sexta-feira, 15 de junho de 2012

Eurocopa e o complexo de vira-lata



Publicado em 14/06/2012 por Mair Pena Neto*

Tenho acompanhado, com interesse, a Eurocopa, que se disputa na Polônia e na Ucrânia, mas não deixo de me sentir incomodado pela diferença de tratamento que os próprios brasileiros, imprensa incluída, dão à competição européia em comparação com a Copa América, que reúne as seleções da América do Sul e, desde 1993, o México e mais um convidado da América Central ou do Norte.

Não nego o nível de importância e, principalmente, a dimensão da Eurocopa, que, devido ao grande número de países do continente, permite uma competição com 16 seleções, divididas em quatro grupos, o que seria o tamanho ideal até para uma Copa do Mundo. A América do Sul tem apenas 10 países e, mesmo com os dois convidados, não pode ter um torneio tão grande.

Mas como tamanho não é documento, a importância das duas competições se equivale, e, se perdemos em alguns aspectos, ganhamos em outros. Curiosamente, um dos primeiros pontos a nosso favor é a tradição. A Copa América é muito mais antiga que a Eurocopa, apesar do início do futebol organizado no velho continente. Os países sul-americanos se enfrentam desde 1916, enquanto os europeus só começaram a disputar um torneio entre seleções em 1960.

Essa longevidade da Copa América, inicialmente disputada a cada ano, proporcionou a realização de 43 edições, ricas em histórias. O Uruguai, sempre pioneiro, assim como na Copa do Mundo, ganhou as duas primeiras edições (1916 e 1917), e a competição de 1918, prevista para o Rio de Janeiro, não aconteceu pelo surto da gripe espanhola, que matou milhares de pessoas, inclusive Otávio Egídio, que jogara no primeiro jogo internacional da seleção brasileira, como conta Ivan Soter, em Enciclopédia da Seleção.

O adiamento retardou em um ano a inscrição do nome do Brasil na taça, o que aconteceu em 1919, no torneio disputado no novo estádio do Fluminense, então o maior da América Latina, com capacidade para 25 mil pessoas. Segundo os cálculos da época, essa capacidade só seria atingida em 30 ou 40 anos, mas no jogo de abertura o estádio estava lotado, sem contar os que não conseguiram entrar em assistiram ao jogo na pedreira da rua Pinheiro Machado.

Brasil, Argentina e Uruguai protagonizaram muitas batalhas na Copa América, muitas vezes descambando para a pancadaria, e criaram uma rivalidade que transcende o continente pelo sucesso do seu futebol. A supremacia brasileira nas Copas do Mundo não se repete na Copa América, na qual os uruguaios são os maiores vencedores, com 15 títulos, seguidos pelos argentinos, com 14. O Brasil vem em terceiro, com oito títulos, quatro deles nas edições mais recentes, excetuando a última, vencida pelo Uruguai.

Também pelos craques em campo, a Copa América, mesmo em menor escala, rivaliza e, muitas vezes, supera, a Eurocopa. Uma competição sul-americana hoje com Messi, Neymar e Forlán não perderia para a atual edição da Eurocopa. Alguns poderiam argumentar que a Copa América se reduz a Brasil, Argentina e Uruguai. É verdade indiscutível, já que são as principais potências esportivas da América do Sul. Mas a Eurocopa não é muito diferente. A Alemanha é a maior vencedora, seguida por França e Espanha. A poderosa Itália só venceu uma vez, e existem outros títulos isolados, que podem ser comparados às vitórias de Colômbia e Bolívia, por exemplo.

Nas competições entre seleções, a Europa não pode ostentar o poderio econômico que leva para seus clubes os melhores jogadores do mundo. Com isso, entram em campo os jogadores europeus. E se vemos grandes jogos, como Espanha e Itália, também assistimos a peladas, como Polônia e Grécia.

O propósito aqui não é desmerecer a Eurocopa, uma excelente competição, muito bem organizada e, sobretudo, propagandeada. Mas chamar a atenção para a necessidade de se valorizar mais a nossa competição continental, a partir daqui, para não voltarmos no tempo e reeditarmos o complexo de vira-lata, superado desde a gloriosa conquista da Copa de 1958 na Suécia.

Mair Pena Neto* é um jornalista, carioca e trabalhou em O Globo, Jornal do Brasil, Agência Estado e Agência Reuters. No JB foi editor de política e repórter especial de economia.

Enviado por Direto da Redação

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