domingo, 17 de junho de 2012

Morte na Arábia: o problema saudita


15/6/2012, MK Bhadrakúmar*, Indian Punchline blog
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu


Príncipe Coroado Nayef
Bin Abdul Aziz
A morte repentina do Príncipe Coroado Nayef, saudita, traz de volta às manchetes o problema saudita. O país enfrenta terríveis desafios [1] – sistema monárquico arcaico, corrupção e venalidade rampantes, dificuldades socioeconômicas que só se aprofundam, o fortalecimento dos xiitas, levantes regionais e vizinhança nada amistosa. Mas a ironia mãe de todas as ironias começa a desenrolar-se agora, no período de 30 dias, entre Nayef ser sepultado e selecionar-se outro Príncipe Coroado para ocupar o seu lugar.

A Arábia Saudita aparece ante o mundo como campeã pró-“reformas” e “democracia” e “direitos humanos” na Síria. Simultaneamente, mantém, internamente, um dos sistemas políticos menos democráticos e obscuros do planeta [2]. 34 cavalheiros desconhecidos do mundo externo, declarados descendentes diretos do fundador do Império, Abdul-aziz Ibn Saud (que teve 34 filhos), tomarão a difícil decisão de escolher quem será o Príncipe Coroado que sucederá o rei Abdullah. Não devem explicações ou satisfações a nada e a ninguém. Trata-se de perfeita cabala [3] que zomba da democracia representativa ocidental.

O fator “desconhecido desconhecido” é, claro, que o establishment de segurança e inteligência dos EUA tem influência quase total sobre esses “decisores”, cujos respectivos patrimônios milionários repousam, todos, nos cofres de bancos ocidentais.

Príncipe Nayef sendo homenageado pelos familiares
A lista dos dignitários presentes aos funerais de Nayef serve como bússola para navegar pelas tormentosas águas da política regional. Do Paquistão, irão dois, o Primeiro-Ministro, Yousuf Gilani e o comandante das Forças Armadas, Ashfaq Kayani. Kayani também? Sim, sim. [4] O que dirão disso os especialistas colunistas de tantos jornais indianos, segundo os quais os laços que ligam o Paquistão e a Arábia Saudita estariam “estremecidos” por algum tipo de movimento “gravitacional” dos sauditas em direção à Índia?

Não faltarão líderes ocidentais que se derramarão em elogios ao legado de Nayef. Melhor fariam se se limitassem a louvar o petróleo da Arábia Saudita e desfilassem, em silêncio reverencial, ante uma pira de petrodólares. Afinal, bem feitas as contas, qual o legado de Nayef? Curiosamente, morreu no mesmo dia em que um pequeno grupo de mulheres sauditas decidiram desafiá-lo [5] – e desfilaram dirigindo, elas mesmas, os próprios carros.

Povo comemora a morte do príncipe nas
província ocidentais da Arábia Saudita
Nayef usou violência extrema e recorreu à brutalidade [6] para livrar-se de ditos membros da al-Qaeda, de islamistas, de liberais e de mulheres, de xiitas e de todos os tipos de dissidência, como se fossem todos a mesma dissidência e os mesmos dissidentes. A volta do chicote, que talvez tarde, mas vem, obrigará a reavaliar todo o papel de Nayef durante um período crítico de transição na região. Foi figura chave na intervenção saudita no Bahrain, que ainda está em julgamento, nas ruas. E muitos islamistas radicais xiitas baseados no Iêmen esperam para promover o acerto final.

Nayef nunca foi figura “popular” [7] na própria terra, mas, afinal, quem gosta de chefes de polícia? Problema é que, nas províncias ocidentais da Arábia Saudita, seu passamento está sendo, como mostram algumas fotos, festejado. [8]



Notas de rodapé

[1] 17/6/2012, The Guardian (Reuters), em: Saudi royals face challenges as heir dies
[2] 17/6/2012, Reuters, Angus McDowall em: Saudi succession: how oil kingdom picks its kings
[3] 17/6/2012, Reuters, em: Factbox: Saudi Arabia’s Allegiance Council
[4] 16/6/2012, Pakistan Times News, em: Gilani, Kayani leave for Saudi to attend Nayef's funeral
[5] 18/6/2012, Sidney Herald, Ruth Pollard em: Saudi heir's death fails to curb women at wheel
[6] 16/6/2012, Reuters, Angus McDowall em: NEWSMAKER-Saudi Crown Prince Nayef left security legacy
[7] 16/6/2012, Wall Street Journal, Ellen Knickmeyer, em: Saudi Arabia’s Enforcer of Internal Security
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*MK Bhadrakumar foi diplomata de carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética, Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e Turquia. É especialista em questões do Afeganistão e Paquistão e escreve sobre temas de energia e segurança para várias publicações, dentre as quais The Hindu, Asia Online e Indian Punchline. É o filho mais velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista, tradutor e militante de Kerala.

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