8/6/2012,
Wikileaks Australian Citizens
Alliance, Per E
Samuelson
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Per E
Samuelson, advogado sueco, da equipe de
defesa de Julian Assange
Per E. Samuelson |
O
caso de Julian Assange resultou em intensa crítica, internacional, da
jurisprudência sueca. O professor de Direito Mårten Schulz insiste que, sim, há
devido processo legal na Suécia. Mas não diz que experiência tem do nosso
sistema de detenção, restrições, impedimentos às visitas dos advogados etc.. Schulz fala do que não sabe.
É
mais que hora de alguém que conheça a realidade bater na mesa e dizer as coisas
como as coisas são: não há devido processo legal na Suécia. Na Suécia, de
rotina, a detenção é praticamente sempre mal usada. É usada quando não é
necessária, é usada para humilhar e impede o acusado de preparar a própria
defesa.
Iniciar
um processo com prender o suspeito e isolá-lo do mundo é recurso a usar no caso
de crime de sangue, e desde que não haja qualquer dúvida sobre a culpa do
suspeito. Anders Breivik na Noruega e Mijailovic, assassino de Anna Lindh, são
casos exemplares. Deixá-los em liberdade antes do julgamento é impensável e
repugnante.
Mas
em caso em que se trate de determinar quem diz a verdade e quem mente, entre
dois cidadãos normais, membros adaptados da sociedade, dois indivíduos que
jamais cometeram crime algum, nesse caso é, sim, indispensável, perguntar por
que um deles teria de ser isolado e mantido preso antes de ser julgado. O caso
de Assange inscreve-se nessa categoria.
O
caso começou em agosto de 2010, com o primeiro interrogatório policial a que
Assange respondeu. Até ali, era homem livre. A procuradora requereu outro
interrogatório para o final de setembro e insistiu em que Assange respondesse
como preso e fosse mantido em isolamento. Para tanto, requereu que Assange fosse
preso; emitiu um Mandado Europeu de Prisão; e requreu a extradição de Assange. O
Tribunal do Distrito de Estocolmo e a Corte de Apelação de Svea deram-lhe o
direito de prender Assange in absentia.
Julian Assange |
Mas
nem Julian Assange nem o mundo que nos cerca conseguem entender. Por que nem o
interrogatório policial seria possível sem Assange estar preso? Assange não vive
na Suécia. Trabalha em todo o planeta e seu trabalho exige que viaje livremente.
Por que a Suécia não poderia aceitar isso, e mandar interrogá-lo, sem
acrescentar as exigências de detenção e isolamento? Ele compareceria aos
interrogatórios. O interrogatório aconteceria. E ele iria para onde precisasse
ir, seguindo o rumo de sua própria vida. E se houvesse julgamento, ele voltaria
para ser julgado. Se a Suécia tivesse encaminhado o processo desse modo, tudo já
estaria julgado e decidido há muito tempo.
Mas
eles insistem em que o único modo de interrogar Assange é obrigá-lo a ir à
Suécia. Na chegada, será imediatamente preso e posto sob custódia da polícia e
será levado à prisão. Depois será levado à audiência algemado e será
oficialmente preso. E permanecerá preso até o final do julgamento.
Por
que Assange, o mundo que nos cerca e eu – um dos advogados encarregados de
defendê-lo – criticamos tanto esses procedimentos?
Primeiro:
porque não é necessário. A procurador pode suspender o Mandado de Prisão e a
detenção, e o interrogatório pode ser marcado e feito muito rapidamente. Ou um
interrogatório na Inglaterra, ou na Embaixada da Suécia em Londres.
Segundo:
essas condições são humilhantes. Por que o acusado está sendo tratado como
culpado, antes, até, de ser interrogado? Não há acusação, não houve julgamento,
não há condenação.
Países
nos quais haja justo processo legal prendem os culpados, não os acusados, menos
ainda os inocentes. Porque na Suécia prende-se gente antes de saber se são
culpados ou não, efeito do mau uso, na Suécia, da detenção, há aqui tantos
inocentes presos. É injusto, é revoltante, é repugnante.
Estão
criando dificuldades insuperáveis, até, para que Assange prepare a própria
defesa. O preso em cela de isolamento, só tem contato, no máximo, com o próprio
advogado. Enquanto isso, a acusação e a outra parte podem tranquilamente
conversar com testemunhas, discutir e preparar estratégias. Por que só a
acusação? Por que se nega igual oportunidade ao acusado?
O
caso de Julian Assange é exemplo eloquente do dano provocado pelo mau uso que se
dá, na Suécia, à detenção e outras restrições. E a Suécia, evidentemente, está
sendo muito criticada por essas práticas. A crítica não vem nem de Assange nem
de seus apoiadores, mas de muitos cidadãos respeitáveis em todo o mundo. Nada
disso parece ter chegado aos ouvidos do professor Mårten Schulz e de alguns
outros suecos. Mantêm-se cegos e surdos a essas verdades, por razões que
permanecem obscuras.
Não
é fácil pensar fora da caixa. Dá-se por pressuposto que o que se faz está
correto, apenas porque foi feito. Mais ainda, em alguns casos, dependendo de
quem tenha feito. Muita gente, no sistema judicial, comete esse erro de lógica.
E trata-se também de nacionalismo. A crítica internacional aos erros de alguns
suecos é vista como ataque contra a Suécia. E os suecos correm para proteger os
caixotes lacrados, cujo conteúdo desconhecem.
Fora
da Suécia não se conhecem os antolhos que se usam na Suécia. Em outros países, a
detenção é significativamente menos mal usada. Praticamente em nenhum caso o
acusado é isolado antes, até, de ser interrogado. Há gente libertada sob fiança,
que, mesmo acusada, pode voltar ao mundo para preparar a própria defesa – como
propusemos à procuradora sueca.
Por
tudo isso, aconselho Mårten Schulz e vários suecos: parem de agir como gangue
contra Assange, abram os olhos, olhem a realidade em volta! O tratamento que o sistema
judiciário sueco preparou para Assange é desnecessário, visa a humilhá-lo,
sentencia-o culpado “preventivamente” e o impede de preparar a própria
defesa.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Registre seus comentários com seu nome ou apelido. Não utilize o anonimato. Não serão permitidos comentários com "links" ou que contenham o símbolo @.