1/6/2012, Paul Rosenberg,
Al-Jazeera,
“Opinion”
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Paul Rosemberg |
San
Pedro, CA – Com a fase de eleições gerais da eleição presidencial nos EUA em
andamento, a recente reunião de cúpula da OTAN serve como potente sinal de
alerta, para vermos que há bem pouca diferença entre os extremistas
conservadores que dominaram a política exterior dos EUA no governo de George W
Bush, e os neoliberais que mandam em praticamente todo o governo
Obama.
Vejam-se, para começar, e
sobretudo, as dúzias de soldados veteranos das guerras do Iraque e do
Afeganistão, que devolveram as medalhas que receberam em combate [1],
numa ação de massa que fez lembrar a Operação Dewey Canyon III, em abril de
1971 [2],
quando mais de mil membros da organização Veteranos do Vietnã Contra a Guerra
mantiveram-se durante cinco dias, em marchas e manifestações ininterruptas
contra a Guerra do Vietnã em Washington-DC, manifestações que incluíram uma
cerimônia junto ao Túmulo do Soldado Desconhecido e outra, nos degraus do
Capitólio, quando mais de 800 veteranos também devolveram as medalhas de
combate.
Milhares de manifestantes foram a Chicago para protestar contra a Cúpula da OTAN |
Na
abertura do protesto, o sargento Alejandro Villatoro apresentou os demais
veteranos:
“Agora, um por um, veteranos das
guerras da OTAN subirão ao palco. Eles dirão por que decidiram devolver suas
medalhas à OTAN. Não esperam novas homenagens. Querem apenas que ouçam o que
eles têm a dizer. Em nenhuma outra cerimônia, vocês verão e ouvirão tantos dos
que combateram nessas guerras, e que contam histórias de vida, da jornada entre
guerrear guerras e passar a exigir paz. Muitos de nós matamos inocentes. Alguns
de nós trabalharam, de casa, para que aquelas guerras continuassem. Alguns de
nós vimos amigos morrerem. Alguns de nós não estão aqui, porque entre nós há
muitos suicídios. Absolutamente não recebemos a atenção que os governos nos
prometeram. Todos nós assistimos ao processo pelo qual políticas fracassadas
levaram a um banho de sangue.”
Duas
faces da mesma moeda
Como os veteranos da era Vietnã,
esses veteranos contra a guerra encontram muito – embora nem sempre divulgado –
eco na opinião pública nos EUA. Segundo a mais recente pesquisa
divulgada [3],
o apoio à Guerra do Afeganistão já está abaixo de 27%, com 66% que se declaram
em oposição – nível semelhante ao de 1971, durante a Guerra do Vietnã, e 20%
menor que o de há apenas dois anos. Mesmo assim, o presidente Obama assinou
acordo de “segurança” por dez anos, com o presidente afegão Hamid Karzai, em
recente visita surpresa ao Afeganistão. Não há nem vestígios de ação da al-Qaeda
no Afeganistão, mas manter o envolvimento dos EUA com certeza servirá para criar
mais e mais inimigos por lá, ainda por décadas.
Nada
disso corresponde ao que a maioria dos eleitores esperavam que acontecesse. Em
outubro de 2002, afinal de contas, Obama fez discurso antiguerra, não? Por isso,
precisamente, muitos ativistas de movimentos populares garantiram a ele vantagem
decisiva nas primárias do partido Democrata de 2008. Obama era o candidato em
que o povo confiou para por fim às guerras de Bush e levar a nação para novo
rumo. Mas bastou assumir o governo, e as políticas de Obama mostraram muito mais
semelhanças e continuísmo, que mudanças, comparadas às políticas de Bush –
padrão que só se tornou mais acentuado com o passar do tempo, como se viu
claramente na reunião de Cúpula da OTAN, em Chicago.
Não
implica que não haja diferenças significativas entre neoconservadores e
neoliberais. Duas delas se destacam:
Primeiro,
que os neoconservadores representam apenas um grupo, no caleidoscópio da
ideologia conservadora, com foco e influência limitada, em grande parte, à
política externa dos EUA. E os neoliberais, por sua vez, representam quadro
muito mais integrado de interesses econômicos, militares, de política externa e
de questões sociais, e vivem de aplicar seu tosco evangelho de fé em soluções de
‘livre-mercado’ a qualquer coisa que se mova.
Segundo,
que os neoconservadores são gente espantosamente cruel, impulsiva,
indisciplinada e perigosa que pode, facilmente, jogar o mundo em incontáveis
desastres militares, enquanto os neoliberais são calmos, metódicos e bem
educados; e muito mais eficazes na arte de empurrar o mundo para a desgraça e o
desastre, em vez de, como os neoconservadores, mergulharem de cabeça. Essas
diferenças de temperamento, também levam os neoliberais a serem mais
multilateralistas.
Mas,
no longo prazo, os resultados são tristemente parecidos. Para os aliados, os
neoliberais talvez pareçam mais fáceis de lidar, porque mais agradáveis e menos
imprevisíveis, mas, no final, são todos o mesmo império. Nem neoconservadores
nem neoliberais têm qualquer intenção de enfrentar, de verdade, nem a evidência
de que o império está declinante nem os evidentes danos que o império
norte-americano provoca, para começar, à própria democracia nos EUA. E, se não
se incomodam com isso, menos ainda se incomodam com danos que os EUA provoquem à
democracia em terras longínquas.
Nem
neoconservadores nem neoliberais têm ideia alguma de como construir economia
sustentável, com prosperidade para todos.
Obama
foi eleito à presidência, sobretudo, pela ilusão que se disseminou de que suas
políticas não coincidiriam tão substancialmente com as políticas nas quais tanto
confiavam os neoconservadores da era Bush; e de que Obama as repudiaria com
firmeza.
Em
vez disso, Obama deu jeito de “racionalizar” as políticas de Bush – em termos
gerenciais e em termos de propaganda – e com muito mais eficácia do que Bush
algum dia sonhou que fosse possível.
OK.
Não se fala mais em “guerra global ao terror”, mas o conceito continua vivo e
forte, mais inquestionável que antes, porque, agora, nem o nome se pode
pronunciar. Sai a palavra “tortura”, e entram em cena o “assassinado
predefinido” e o estranho verbo “dronar”, assassinar com aviões-robôs tripulados
à distância, os drones. Torturar não pode; assassinar com premeditação,
pode.
Mais
dissidentes do que nunca foram e continuam a ser processados e condenados (ou só
condenados), ou são investigados, com oposição popular muito menor do que a
oposição que Bush encontrou.
Criminosos
de guerra andam livremente pelo país, protegidos pela ordem de “olhar avante,
não para trás”, enquanto suspeitos de vazarem informações confidenciais, como
Bradley Manning, são processados por colaboração com o inimigo. Se Obama ainda
fosse senador Democrata, talvez até se declarasse moralmente ultrajado.
A
volta do Projeto para uma Nova América
Enquanto o foco é alterado, de
“coturnos no solo” para “drones no céu” , os progressos da
fantasia-delírio do escudo de mísseis de defesa à moda Guerra nas Estrelas da
era Reagan mostram um Obama muito mais comprometido com o mesmo delírio, que o
próprio Bush. Bush, afinal, só tratou de levar avante a missão neoconservadora
de transformar o exército dos EUA em “força ágil, pós-moderna, de
cibercombatentes”, o que os neoconservadores chamavam de “transformar as Forças
Armadas dos EUA, para explorar a “Revolução nos Assuntos Militares” [orig.
“revolution in military affair”, (RMD)] – uma das quatro “missões núcleo”
identificadas no Projeto para uma Nova América [orig.Project for a New
America] do documento “Reconstruindo as Defesas dos EUA” [orig.
“Rebuilding America's Defenses”], de 2000 [4].
Aquele
relatório citava dois aspectos definitórios da RMD: “defesas com mísseis
globais” e “controle do espaço e do ciberespaço”. Mas a mudança para foco
centralizado na tecnologia de informação – com uso da tecnologia de GPS
da primeira Guerra do Golfo – teve efeitos dramáticos, que mudaram profundamente
os planos de todos os braços das forças militares dos EUA.
Apesar
de aquele documento ter sido subestimado quando surgiu, e de Bush ter-se
revelado espantosamente incapaz de cumprir a primeira “missão núcleo” de
“defender a pátria norte-americana”, em vários sentidos o documento
“Reconstruindo as Defesas Norte-americanas” foi sinistramente profético do modo
como os militares dos EUA responderam ao 11/9, apesar de aquele documento sequer
mencionar terroristas, exceto a possibilidade de eles assumirem o controle das
comunicações por satélite. A certa altura, o documento registra, com espantosa
franqueza:
“Apesar
de o conflito não resolvido com o Iraque servir como justificativa imediata, a
necessidade de implantar e manter presença militar dos EUA no Golfo transcende a
questão do governo de Saddam Hussein.” Adiante, dizia o mesmo documento: “O
processo de transformação, ainda que traga mudança revolucionária, será
provavelmente longo, se não houver algum evento catastrófico catalisador – como
um nova Pearl Harbor.”
O
11/9 foi precisamente esse tal evento catalisador – e mesmo assim, quando tudo
já estava dito e feito (e as torres gêmeas estavam derrubadas) para grande
entusiasmo e euforia dos mesmos, os neoconservadores simplesmente não tiveram
competência para fazer o que era esperado que fizessem.
Vale
lembrar que as outras duas “missões núcleo” identificadas
eram:
-
combater e vencer em múltiplos e simultâneos grandes teatros de guerra;
-
cumprir os deveres “de autoridade” [orig. constabulary] associados à modelagem do ambiente de segurança em regiões críticas.
Quanto
ao primeiro, a impossibilidade de controlar impulsos agressivos, típica dos
neoconservadores, não só os inspirou na direção de pensar em vários e
simultâneos teatros de guerra, mas, também na prática, a invadirem o Iraque,
deixando por acabar o ‘serviço’ no Afeganistão (e não só ‘por acabar’:
principalmente, em estado de rápida deterioração) –, mais uma indicação da
impotência dos neoconservadores para realizarem as próprias fantasias.
O
firme compromisso de Obama com o multilateralismo despertou caretas – e pior que
isso – na turba neoconservadora, mas, de fato, é modo mais realista e menos
delirante de... combater (embora não de vencer) em vários teatros de guerra
simultâneos.
Quanto
ao segundo ponto, a eficiência neoliberal de Obama manifestou-se na maior
atenção, mais extensa e mais invasiva, que dedica a cumprir o dever de “combater
o terrorismo”, hoje combatido em número muito maior de países do que Bush e os
neoconservadores jamais conseguiram. O que nos leva à recente reunião de Cúpula
da OTAN e às simultâneas manifestações de “Não à OTAN” [orig. No NATO].
Escalada
até a reunião da OTAN
Apesar
de ser rotina que a empresa-imprensa nos EUA sempre reduza os números e a
qualidade das manifestações de cidadãos, dessa vez as contradições e
‘desmentidos’ foram de fato mais abundantes do que nunca, confusão para a qual
contribuíram também as autoridades, ao transferir para Camp David o encontro
agendado do G8.
Em
Maryland, a Cúpula dos Movimentos Populares Occupy G8 discutiu proposta
econômica absolutamente diferente, que reflete a visão que se organiza “de baixo
para cima”, dentro dos movimentos Occupy nos EUA, na Grécia, na Espanha,
na Grã-Bretanha e no mundo árabe.
A
visão dos “de baixo” pode até parecer utópica, mas cada um dos aspectos do
moderno estado do bem-estar também teve seus dias de utopia: da educação
universal às leis do salário mínimo e ao seguro-aposentadoria– e os mesmos
aspectos continuam ainda ameaçados por elites que parecem dedicadas
exclusivamente a acabar com aqueles direitos.
Neoliberais
como Obama podem até opor-se a medidas extremistas de “austeridade” como as
propostas no Orçamento Ryan (até Romney já admitiu que levariam a mais
recessão), mas ainda que Obama seja reeleito com diferença estrondosa de votos,
ele mesmo assim continuará a preferir alguma multimilionária “grande barganha”,
a ter de defender os programas centrais do estado do bem-estar como Medicare,
Medicaid e Social Security.
Chicago assistiu a uma muito ampla
série de atividades que duraram a semana toda, [5]
com especial destaque para uma manifestação liderada pelo Sindicato Nacional das
Enfermeiras [orig. National Nurses Union, NNU] [6]
que exige a criação de um imposto de 0,5% sobre transações financeiras, chamado
“imposto Robin Hood”; e as já mencionadas marcha e manifestação contra a guerra
liderada por membros da IVAW [orig. Iraq Veterans Against the
War/Veteranos do Iraque contra a Guerra] [7]
e Afegãos pela Paz [orig. Afghans for Peace]. Muitos membros do Sindicato
Nacional das Enfermeiras foram às ruas vestindo calções vermelhos e chapéus
verdes à Robin Hood.
Karen
Higgins, co-presidenta do NNU, disse que as enfermeiras preferem que seu
dinheiro de contribuintes seja usado para manter a assistência pública à Saúde,
não ao aparelho de guerra. “Pagamos impostos sobre o que compramos. É hora de
Wall Street começar a pagar o que devem ao resto do país. Por que não pagariam
impostos sobre o que eles compram?” É imposto que há em vários países – e que
existiu nos EUA de 1914 até 1966. Poderia arrecadar $350 bilhões por ano,
segundo o Sindicato das Enfermeiras.
Medidas
como essa poderiam, pelo menos, começar a nos repor de volta na trilha da
estrutura de tributos que ajudou a gerar as décadas de robusto sucesso econômico
dos primeiros anos do pós II Guerra Mundial, de 1946 até 1968.
Claro
que não foram anos perfeitos, longe disso. As mulheres e as minorias tinham
status limitado de cidadãos de segunda classe, no melhor dos casos. Mas
aquela promessa de prosperidade partilhada entre todos não é fácil de esquecer,
depois que se a antevê, mesmo que de longe. E se foi possível para praticamente
todos o norte-americanos machos e brancos, por que não seria possível para
todos?
Esse
é o espectro que ronda os EUA – e o mundo – hoje. É problema ao qual nem os
neoconservadores nem os neoliberais podem oferecer solução. E por isso,
precisamente, as duas ideologias, a neoconservadora e a neoliberal, são
ideologias fanadas e têm de ser derrotadas.
Notas de
rodapé
[1] 21/5/2012, Democracy Now
em: “No NATO, No War”: U.S. Veterans of
Iraq and Afghanistan Return War Medals at NATO Summit (em inglês). Vídeo a
seguir:
[2] Ver em:“Vietnam
Veterans Against the War” (Wikipédia) (em inglês).
[3] 9/5/2012, Huffington
Post, em: “Support
For War In Afghanistan Falls To New Low, Poll Shows” (em inglês).
[4] 9/2000, New American
Century; documento em: “REBUILDING
AMERICA’S DEFENSE” (em inglês).
[5] 20/5/2012, Occupy Wall Street em: “#NoNATO So Far: Thousands Protest
War and Austerity”.
[6] 19/5/2012, In These Times: Nurses Lead NATO Protest for “Robin Hood Tax” .
[7] 21/5/2012, Democracy Now,
em: “U.S. Army Vets Join with Afghans
for Peace to Lead Antiwar March at Chicago NATO Summit” (em inglês). Vídeo a
seguir:
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