrata. Quando Clinton meteu-lhes goela abaixo a mudança das leis
trabalhistas, você sabe... Os sindicatos ficaram sem ter para onde ir. Obama fez
exatamente a mesma coisa. Aí há, sim, um problema que o Partido Democrata nem
equacionou, menos ainda, resolveu.
Os
sindicatos, você sabe, estão reclamando muito contra o governo Obama. O novo
presidente da AFL-CIO (American
Federation of Labor and Congress of Industrial Organizations, a grande
confederação de sindicatos nacionais e internacionais dos EUA) é sujeito
assertivo, bastante agressivo. Mas, afinal, o que os sindicatos parecem estar
querendo é um governo Republicano Romney-Reagan... mas [se ajudarem a eleger
Romney], acabarão por ter um governo, que não será só indiferente às suas
necessidades, mas hostil a elas. É como se isso fosse o melhor que se pode
ter...
JAY:
Ouvi dizer que...
FAUX:
Mas nada disso ajuda na questão de melhorar a conscientização.
JAY:
É, aí está o ponto. Ouvi alguns desses
líderes – falando para seus sindicatos, em campanha. Dizem que o presidente
Obama é “nosso”, é “nosso homem”, tem o coração do lado esquerdo, do lado certo,
do nosso lado... Mas não se ouve nenhuma contextualização crítica, nenhum
argumento, nada de, OK, talvez Obama seja melhor para nós, que Romney, mas temos
nossos próprios interesses, e Obama não dá qualquer sinal de estar interessado
em representar os nossos interesses. Disso, não se ouve nem uma palavra. É pura
retórica de campanha eleitoral.
FAUX:
... até há, mas é pouco. Acho, até, que há mais disso, hoje, do que no passado.
É suficiente? Não sei dizer. Mas, simultaneamente, os sindicatos perdem quadros
todos os dias. E estão discursando com as costas já coladas à parede.
O
outro lado dessa moeda, Paul, é a questão de por que as coisas estão como estão,
se, não fosse o movimento sindical, os Democratas jamais teriam sido reeleitos.
Apesar disso, ao longo de 20 anos, o Partido Democrata assistiu impassível ao
enfraquecimento, ano após ano, de seu principal aliado. Você sabe: a reação dos
Democratas sempre tem sido “sindicatos não são assunto de governo”.
Simultaneamente,
os Democratas, a cada ano que passa, recebem mais e mais doações das grandes
empresas, para as campanhas eleitorais. Você sabe: Wall Street está infiltrada no governo
Obama, todos sabemos disso. Isso tudo implica que o equilíbrio dentro do partido
foi consideravelmente alterado.
O
caso é que, os trabalhadores norte-americanos votaram – se há cinco, talvez seis
anos, se alguém dissesse que a classe trabalhadora nos EUA votaria num professor
universitário afro-americano, que seria presidente dos EUA, você sabe, qualquer
um seria chamado de doido. Mas os trabalhadores votaram em Obama, e votaram
porque, no governo Bush, a economia estava sendo exportada para o sul. Acho
que... É preciso constatar o que os Democratas efetivamente fizeram, para
entender porque há hoje tanta ira contra eles.
Em
certo sentido, é suicídio, porque acho que, se tivermos os Republicanos no
governo no próximo mandato, os sindicatos serão esmagados. Mas, você sabe...
Todos falam, a cobertura que a imprensa faz... Há algumas semanas, eu estava num
restaurante no Maine, espiando uma televisão que havia no bar, e, em menos de 25
minutos, foram exibidos cinco spots de propaganda paga, todos contra
Obama. Vai ser... Vai ser assim, sem alívio, sem descanso.
JAY:
E o outro lado, do qual não se fala
muito....
FAUX:
Voltando à sua pergunta inicial, acho que, sim, que os Republicanos terão, sim,
que modificar a linha direitista mais dura.
JAY:
E o outro lado, do qual não se fala muito
na cobertura da mídia – há muitos comerciais da propaganda paga, mas a cobertura
realmente jornalística da Convenção, o perfil de Romney que está sendo
apresentado, o modo como os programas nas redes comerciais apresentam a disputa
como se fosse corrida de cavalos, como se se tratasse de escolher entre
argumentos, a falta de qualquer sentido de análise política... Quem assiste a
esse The Real News sabe que nunca fui
defensor muito empenhado do governo Obama. Mas a banalidade do discurso dos
Republicanos, a mesma conversa que já tantas vezes foi derrotada nas urnas, que
ano após ano é exposta como discurso sem profundidade, sem sentido. O país sabe
que todos lutamos por igualdade de oportunidades, não por resultados. E ainda
não ouvi alguém que destaque uma política dos Republicanos que tenha sido
realmente implementada, nem no plano federal, nem no plano estadual,
em governo dos
Republicanos , e que realmente tenha tornado as oportunidades
mais igualitárias. Falam e falam, mas é só retórica. OK, mas... ninguém, na
grande mídia, discute essa questão. O que lhe parece a cobertura que a mídia
está fazendo dessas eleições?
FAUX:
Na minha avaliação, terrível. Veja o The New York Times, OK, é um jornal
de notícias, de comentário matutino. Basta ler ou ouvir dois parágrafos... E
todos dizem que Ryan falou sobre... administrar um estado mínimo, bem pequeno,
quanto menor, melhor, governo mínimo, seus planos para fazer governo mínimo
em estado
mínimo... Ora ! Todo mundo sabe que Ryan não tem plano algum
para algum governo mínimo, nunca pensou nisso. E todos os analistas e
comentaristas sabem disso. Fato é que, com um orçamento como o que Ryan
apresentou, cheio de mentiras e distorções, incluindo a grande mentira que é o
seu Medicare, ele jamais governará,
nem pequeno nem grande estado, nem pequeno nem grande governo.
Outra
coisa também sobre o tamanho do Estado e do governo, que me parece importante
lembrar, é que os Democratas admitiram, deixaram que prosperasse o ataque contra
o governo “grande”. De fato, começou ou Clinton, ou, talvez, pode-se dizer,
começou antes, com Jimmy Carter, quando os Democratas acompanharam a crítica dos
Republicanos na crítica contra o estado “grande”. Você sabe, Bill Clinton disse
que se acabara o tempo do estado “grande”. Assim, aos poucos, todo mundo hoje é
contra estado grande e governo grande. Mas ninguém se opõe a bancos grandes,
business grande, Wall Street
grande. Assim nos metemos no problema em que estamos... de não sabermos defender
o grande, enorme estado; e o grande, enorme governo Obama, sem os quais não
haveria como salvar a pele dos bancos, business, Wall Street. E se um estado “grande”,
nos anos de Obama, não tivesse investido algum dinheiro... A taxa de desemprego,
hoje, seria o dobro da que é.
O
problema é que não aparece ninguém que lembre, por puro bom-senso, que seja,
que... Calma lá! Somos país grande, estamos com problemas grandes. Melhor
começarem a se acostumar com a ideia de que precisaremos de governo grande,
estado grande. Não. O que temos é o pessoal de Romney-Ryan que aí está com a
conversa de “claro que o orçamento militar não será cortado, os militares terão
até mais dinheiro que antes”. Mas... O que são forças armadas “grandes”, se não
“estado grande” e “governo grande”?
JAY:
Obrigado,
Jeff, pela entrevista.
Notas
dos Tradutores
[1]
“Direita”
e “esquerda”, nos EUA, não são conceitos equivalentes, correspondentes ou
comparáveis com os que se discutem no mundo da esquerda europeia e discutia-se
dentro da esquerda brasileira antes dos anos 80s. O que se chama de “esquerda”,
nos EUA, é, no máximo, uma espécie de centro-esquerda liberal (a favor do Estado-Providência, dos direitos civis das minorias, pelas causas ditas
ecológicas, de gênero etc.). Toda a chamada “esquerda” nos EUA é mais
furiosamente anticomunista que a D. Dora Kramer, colunista deO Estado de
S. Paulo e musa da UDN-paulista-sempre-golpista.
O
Partido Democrata, nos EUA, “flutua” no campo liberal, nem sempre
necessariamente a favor de alguma esquerda mais ou menos consistente e, não
raras vezes, obra a favor do mais declarado conservadorismo de direita (como,
por exemplo, mas não é caso único, quando os conservadores do sul dos EUA
controlavam o bloco Democrata, à direita, até, dos Republicanos). Nesse sentido
é que se vê, nessa entrevista, é definir os Democratas de Obama como “esquerda”.
Interessante
observar que o Partido dos Trabalhadores, no Brasil, está seguindo a tendência
desse maneirismo da política partidária dos EUA, convertendo-se também em
partido “flutuante”, que abriga também uma direita liberal (metida a “ética”) e
cujo conteúdo de “esquerda” afere-se, só, pela posição relativa em oposição à
direitona paulista e nordestina mais militantemente fascista. Só nesse sentido
se entende que o governo Dilma, por exemplo, seja dito governo “de esquerda”: se
o comparamos aos governos dos generais da ditadura, sim, é governo de esquerda
(“mas só porque à direita daquilo não caberia ninguém” – como se ouvia dizer no
Brasil, há alguns anos, e ouve-se cada dia menos). Mas, como uma dita “esquerda”
obamista, nos EUA, o governo Dilma não tem qualquer discurso político
consistentemente marxiano, que consiga ultrapassar o economicismo (e
correspondente neodesenvolvimentismo) ainda incapacitantemente liberal
conservador.
[2]
“Explicar” embora superficialmente, sem nada aprofundar, mas, pelo menos,
oferecendo alguns argumentos ou, no mínimo, algumas frases, que os eleitores dos
Democratas podem usar como arrimo, foi, exatamente, o que fez o ex-presidente
Bill Clinton, em seu discurso à Convenção Democrata, anteontem [depois desta
entrevista].
Hoje, na sequência da campanha, em viagem pelo
país, o presidente Obama repetiu três vezes, em três diferentes cidades, que “há
gente dizendo pelo Twitter que temos
de nomear o presidente Bill Clinton para o cargo de Secretário para o Serviço de
Explicar essa Coisa. Bom... não disseram “coisa”... Demos uma limpada na
frase... [gargalhadas]. Leia mais notícias ( em inglês) e veja mais imagens a
seguir:
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