sábado, 9 de junho de 2012

Uma resposta de Habermas à Eurocrise [1]


8/6/2012, Valentina Pop, EUobserver
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Sobre: HABERMAS, Jüergen [2011], 2012, The Crisis of the European Union: A Response, NY: Polity Press, 140 p.

Jurgen Habermas
Depois de dois anos de disputas à beira do abismo e troca de fogo na Eurozona, os líderes da União Europeia começam a parecer dispostos a voltar à mesa de desenho, para traçar um plano de longo prazo, segundo o qual a Eurozona começaria a deixar de ser exclusivamente união monetária, para ser união política e fiscal. Nesse cenário político, um dos mais respeitados filósofos contemporâneos, Juergen Habermas, publica seu recente The Crisis of the European Union: A Response [A crise da União Europeia: uma resposta].

Lançado em 2011 em alemão, e traduzido em abril de 2012 ao inglês, a “resposta” de Habermas à Eurocrise clama por mais legitimidade democrática para as instituições europeias e menos “negociação” e decisões tomadas nas coxias, por governantes nacionais diretamente pressionados pela rua.

Relembrando o momento chave, em 2010, quando a chanceler alemã Angela Merkel adiou uma decisão sobre o primeiro resgate para a Grécia, até depois de eleições regionais na Alemanha, Habermas escreve: “Foi quando pela primeira vez dei-me conta de que o fracasso do projeto europeu, sim, era risco real”.

Merkozy
O parceirariato Merkel-Sarkozy foi responsável pela maioria das decisões, na Eurozona, que levaram todo o projeto em direção diferente da que o filósofo alemão deseja para a UE. Na tradição do Iluminismo de Immanuel Kant, Habermas antevê um mundo de cidadãos cosmopolitas, que dão legitimidade a um sistema político de vários níveis simultâneos – nacional, europeu e global.

Mas, em direção oposta a isso, a dupla Merkel-Sarkozy caminhou para formar um inter-governamentalismo, que é o contrário dos objetivos federalistas do Tratado que criou a UE. Em 2011, Habermas escreveu:

“Esse regime de comando central no Conselho Europeu, permitirá que a “dupla” transfira os imperativos do mercado para dentro dos orçamentos nacionais. Esse processo envolverá usar a ameaça de pressões e sanções para esvaziar de poder os parlamentos nacionais, de modo a implementar acordos informais e não transparentes.”

Alternativa a isso é “continuar consistentemente na trilha da domestificação democrática legal da União Europeia”. Para Habermas, “não há meios para retificar os erros da construção da união monetária, sem revisar o Tratado”.

Ao governantes, Habermas aconselha que abandonem a abordagem fragmentada “comandada por especialistas” e busquem uma luta honesta e “cheia de riscos” com o público mais amplo.

Para Habermas, o argumento dos eurocéticos, para os quais estruturas supranacionais – como a União Europeia – não teriam jamais legitimidade democrática, é argumento falhado, porque “os povos” da Europa continuam diretamente envolvidos e são consultados em eleições parlamentares e referendos em todos os níveis e sobre todas as questões. E, diz ele, é preciso distinguir entre “soberania popular” e “soberania do Estado” – dois conceitos que seguidamente aparecem confundidos tanto no discurso dos progressistas como nos discursos dos conservadores.

A “soberania partilhada” entre estados-nação e a União Europeia, consagrada no Tratado de Lisboa, volta aos mesmos cidadãos que desejam que seus governos nacionais prestem contas de suas políticas domésticas, ao mesmo tempo em que questões mais amplas – poluição, produção padronizada, transportes – devem ser tratadas no nível europeu. Mas, como Habermas explica, a estrutura política da União Europeia criada para governar essa soberania partilhada está carregada de falhas. Não há “relação simétrica” nas funções e competências dos três principais corpos: o Parlamento Europeu, a Comissão da União Europeia e o Conselho de Ministros.

Para começar, não há lei eleitoral unificada para o Parlamento Europeu – em alguns países, os deputados ao Parlamento Europeu são escolhidos em eleições diretas; em outros, são escolhidos a partir de listas partidárias.

Em segundo lugar, como Habermas escreve:

“O Conselho Europeu, o segundo na lista de órgãos, abaixo do Parlamento, nos termos do Tratado de Lisboa, é completa anomalia. Como local ao qual tem assento a autoridade política dos chefes de governo, o Conselho Europeu é – até mais que o Conselho de Ministros – o real contrapeso ao Parlamento. Mas suas relações com a Comissão Europeia, que se autoidentifica como guardiã dos interesses da Comunidade, ainda não são claras.”

Ainda que sejam instaurados os adequados controles e contrapesos, o elemento mais importante para o sucesso da União Europeia continua a ser o conjunto dos cidadãos, ao qual ninguém parece dar atenção, e a cujo papel todos permanecem desatentos. A comunicação dentro da sociedade civil só terá lugar “à medida em que as esferas públicas nacionais abram-se, gradualmente, umas em relação às outras” – escreve Habermas.

“A transnacionalização dos públicos nacionais existentes não exige novos tipos de veículos e mídia, mas, em vez disso, uma prática diferente nos grandes veículos e mídia existentes. É preciso não apenas que tematizem questões europeias como tais; têm também de dar conhecimento a todos os cidadãos também das posições e controvérsias que estejam acontecendo, sobre as mesmas questões, em outros estados-membros.”

O trabalho migrante, o turismo de massa e a Internet são, dentre outros, fatores que tornam irrelevantes as fronteiras nacionais. Com os cidadãos em vários países – hoje, na Grécia, Irlanda, Portugal e também na Espanha e na Itália – sentindo o peso das decisões tomadas no nível da União Europeia diretamente sobre a vida diária, pode-se legitimamente esperar que se interessem e se engajem também na política da União Europeia.



Nota dos tradutores:

[1] Sobre o mesmo filósofo e livro, há em português, na Revista Fórum, “Jürgen Habermas, a razão e a Europa unificada. Perdeu, playboy”, 12/12/2011, exemplo de triste “crítica”, tão frequente na mídia brasileira, em que o “crítico” está mais empenhado em fazer ouvir primeiro a “crítica” e, só depois de criticado (na maioria das vezes, só depois de diluído e esculhambado), o pensamento que o “crítico” “critica”.
Habermas não começou a ser hoje o filósofo que é. Ninguém é obrigado a concordar com o que ele escreve. Mas o que quer que escreva não o torna(ria) “perigoso”, a ponto de ter de ser desmontado “preventivamente”, antes, mesmo, de ter existido como assunto fora dos círculos acadêmicos elitizados e nas discussões da opinião pública no Brasil. Operando como sempre opera, a “mídia”, no Brasil, insiste em vender mais a própria opinião (ou, pelo menos, em vender ANTES a sua própria opinião), que o pensamento dos pensadores cujas publicações são tão semi-noticiadas quanto semi-criticadas).
Mais interessante, pode-se ler em português um artigo de Habermas sobre o mesmo tema, de 10/11/2011, publicado no jornal La Repubblica: O futuro da Europa entre crise e populismo (traduzido por Moisés Sbardelotto para a Unisinos); interessante e claro, do qual, evidentemente, todos podem discordar (depois de ler).

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